Na pretensiosa Canção de Baal (2007), inspirada na obra do teatrólogo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), que aparece
no inicio e no final do filme depondo diante do Comitê de Atividades
Antiamericanas (House Un-American Activities Committe), durante o período do mccarthismo
nos Estados Unidos, Helena Ignez, estreia seu primeiro longa metragem com uma
incursão no universo da contracultura. O filme de 77 minutos tem como referências
o texto brechtiano, o qual coincide com a comprovação da teoria da relatividade
de Einstein e um conjunto anárquico de personagens envolvidos com a música, a
bebida, sexo, drogas e a própria vida.
O
filme se desenrola como uma experiência estética de ruptura entre o real e a
ficção, tendo como referencia um personagem Baal (Carlos Careqa), um artista ou
um demônio, para quem cada vicio tem a sua serventia, que surge como um músico e
poeta ambulante, destacando que não há
nada para se entender, mas apenas e unicamente sentimentos.
Ele
é convidado pelo mecenas Meck para um
jantar em sua homenagem, no qual escandaliza os anfitriões e convivas com a
sua linguagem solta, desbocada, sarcasmo e uma excessiva liberalidade. O
artista também deixa implícito ainda,
que quando se entende uma história, é porque ela foi mal contada.
Em síntese
a Canção de Baal foge à linguagem narrativa convencional, se somando à proposta de
uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, promovendo em contrapartida um estranhamento no espectador, que vai um busca
de referencias nos fragmentos das sequências aleatórias na montagem de um
verdadeiro quebra cabeças. Uma delas coincide com a visita de Einstein ao
Brasil. Einstein e Brecht tiveram um
ponto em comum: um foi revolucionário da arte ao se opor ao Nazismo e ao
defender o socialismo e o outro com as mudanças de paradigmas da ciência com a
lei da relatividade e a física quântica, igualmente contrário à belicosidade de
Hitler e dos seus asseclas.
O filme
também reúne em sua pluralidade e polifonia as diferentes manifestações
artísticas unindo a linguagem da literatura, ao teatro, à poesia e ao próprio cinema,
bem como à música – clássica como as Bachianas
ou popular, inclusive ao rap-, que se fundem à fotografia e filosofia tendo como eixo transversal
a própria metalinguagem cinematográfica de
Helena Ignez, que reflete na sua obra a convivência com cineastas como Glauber Rocha, Rogério
Sganzerla e Júlio Breassane.
Canção de
Baal também tem referencias ambientais e foi rodado numa fazenda de café no
interior paulista, no meio da Mata Atlântica e faz criticas também à devastação das florestas e o avanço
utilitarista da economia de consumo. Em sua visão hedonista e ao mesmo tempo niilista, Baal vê o amor entre
o céu e o chão e bebe no estrume da vida e do mundo, por considerar que Deus se
esqueceu do homem e que vivemos um tempo de assassinos e de violência
exacerbada.
Por isso
mesmo o poeta e cantador ambulante
questiona o porque de fazer versos, mas sabe que a vida ganha outro sentido e
serventia quando nos curvamos sobre as mulheres e anuncia: “enquanto não tiver
minha cota de bebida não haverá poesia”.
A sua poesia também é rica em palavrões e rimas de duplo e multiplos
sentidos.
Para ele,
que é cantador de cabaré e poeta, amante de uma milionária e gigôlo, a vida é a
vaca que você coloca no rio para atrair as piranhas visando deixar a boiada
passar. Ele também determina que faça-se a luz, mas ela o ofusca e não deixa
que revele a sua alma. O filme termina com uma frase de Einstein: “A razão pura
é a intuição”.
O filme inteiramente anárquico é inspirado na
peça de Brecht intitulada Baal (1918), que coincide com o ano da comprovação da
teoria da relatividade através de fotografias de uma eclipse total do sol. O projeto de Helena Ignez envolve não apenas o trabalho
do elenco, bem como a participação publico não apenas na fruição da obra, como também na sua percepção
e nas suas diversas leituras que transitam do significado ao significante numa
trajetória de mão dupla, talvez como no princípio do caos. (Kleber Torres)
Ficha técnica:
Titulo : Canção de Baal
Direção e Roteiro : Helena Ignes
Elenco: Carlos Careqa, Beth Goulart, Simone Spoladore, Djin
Sganzerla, Carlos Fugueredo e Felipe
Karnnenberg
Ano : 2007