quinta-feira, 23 de julho de 2015

O retrato que faltava da insanidade







L'image manquante, The missing picture ou a imagem que falta na versão brasileira é um filme que narra em 92 minutos as atrocidades do governo do Khmer Vermelho, um regime que  deixou poucos registros de sua matança e escravidão generalizada do Camboja, dizimando 25% da população do país no período de cerca de cinco intermináveis anos ou seja entre 1975 e 1979, numa experiência totalitária sem precedentes.  A estimativa é de que tenham sido mortas por execução ou de fome entre 750 mil a três milhões de vítimas, embora o Projeto Genocídio Cambojano, financiado pelo Departamento de Estado dos EUA calcule o total de mortes entre 1,2 milhões e 1,7 milhões e  a Anistia Internacional estabelecesse um número intermediário de 1,4 milhões.
O filme não tem personagens vivos e é apresentado de forma documental  através de bonecos de madeira, que recontam a história de um povo que saiu de um estágio de desenvolvimento, com uma rede de universidades, hospitais e escolas estruturadas, para uma sociedade primitiva em nome de um desastroso projeto revolucionário e coletivista, que levou ao caos e à morte. A estimativa é de que metade das vitimas tenham sido executadas pelo Khmer Vermelho, através da Angkar, organização que controlava o sistema político idealizado por Pol Pot, um líder que se intitulava o Irmão número Um e tinha doutorado na França.
O diretor Rithy Panh, o único da sua família que escapou à sanha mortal dos revolucionários, monta o seu documentário através do resgate da história da sua família que se desfez durante a tempestade totalitária da Angkar e resgata algumas cenas de arquivo, uma vez que o cinema era uma das armas de propaganda de um regime autoritário e personalista, que idolatrava os seus lideres como entidades messiânicas.
Pahn também usa um recurso criativo para preencher esse vazio usando pequenos bonecos artesanais esculpidos em madeira, que resgatam as suas recordações, de quando ele e sua família foram forçadas a migrar de Phnom Penh para trabalhar, como todo o restante da população nas lavouras de arroz e em na construção de represas em áreas sem água suficiente. Primeiro morre o seu pai, que  se recusou a comer uma alimentação que seria inadequada até para animais, depois sua irmã vítima de inanição e por fim a sua mãe também acabou morrendo num catre de um hospital improvisado sem remédios e com alimentação racionada.   
Num regime totalitário que tinha como base o medo e a lavagem cerebral era normal o filho denunciar aos pais, que acabavam sumariamente executados, sem julgamento ou contemplação. Além do regime de trabalho forçado, a alimentação era racionada com uma cota de 250 gramas de arroz para 10 pessoas, o que era diminuído ainda mais nos períodos de estiagem. Ao mesmo tempo os filmes do regime mostravam superprodução de arroz, um produto escasso nas vilas e vilarejos controlados a ferro e fogo pelo Khmer Vermelho.
Cabe observar que ao tomarem Phnom Penh, os guerrilheiros encontram uma população indiferente e esperançosa. Uma das suas primeiras ações foi implodir o prédio do banco central, com todo o dinheiro que havia eliminando a base monetária do país e acabando com a circulação da moeda. Outra medida foi esvaziar uma cidade de dois milhões de habitantes, onde ficou apenas a sede do comitê central e hospitais, museus, bibliotecas e escolas foram fechadas. Uma universidade se transformou num centro de torturas e execuções.
A população da capital foi evacuada em trens, carroças e a pé. Os carros, um símbolo da decadência ocidental foram suprimidos. Para reeducar a população burguesa, os revolucionários eliminaram as famílias e estabeleceram núcleos de crianças, mulheres e homens, que formavam grupos de trabalho, Seus nomes foram substituídos por número e as roupas uniformizadas e pintadas de preto, uma cor condizente com a do regime dominante e que se apresentava como uma grande revolução.
O filme mostra ainda que instalado no poder, o Khmer Vermelho realizou um radical programa que visava transformar os cambojanos em um “Novo Povo” através do trabalho em comunas agrícolas primitivas transformadas em campos de trabalho forçado. O resultado foi o retrocesso de um país, que até hoje ainda não se recuperou e resultou na desumanização das pessoas. o que ocorria através da fome, da doença e da perda da sua capacidade física. Mas fica a imagem fotográfica de uma das vitimas de tudo isso, que num tempo de medo e intimidação olhou de frente e de forma fixa para as câmeras, o que os seus algozes nunca tiveram coragem de fazer na Kampuchea Democrática, de triste mas não de saudosa memória. (Kleber Torres - do livro O Princípio das Ideias)

Ficha técnica:

Título: L'image manquante / The missig picture / A imagem que falta
Ano produção        2013
Dirigido por  Rithy Panh
Elenco: Randal Douc
Duração      92 minutos
Gênero        Documentário/Drama/Tragédia

Países de Origem  Cambodja e França