domingo, 29 de novembro de 2020

Os múltiplos limites entre a insanidade e a morte



 

O instigante documentário "Louco Não. Doido",  dirigido e produzido pelo ganhador do Oscar Alex Gibney, exibido pela HBO e por streaming na HBO GO,  explora as raízes da violência a partir do trabalho da  psiquiatra Dorothy Otnow Lewis, que dedicou sua vida ao estudo de assassinos, e os motivos que os levam a cometer crimes hediondos e até  em série. Ela tratou jovens desajustados e casos de grande repercussão no país, inclusive de Theodore Bundy, o Ted, considerado um dos maiores seriais killers da história americana e do mundo, um jovem simpático, bem falante, aparentemente sem problemas e que matou mais de 30 mulheres e ainda guardava seus crânios como troféus.

O filme, que foi exibido na seleção para o Festival de Veneza 2020, reúne um conjunto de entrevistas e casos acompanhados pela psicanalista, que é contra a pena de morte para pessoas com doença mental, embora defenda o isolamento social dos assassinos em série para proteção das pessoas e da sociedade.

O roteiro foi montado como se fosse uma história de detetive, mostrando as ações da  psiquiatra Lewis ao longo da vida e o seu trabalho de pesquisa para conhecer os assassinos a partir da observação comportamental entrando nos seus corações  e da mentes. O documentário reúne inclusive entrevistas com presos gravadas no corredor da morte e a avaliação das experiências formativas e disfunções neurológicas de assassinos famosos.

Dorothy Lewis pesquisou a predisposição à psicose dos pacientes e a sua correlação com algum tipo de disfunção cerebral e homicídios. Em uma pesquisa com 55 jovens internados numa instituição psiquiátrica, foi constatado que 21 deles cometeram homicídio. O fato comum em todos os casos de homicidas era o registro de disfunção cerebral e um ponto em comum é que todos eles foram vítimas também de abuso sexual na infância.

No documentário aparece o caso de Mary Moore,  que tinha múltiplas personalidades e também  era psicótica. Dorothy Lewis constatou que ela foi abusada na infância e também se manifestava como Billy, uma personalidade masculina, ao cometer crimes e abusos sexuais. Em suas pesquisas a psiquiatra identificou  numa clinica crianças com disfunção cerebral casos de transtornos dissociativos  de identidade, indicando que personalidades alternativas violentas emergem e são mecanismos de crianças torturadas para se proteger e como instrumento de compensação.

A psiquiatra entrevistou ainda  crianças com transtorno dissociativo de identidade, como foi o caso de N. que também se identificava também como Amanda, e mantinha um registro das suas atividades diárias e uma profusão de desenhos> A pesquisa revelou os conflitos de personalidade antagônicas e dispares numa mesma pessoa.

Outro caso incluído no documentário foi o de Arthur Schawcross, um pacato pai de família e que trabalhava num café, preso pela morte violenta de 11 mulheres. O fato é que nem a  mulher com quem vivia  acreditava que ele fosse um assassino em  série, pois ele a aconselhava a ficar em casa e não sair porque tinha um assassino  solta na cidade onde moravam e a tratava com carinho.

Nas entrevistas com a psiquiatra ele  deu indicativos de lesões no cerebrais, o que foi comprovado com exames de imagens e  dizia que matava  influenciado por  Bessie, a sua  mãe, uma mulher dominadora e que o maltratava na infância. Ele conta que após cometer um crime via luzes e relaxava de tal modo, que dormia no carro, ao lado do corpo das vítimas, que descartava jogando à margem das rodovias.

Transtorno dissociativo de identidade  também foi o caso de Max, um outro  homicida culto, inteligente e que era agredido frequentemente na infância. Ele também se apresentava com Kalkin, dizendo que era um avatar, pessoa que fazia tudo pelo bem. A psiquiatra contava com a colaboração de Catherine Yeager, uma psicóloga clínica que participava de pesquisas e fazia o acompanhamento dos casos dos pacientes estudados.

A psiquiatra inclusive assessorou Martin Scorsese na produção do  filme Cabo do Medo, que conta a história de um psicopata, inclusive  colocando Robert de Niro para conversar com o Max, que tinha manifestações de múltiplas personalidades  e que  elogiou o desempenho do ator em Taxi Drive. No documentário também são colocados debates sobre a questão da pena de morte, um deles com a participação do então senador Joe  Biden, ainda jovem e hoje, eleito presidente dos Estados Unidos.

Os dois filhos da psiquiatra falam da convivência familiar, destacam sua dedicação ao trabalho, participação e contribuição à pesquisa inclusive na área acadêmica. O mais velho  auxilia a mãe, digitando os seus textos que são escritos sempre à mão sobre os transtornos dissociativos de identidade. Dorothy Lewys também tinha um hobby: o desenho

Um caso complexo pesquisado pela doutora Lewis foi de Johnny Frank Garrett, que aos 17 anos  matou  e estuprou uma freira. Ele confessou o crime, mas depois se recusou a assinar a confissão e foi diagnosticado com esquizofrênico, com danos cerebrais. O homem que acabou condenado à morte também se apresentava como Aaron Shockman (um nome sugestivo de violência) ou como Bárbara, o seu caso foi levado a um Comitê de Clemência, que decidiu  por 17 votos a 1 a favor da sua execução. No dia da sua execução, cuja suspensão foi pedida até pelo papa,  grupos a favor e contra  a pena de morte fizeram  manifestações em frente do presídio, no Texas.

O defensor público  Richard Burr dá  um depoimento destacando o papel pioneiro da psicanalista, dizendo que a justiça deve ver atenuantes e também agravantes para cada crime. Destacou que Dorotrhy Lewis defende um  tratamento diferenciado da justiça para pessoas com  diagnóstico personalidades múltiplas, evitando sua condenação à morte, o que não significa a sua soltura e nem absolvição por crimes, salientando que nenhuma nação civilizada executou doentes mentais.

A psiquiatra também acompanhou o caso de David, que tinha personalidade múltipla apresentando-se ora como Juan, Lee ou Bobby.David, que  na infância foi queimado e torturado pelo pai e pela mãe, tinha marcas dos maus tratos no peito e nas costas, ele chorava ao contar o drama da sua juventude e os caminhos que o levaram ao crime.

Um  caso a parte no filme, foi o Sam Jones, que não era um psicopata assassino, mas vendia sua força de  trabalho como o carrasco tendo participado da execução de 19 pessoas. Ele disse a psiquiatra, a quem deu entrevista tomando seis cervejas,  que não sentia nada quando matava os condenados e nem tinha remorsos,  mas pintava em acrílico depois de cada execução.  Seus quadros com caveiras estilizadas e cores fortes, revelam  a humanidade do carrasco que recebia em média 25 a 50 dólares por execução.

Sem dúvida,  caso mais famoso pesquisado pela psiquiatra foi de Ted Bundy, que matou mais de 30 mulheres, a quem  decapitava e ainda guardava os crânios  como troféu. A psiquiatra conta que errou no seu diagnostico e  ele acreditava que ele simplesmente já nasceu mau, pois não apresentava problemas neurológicos grave, embora  aparentasse ser uma personalidade psicopática. Ele acabou  executado em 1989 e  ao ser preso, também foram encontradas na sua casa revistas sobre sexo e pornografia, a quem acusava de ser o motivo do seu descaminho.

No histórico de Bundy, a avó teve depressão e chegou a ser internada em um manicômio. Ele era filho ilegítimo e foi criado como filho pelo avô um homem agressivo e violento, que influenciou negativamente na sua formação. O fato é que desde os três anos Ted Bundy manifestava atração por facas e chegou a ser diagnosticado pela psiquiatra Dorothy Lewis como um caso de transtorno bipolar.

O fato é que ao ser condenado à morte, Bundy ainda tentou recorrer da sentença, mas ele tinha plena consciência dos seus crimes e do que lhe iria acontecer com a aplicação da pena capital. Depois de uma conversa de quatro horas e meia com Dorothy Lewis, antes da sua execução, Ted Bandy confessou que teve um caso com a sua irma e ainda disse a ela que não saísse  de casa, porque tinha um assassino a solta matando mulheres parecidas com ela.

O caso de Bundy, em termos psiquiátricos,  só foi esclarecido depois da sua morte quando a psicóloga encontrou em poder de sua família cartas redigidas por ele, com a mesma letra mas com assinaturas diferentes ora como Ted Bundy, como Sam ( o nome do avô) e até como Sambo, indicativo positivo de transtorno dissociativo de identidade, o mesmo problema de outro réu serial killer condenado à morte e que deixou a sua torta de sobremesa, para comer depois da execução.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

Título : Louco não, doido

Diretor e roteiro: Alex Gibney

Cinematografista : Bem Bloodwell

Música : Will Bates

2020

Estados Unidos

1h50minutos

sábado, 28 de novembro de 2020

Os muitos caminhos da arte até a última volta do parafuso


O medo e o suspense são, sem dúvida alguma,  os dois melhores ingredientes na composição de um filme de terror, sem necessidade de exibição massiva de  mortes, de sangue em profusão, de fantasmas ou mesmo de monstros circunstanciais. Os órfãos (The Turning), baseado no romance A Volta do Parafuso (The turn of screw), escrito em 1898, por Henry James, conta história de uma jovem professora Kate Mandell (Mackenzie Davis) contratada para ser preceptora de dois jovens órfãos de uma família rica, Miles Fairchild (Finn Wolfhard) e Flora Fairchild (Brooklynn Prince) que vivem em uma  estranha mansão no campo e acaba se envolvendo numa escalada  crescente de medo, pavor e loucura.

O filme americano de 2020,  que dividiu opiniões da crítica especializada, foi dirigido Floria Sigismondi, que tem no seu histórico da produção de diversos videoclips, privilegiou as tomadas de cena e a iluminação para tentar conseguir imprimir o clima de tensão comum nas histórias de terror e suspense, talvez na tentativa de descrever o cenário  de Henry James na sua obra literária, que deixa as dúvidas a critério do julgamento do leitor. O livro não limita o espaço entre a loucura e o terror e deixa no ar dúvidas sobre a sanidade dos personagens.

 O castelo tinha uma ala que não era utilizada por Flora e nos quartos existiam manequins com formas humanas, um deles inacabado, cravado de alfinetes como nos rituais vodus. A dúvida que fica para o espectador é se Kate começa a ver fantasmas na piscina, nos corredores e nos quartos da mansão ou era uma mulher  instável, cuja mãe, com problemas mentais vivia interna num asilo.

 Os órfãos também não revela a relação de uma herança genética dos problemas mentais da mãe para a professora, que recebe um estranho e enigmático telefonema da própria genitora. A jovem tinha no telefone seu único elo de contato com o mundo exterior e falava dos problemas enfrentados apenas com uma amiga com quem dividiu a moradia quando lecionava numa escola. Ficam dúvidas ainda sobre a relação de Flora, que também temia deixar o espaço ‘protegido’ da mansão e de Miles, que descartava suas pulsões tocando bateria ou ouvindo rock, com Quint,

 Miles, que fora expulso da escola e voltou para a mansão no campo onde vivia a irmã Flora, em companhia de uma misteriosa governanta e da nova preceptora. Os orfãos pareciam impactados   pela morte dos pais num estranho acidente e ao mesmo tempo conviviam com a imagem de Quint (Niall Greig Fulton), de quem sobrou um retrato,um sádico desajustado, que mesmo morto interagia com os jovens numa enorme mansão isolada do mundo, e cujo acesso para a rodovia mais próxima esbarrava num grande portão de ferro.

O fato é que a presença de Quint é sentida na casa e no cenário do seu entorno. Ele afeta o comportamento instável dos jovens órfãos e vai gradualmente  afetando à professora. Ela descobre que a sua predecessora não fora demitida como se supunha, mas estaria morta, como também o próprio empregado da mansão, num jogo em que confunde suspense e loucura, o que acaba num desfecho inverossímil e duvidoso

Esta é a sétima versão do The turn of  screw (A volta do parafuso)  cuja primeira versão conhecida é Os Inocentes (The Innocents), de 1961, dirigida por Jack Cleiton.  A segunda é o cultmovie  Os que chegam com a noite (Nightcomers),  de 1971, estrelado por  Marlon Brando, dirigido por Michael Winner.]

A terceira versão foi Assombração de Helen Walker (The hauting of Helen Walker),  rodada em 1995 e dirigida por Tom  MacLoughlin. Ja a quarta versão A outra volta do parafuso (The turn of screw) é de 1999, assinada por  Antons Aloy e uma outra versão posterior do mesmo livro, foi Lugares escuros(In a dark place), de 2006,  um filme de Donato Rotunno.

Uma  sexta versão é A volta do parafuso(The turn of screw), de 2009,  de Tim Fywell e agora em 2020  a trama volta às telas em Os órfãos (The Turning)  em nova versão agora dirigida por mãos femininas  de Flora Sigismund que conta a história com os recursos da tecnologia digital que e nos ensina uma lição: não dá para fugir do inevitável. (Kleber Torres)

Ficha técnica

Título : Os órfãos (The Turning)

Direção : Flora Sigismund

Roteiro : Chad Hayes e Carey W. Hayes

Elenco : Mackenzie Davis, Finn Wolfhard, Brooklin Prince, Barbara Morten, Joely Richardson, Niall Greig Fulton e Kim Adis Rose

Cinematografista : David Ungaro

Música :           Nathan Barr

2020

EUA

90 minutos

domingo, 15 de novembro de 2020

A força política e moral do silêncio mostra a importância contestatória da arte



Uma história de resistência política e de amor incondicional à música, assim poderia ser considerado o filme Pau, La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio), de Manuel Huerga, exibido este ano na grade do canal Film&Arts. É a cineabiografia do músico e maestro espanhol Pablo Casals, considerado uma virtuose e um dos  melhores músicos de todos os tempos, que nos anos 1940,  durante a II Guerra Mundial, se manteve exilado em Prada, na França, com o compromisso pessoal de não tocar mais em público, apesar dos convites do mundo todo, até que o ditador generalíssimo Francisco  Franco Bahamonde deixasse o governo da Espanha.

Como republicano de carteirinha, ele foi ameaçado de morte pelos franquistas e no exílio, passou a viver na fronteira da França e Espanha, o que lhe permitia ver a sua terra. Ali, assumiu uma postura de contestação ao regime franquista, impondo um sistemático silêncio voluntário de não fazer exibições em público, mas para se exercitar, tocava em casa todos os dias e dava aulas ou orientava a artistas de grande potencial que o procuravam.  O músico dirigia ao mesmo tempo uma fundação de auxilio famílias republicanas carentes perseguidas pelo franquismo na Espanha  e a proteger  também da Gestapo os exilados espanhóis durante a ocupação da França, a entidade era mantida com seus recursos pessoais e doações.

Mesmo empobrecido, Casals também se recusou a realizar um concerto para o ditador Adolfo Hitler e por isso, teve suas contas bloqueadas  pelo nazismo. Numa cena em que é visitado por um oficial da Gestapo que o convidou para se exibir na Alemanha, Casals se recusou alegando que o seu estado de saúde de um homem com mais de 70 anos não permitia viagens longas. E fez uma assepsia do seu violoncelo, que foi tocado em uma das cordas pelo oficial germânico, dizendo que o seu instrumento falava, numa cena que nos lembra a assepsia dos dias hodiernos com o uso de álcool em gel na prevenção do novo coronavírus.

A força do silencio nos revela o lado humano e coerente da vida um artista sensível, de caráter, que não fazia concessões nem políticas, nem econômicas e nem morais, tendo como pano de fundo um bom elenco, com apoio de um roteiro historicamente irrepreensível,  fotografia de alta qualidade e uma trilha sonora inesquecível,  complementada com as músicas de câmera de Bach, a exemplo do Bach Cello Solo nº1.

Pablo Casales era um homem simples, que dividia o seu tempo com a mulher, que o apoiava integralmente, além dos amigos e discípulos que o procuravam quando  enfrentou o fascismo e franquismo, com um voto de silêncio musical. Ele recusou participação em vários concertos e inclusive de um festival internacional dedicado a Johann Sebastian Bach, nos Estados Unidos, mas, não pode evitar ser o centro uma grande apresentação em Prada, onde teve de dirigir e se apresentar com um grupo de músicos de todo o mundo que foram homenageá-lo e a Bach, num grande concerto de repercussão mundial e que gerou um incidente diplomático entre a França e os franquistas derrotados pela grandeza e pela força da música.

A cineabiografia revela a vida de um artista perfeccionista e que ainda  tocava violoncelo aos 74 anos, sem pensar sequer em se aposentar. Para ele Bach  não era um mero exercício, é melodia; não é apenas uma nota atrás da outra, mas muito mais. Como artista e virtuose, ele sugeria que a melhor coisa para profissional era trabalhar, trabalhar e trabalhar, incansavelmente, pois,  sem trabalho não há progresso: “por isso trabalhe e não tenha medo”, asseverou com sabedoria num dos seus conselhos aos discípulos.

Para Pablo Casals a música é tudo e  nela, “nós encontramos todos os sentimentos humanos,  desde a tristeza absoluta até alegria plena”. Para ele, Bach é um milagre, assim como a natureza com relação à própria vida com a sua complexidade. Ele também considerava que  tocar o público é uma grande responsabilidade e  “o trabalho é uma saudação a vida, porque a vida e a música andam juntas.”

O filme também nos ensina que na vida e na arte, um pouco de fantasia nos faz não faz mal, mas com ordem, afinal a música não é uma música de verdade se não tiver sofrimento e muito esforço. Nos revela outro ponto fundamental e que precisa ser compreendido por todos: a importância do compromisso e a força imponderável  do silêncio.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Pau, La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio)

Direção : Manuel Huerga

Roteiro : Maria Jaen

Elenco : Nao Albert, David Bages, Josean Bengo e Taxea, Joan Carreras, Marc Castels

Espanha

2017

1 h e 38 minutos de duração

sábado, 14 de novembro de 2020

O perfil em preto e branco do Grande Timoneiro da morte e da tirania

 

Mao Zedong, o Líder Supremo da China, considerado um dos mais sanguinários ditadores do mundo, comparável a Adolf Hitler e Stálin, que também integram o rol de personagens históricos da série Evolução da Maldade, transmitida pelo History Channel e que pode ser acessada pelo Youtube, liderou por um período de mais de 30 anos, aquela nação oriental com mão de ferro, implantando um regime de terror e de medo, subjugando seus inimigos à força e reforçando políticas duras para seus próprios cidadãos, deixando um rastro de 40 milhões de mortos de fome ou torturados por um regime implacável.

 

Como um líder para quem a morte de 300 milhões de pessoas seria um preço justo a pagar  para cumprir  os seus objetivos pessoais e políticos, Mao Zedong admitia que perder metade do seu povo seria razoável mostrando o perfil de um homem que exercia a violência absoluta através do poder. Ele é apontado no quinto episódio de um documentário com 50 minutos de duração, exibido na primeira temporada da série, como um homem que  abusava da violência através do poder, e foi  retratado como um autocrata sádico, inescrupuloso e viciado em brutalidade.

 

O filme também ajuda a compreender o cenário em que surgiu um líder despótico, que emergiu depois de 2.000 anos de uma dinastia imperial absolutista, que  impedia qualquer discussão ou crítica ao governo do país. Como contraponto ao poder imperial em decadência surgem dois grupos políticos disputando o poder: de um lado, os nacionalistas que queriam um país capitalista e de outro, os comunistas, influenciados pela revolução russa, os quais acabaram se defrontando numa guerra civil sangrenta,  que durou mais de duas décadas.

 

Mao Zedong era filho de um fazendeiro, que descobriu na política uma chance de chegar ao poder. Em 1917,  ele conheceu o manifesto comunista, que explicava o problema e a crise da China submetida a um império decadente e às pressões dos países colonialistas. Quatro anos depois, ele considerou o comunismo como único  caminho para uma revolução de sucesso e se dedicou exclusivamente à política, e em essência ao exercício do poder.

 

Em razão desta visão estratégica, em 1922 ele se juntou ao Partido Comunista da China, com o objetivo precípuo de chegar ao poder. Em 1924, os nacionalistas assumem o poder na China e Mao Zedong passou a acreditar que a revolução chinesa teria de  começar a partir dos camponeses, o que passou a ser o alicerce de sua ação política por quatro décadas, algo natural para que  mirava  chegar ao poder.

 

Nos idos de 1927, aos 34 anos, ele  foi indicado para o comando do Exército Vermelho,  uma milícia  de segunda classe e sem nenhuma estrutura formal. A sua estratégia era colocar os  camponeses  contra os donos das fazendas, marcando o início de uma guerra civil sangrenta na China, o que agradava  ao autor da frase: “todo poder cresce no cano de uma arma”.

 

É a partir deste período, que Mao Zedong se torna inebriado pela violência. É aí que ele assume o papel de comissário político do Partido Comunista Chinês,  um instrumento político  que permitiria controlar o que as pessoas pensavam e punir os dissidentes. Em 1931, quando o  Japão invade a China e toma a Manchuria um estado independente, aproveitando o conflito,  os comunistas tentam tirar vantagem sobre os nacionalistas, mas falham nessa nesse processo.

Em 1935,  aos 42 anos, Mao Zedong chega ao topo da escalada política, quando foi nomeado liíder do Partido Comunista da China,mas, dois anos depois, os comunistas maior são atacados em dois flancos, de  um lado, pelos nacionalistas comandados por Chiang Kai-shek e de outro pelos japoneses envolvidos numa guerra expansionista.  Como comandante  do Exército Vermelho, ele queria construir uma força submissa a ele e que  o levasse poder no final do conflito.

 

Assim, ele elimina o  princípio da teoria de uma utopia igualitária e enquanto seus seguidores tinham dificuldades em termos de alimentação,  moradia e  roupas, ele vestia fardamento de um algodão especial produzido da China e acumulava mordomias.  Como um manipulador nato,  Mao usou o poder para esvaziar e eliminar os seus críticos, usando inclusive da tortura, chagando a mandar  quebrar os joelhos de um adversário no banco do tigre, um instrumento de  tortura, obrigando-o a confessar que era um espião nacionalista.

 

A partir de então,  ficou estabelecido que  se a pessoa não pensasse como Mao, seu caminho seria o da morte. Ele também se aplicou  ao expandi o ciclo de terror ao seu redor, mas cuidando sempre de manter as mãos limpas e assépticas, criando uma rede de espionagem com tentáculos em todos os lugares.

 

A série conclui que a violência não é uma parte acidental do maoísmo, mas a sua própria  essência. Como resultado, em  1945,  Mao  tem sob seu comando um exército de três milhões de homens armados por Stalin e disposto a ocupar espaços no campo militar e político. Cinco anos depois, já no poder, ele dirige um pais empobrecido e que se recupera de três décadas de guerra, quando deflagra o seu Grande Salto Adiante, iniciado com a aquisição fábricas prontas dos russos e que eram pagas com alimentos. Ele também deu um tiro de misericórdia na propriedade privada.

 

Neste período, Mao, que já se intitulava como O Grande Timoneiro, não só eliminou a iniciativa privada, como determinou que o que era produzido no campo seria absorvido pelo estado, iniciando um período de coletivização da produção, mas com o estabelecimento de metas elevadas de produtividade e que dificilmente eram atingidas pelos produtores rurais, que eram punidos com rigor.  Esta política acabou resultando no colapso da produção de alimentos e instauração de um período de fome que matou milhões de pessoas nos campos e nas cidades.

 

No final  desta época, Mao lançou uma grande campanha para erradicação dos pardais, acusados de inviabilizarem a produção de alimentos, o que acabou gerando um problema ambiental ainda mais grave com o registro de pragas e doenças, cuja propagação era contida justamente pela aves extintas que funcionavam como predadores naturais de insetos.

 

Depois de quase 15 milhões de mortes em consequência da fome na China, Mao planeja ampliar o Salto Adiante e deflagra a Revolução Cultural, com um grande expurgo que atingiu lideranças do partido comunista, professores, médicos e todos os que eram considerados revisionistas burgueses.

 

A polêmica Revolução Cultural no período de 1966 a 1969,  empreendida por Mao teve como figura central sua companheira Jiang Qing e a participação dos célebres Guardas Vermelhos, que censuravam e impediam na marra a publicação de livros, produção de filmes e peças teatrais.

 



Nesta fase Mao publicou o Livro Vermelho, que seria a sua versão pessoal de O Capital, com 400 dos seus pensamentos, considerando que uma revolução não é um jantar, mas algo muito mais, sério, complicado e violento. A meta era expurgar os pensamentos burgueses para implantação de um pensamento correto nos padrões que idealizava do comunismo como ideologia que não admitia nenhum tipo de contestação.

 

A Revolução Cultural começou com propostas vagas, atacando o que Mao considerava velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos, ou seja, abrangia sem descer em profundidade a tudo o que o Grande Timoneiro, ou seus porta-vozes, desaprovavam.

No Livro Vermelho, Mao considerava que a guerra é uma continuação da política por outros meios, apropriando-se de um conceito do estrategista militar Carl von. Clausewitz (1780-1831),mas  incorporando o conceito do guerra como a maior forma de luta revolucionária.

 

Mao dizia também no livro, que onde a vassoura não alcança, a poeira não irá desaparecer sozinha e instigava os jovens a atitudes violentas contra os idosos, e os seus professores, milhares deles agredidos até a morte. A revolução cultural teve um saldo estimado de mais de um milhão de mortes sabidas e tornou a China um deserto cultural, além de ser uma oportunidade para  eliminar os inimigos visíveis ou invisíveis do regime num período marcado pela banalização da morte.

 

O fato é que o Grande Timoneiro morreu de uma doença degenerativa que lhe afetou a fala e os movimento, mas enquanto vivo, mesmo vegetativamente, tinha seus porta-vozes que o protegiam de tudo e de todos, emanando ordens muitas vezes desconexas. Muitos chineses acreditam também que, através de suas políticas, Mao lançou os fundamentos econômicos, tecnológicos e culturais da China moderna, transformando o país de uma ultrapassada sociedade agrária em uma potencia global que hoje rivaliza com os Estados Unidos. (Kleber Torres)

domingo, 8 de novembro de 2020

A nova releitura do clássico Homem Invisível de H.G.Wells

 



Nem tudo está perdido para o cinema no ano de 2020, que paralisou a produção e lançamento de filmes em função do avanço do novo coronavírus, mas se de um lado fechou as salas de cinema numa escala global, por outro,  abriu as portas para o lançamento de filmes em plataformas de streaming para alugar em resposta  pandemia de covid-19.

No caso de Invisible Man (O Homem Invisivel), filme de ficção científica e terror, ele foi escrito  e dirigido pelo cineasta Leigh Whannel, que trabalhou numa ideia a partir do romance de H.G.Wells, publicado em 1897, com um orçamento de US$7 milhões e conseguiu um faturamento de US$ 128,5 milhões, além de elogios da crítica que podem valer indicações para o Oscar. O filme de sabor hitchcokiano mostra que as boas ideias não envelhecem, e se prestam a releitura criativas.

A ideia central e com cenários ambientados no século XXI, tem como base  remake de um filme lançado em 1933, Invisible Man, James Whale considerado um clássico preservado pela cinemateca do Congresso Americano e que teve desdobramentos em 1944, The Invisibel Man’s Revange, dirigida pelo cineasta Ford Bebee. Na versão atual de Leigh Whannel, Cecilia "Cee" Kass (Elisabeth Moss) vítima de um relacionamento abusivo e tóxico, foge da mansão de seu namorado  Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen), um rico cientista especializado na área de ótica, drogando-o com diazepan.

Duas semanas depois da fuga, Cecilia ainda traumatizada pelo relacionamento abusivo, encontra abrigo na casa de seu amigo de infância James Lenier (Aldis Hodge), que é policial, e sabe, através do irmão de Adrian, o advogado Tom Griffin (Michael Dorman), a notícia que seu ex-companheiro se matou. Neste interim, ela perde a contratação por uma empresa ao desmaiar num entrevista em consequência do uso do mesmo medicamento que usou para dopar o ex-companheiro.

O presumível morto, cujas cinzas estão numa urna no escritório do advogado,  deixa  no seu  testamento US$5 milhões para a ex-companheira, na condição de Cecilia não ser considerada mental ou fisicamente incapaz, nem que se envolva num crime de morte. Ela abre uma conta especial para ajudar a custear a faculdade da filha do amigo e protetor James Lenier.

Mas os acontecimentos que se sucedem acabam a envolvendo na morte de sua irmã Emily, com quem jantava em um restaurante,  assassinada com um golpe de faca na garganta. Cecilia acaba internada em um sanatório, suspeitando que o ex-companheiro ainda está vivo e a persegue continuamente, depois de ter encontrado uma forma de ficar invisível. A mulher também perde direito à herança e poderá ter os benefícios restituídos se aceitar ter um filho do cientista.

 Ela acaba descobrindo que Tom tinha envolvimento na farsa, que Adrian Griffin ainda está vivo  e no final, tem um reencontro com o ex-companheiro para negociar a gestação de um filho e selar uma paz definitiva. Tudo termina de uma maneira imprevista como nos filmes do velho Alfredo Hitchcock, um mestre do suspense e que deixou sua marca e ideias na história do cinema.(Kleber Torres)



 

Ficha técnica:

 

Título : The Invisible Man (O Homem Invisível)

Diretor e Roteiro – Leigh Whannel

Elenco: Elisabeth Moss, Oliver Jackson-Cohen, Aldis Hodge, Storm Reid, Harriet Dywer e Michael Dorman

Gênero : Ficção Científica e Terror

2020

115 minutos