domingo, 21 de fevereiro de 2021

Um duelo entre a inteligência e os adoradores da morte



Enquanto durar a Guerra (Mientras dure la guerra) dirigido e roteirizado por Alejandro Amenábar, que  também assinou "De Olhos Abertos", "Os Outros” e "Mar Adentro", ganhador do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, envolve duas narrativas que se sobrepõem  e se complementam ao mostrar as trajetórias do reitor da universidade de Salamanca, o pensador cristão e existencialista Miguel Unamuno (Kara Elejalde) e a ascensão do generalíssimo Francisco Franco (Santi Prego)  ao poder num rastro de 200 mil mortos. Franco governo a Espanha por 40 anos.

O drama começa em 18 de Julho de 1936, quando um grupo de militares liderados pelos generais Emilio Mola e Francisco Franco perpetra um golpe de Estado contra o Governo da Segunda República, formado por uma frente popular. Isso  recrudesce a guerra civil espanhola, num pais dividido entre republicanos, de esquerda e os monarquistas, de direita, liderados por militares apoiados pelos nazistas e fascistas, que testaram no conflito espanhol suas armas de guerras com uso de tanques, blindados e aviões de combate de ultima geração usados na II Guerra Mundial.

Por temer uma vitória dos comunistas que eram aliados dos republicanos, Miguel Unamuno, que cunhou o conceito da preservação da civilização cristã ocidental, assume publicamente o seu apoio à rebelião militar, que tinha como discurso a promessa reestabelecer a ordem ao país imerso no caos. Essa tomada de posição contra o Governo Republicano fez com que Unamuno fosse exonerado da sua função de reitor da Universidade de Salamanca, cargo que lhe foi outorgado com a chegada das tropas do general Franco, que liderava uma coalisão de forças unindo as tropas  para uma campanha vitoriosa, assumindo o controle do país.

Um personagem que ganha destaque no desenrolar da trama, que envolve os dois personagens centrais de Enquanto Durar a Guerra, é o general Millán-Astray (Eduard Fernández), um estropiado herói de guerra ferido em combate e que liderava a franja ideológica radical do franquismo, defendendo a prevalência da morte no embate com a cultura e a inteligência, comandando o expurgo e a eliminação de comunistas, maçons, homossexuais, artistas e  intelectuais. Uma das vitimas foi condenada à morte porque foi acusada de não ir à missa.

Enquanto Durar a Guerra tem o seu clímax em um incidente na Universidade de Salamanca, em 12 de outubro de 1936, ou seja, no terceiro mês desde o início da guerra civil, durante uma aula magna de abertura do ano letivo presidida por Unamuno, como reitor da instituição. O filósofo reagiu quando um dos oradores Francisco Maldonado de Guevara, lançou um candente ataque contra a Catalunha e aos Bascos, etnia de origem de Miguel Unamuno, qualificando-os de anti-Espanha e de tumores no sadio corpo da nação e que seriam erradicados cirurgicamente.

Em seguida, militantes na platéia reopetiam o lema da Falange: "Viva la muerte!", ao que Milán-Astray, general falangista também presente ao ato, respondeu com um costumeiro repto: "Espanha!".  Nesse momento um grupo uniformizado de camisas azuis da Falange invadiu o salão  e fez uma saudação oficial com braço direito para o alto, ao retrato de Franco em uma parede do salão nobre da universidade.

Unamuno,  levantou-se e pronunciou o discurso que lhe rendeu a exoneração do cargo de reitor e a uma prisão domiciliar:  “As vezes, permanecer calado equivale a mentir porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Quero fazer alguns comentários ao discurso - se posso chamá-lo assim - do professor Maldonado, que se encontra entre nós. Falou-se aqui da guerra internacional em defesa da civilização cristã; eu mesmo já fiz isso em outras oportunidades. Mas não, a nossa é tão somente uma guerra incivil. Vencer não é convencer, e há, sobretudo, que convencer.” ]

- O ódio, que não deixa lugar à compaixão, não pode convencer. Um dos oradores aqui presentes é catalão, nascido em Barcelona e está aqui para ensinar a doutrina cristã, que vós não quereis conhecer. Eu mesmo nasci em Bilbao e passei a minha vida ensinando a língua espanhola, a qual desconheceis [...],” complementou.

 “Deixarei de lado a ofensa pessoal que se deduz da repentina explosão contra bascos e catalães, chamando-os de anti-Espanha até porque com a mesma razão poderiam eles dizer o mesmo,» disse Unamuno, que naquele momento, era interpelado aos brados pelo general José Millán-Astray , que nutria um profundo ressentimento contra filósofo e professor, tentando interromper a sua fala enquanto seus seguidores gritavam o slogan da Falange: «Viva a morte!»

Ao que  Unamuno, replicou: «Acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito de "Viva a morte!". Isto me parece o mesmo que "Morte à Vida". E eu, que passei minha vida compondo frases paradoxais que despertavam a ira dos que não as compreendiam, devo dizer, como especialista na matéria, que esta me parece ridícula e repelente. Como foi proclamada em homenagem ao último orador, entendo que a ele é dirigida, se bem que de forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é um símbolo da morte. O general Milan-Astray é um inválido. Não é necessário dizer isso com um acento pejorativo pois é, de fato, um inválido de guerra. Cervantes também o foi. Mas extremos não servem como norma. Desgraçadamente na Espanha atual há demasiados mutilados”....»

Millán-Astray responde irritado «Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!» e Unamuno, indiferente e sem intimidar-se,  concluiu: «Este é o templo da inteligência e eu sou seu sumo sacerdote! Vós estais profanando este sagrado recinto. Tenho sempre sido, digam o que digam, um profeta de meu próprio país. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito. Mas me parece inútil cogitar de que pensais na Espanha».

No filme Unamuno acaba escapando dos seus antagonistas devido a uma intervenção de Carmen Franco, mulher do caudilho espanhol, que o puxou pelo braço retirando-o do recinto conturbado. Unamuno morre dois meses depois em sua prisão domiciliar e seus dois maiores amigos também foram neste interim executados pelos falangistas, que também executaram o maior poeta espanhol do século XX, Federico Garcia Lorca citado de passagem no filme, mas isso é outra história.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

 

Título : Enquanto Durar a Guerra ( Mientras dure la guerra)

Direção e roteiro  :  Alejandro Amenábar

Elenco : Kara Elejalde, Eduard Fernández, Santi Prego, Inma Cuevas, Luis Bermejo Luis Zahera, Nathalie Poza, Patricia Lopes e Tito Valverde

Gênero: Drama histórico

2019

115 minutos

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Prorrogadas as inscrições para a Mostra de Filmes Baianos com Acessibilidade



 

Produtores audiovisuais terão mais tempo para inscrever seus filmes produzidos na Bahia, com recursos de acessibilidade, no projeto Editando Sonhos: Jornada Formativa em Acessibilidade AudiovisualO festival virtual de cinema apresentará filmes baianos acessíveis produzidos a partir de 2018, com quatro obras a serem premiadas no valor de R$ 500. Agora as inscrições podem ser feitas até o dia 21.02 (domingo), por meio de formulário eletrônico.  A exibição será de três filmes de curta-metragem e um de longa-metragem, seguidos de debate entre a equipe e o público nos dias 27.02 (sábado), das 18h às 21h30, e no dia 28.02 (domingo), das 16h às 19h30. A premiação será no último dia, 28.02, às 20h.

 

A mostra de cinema é uma das ações do Projeto Editando Sonhos, que tem como objetivo promover a popularização dos recursos de acessibilidade comunicacional: Legenda para Surdos e Ensurdecidos (LSE), Janela de Libras (JL) e Audiodescrição (AD). O evento é parte da programação desta iniciativa que propõe habilidades para desenvolvimento de produtos inclusivos, as quais agentes de diversas etapas da cadeia produtiva do audiovisual terão a oportunidade de se qualificar sobre tais recursos em suas produções.

 

Um júri técnico constituído por sete membros da sociedade civil e uma curadoria especial formada por três integrantes compõem a seleção dos filmes. Como curadores, estão José Araripe Jr e Bárbara Carneiro. José Araripe Jr é um artista multimídia, roteirista e diretor de conteúdos audiovisuais para TV, cinema e publicidade, com vasta atuação, tanto como diretor e roteirista quanto como diretor de arte em cinema. Recentemente foi gerente executivo de conteúdo e de projetos especiais da TV Brasil/RJ, diretor geral do IRDEB , diretor de conteúdo e programação da TVE Bahia e consultor criativo do Núcleo Griot de Animação.

 

Bárbara Carneiro, por sua vez, é autora do roteiro de Audiodescrição que ganhou como melhor roteiro por júri popular e terceiro lugar por júri técnico do Festival Ver Ouvindo, em Pernambuco em 2017. Já o audiodescritor José Carlos Rodrigues, tem experiência na produção de audiodescrição para filmes, espetáculos teatrais, peças comerciais e seminários e atualmente é membro da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/SC.


Além da Mostra de Filmes Baianos com Acessibilidade, direcionada para produções acessíveis já realizadas na Bahia, o projeto Editando Sonhos conta também com palestra, mesas-redondas, minicurso e oficinas com profissionais da Bahia e de outras partes do Brasil especializados no ramo. A live de abertura do projeto, dia 22.02, às 10h, traz o tema “Audiodescrição e cinema - Por uma tradução visual que respeite a linguagem da obra” e terá como palestrante Bell Machado, diretora na Quesst Consultoria em audiodescrição e acessibilidade cultural.

 

A programação do projeto segue de 22 a 28.02, gratuita e on-line, com emissão de certificados.  Ainda é possível se inscrever nas oficinas até dia 18.02, via formulário eletrônico. Já as mesas-redondas, que acontecem dias 24 e 25.02 não necessitam de inscrições e estão abertas ao público no canal Editando Sonhos, no Youtube. As sessões de cinema serão dias 27 e 28.02. 

 

Em função do impedimento visual combinado com a falta de acessibilidade, milhares de pessoas são excluídas da vida cultural e, consequentemente, da interação social, do enriquecimento intelectual e das emoções que a arte e a cultura proporcionam. É fundamental que artistas, produtores culturais, educadores, jornalistas e profissionais das mais diversas áreas percebam a importância da inclusão irrestrita em atividades culturais e se apropriem de processos básicos de produção de conteúdo acessível.

 

“Compreendendo a diversidade de pessoas e, entre estas, a diversidade de possibilidades de acesso ao que é produzido culturalmente, um projeto como o Editando Sonhos vem contribuir e muito, com um lugar que a cultura, as artes e a sociedade em geral ainda pouco conhecem. É o lugar de outras formas de comunicação, de acesso, de língua e linguagem, que neste caso são possíveis com os recursos de acessibilidade como Audiodescrição, Libras (em janela ou ao vivo) e Legenda Fechada para Surdos e Ensurdecidos”, defende Sandra Rosa Farias, uma das produtoras do projeto.

Farias destaca também que o Editando Sonhos através das oficinas de capacitação, formação e informação e da Mostra de recursos acessíveis traz, principalmente para a classe produtora e exibidora de arte e cultura, o que é e como é possível oferecer para todas as pessoas sua produção, com estes recursos, coerentes com a qualidade do que é a sua produção.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem cerca de 45 milhões de pessoas cegas no mundo. De acordo com o Censo do IBGE 2010, 45 milhões de brasileiros disseram ter algum tipo de deficiência, ou seja, quase 24% da população. Nesse cenário, a iniciativa assume o papel colaborador na luta de combate à exclusão cultural no estado da Bahia, uma vez que produtores audiovisuais em sua maioria estão alheios à inserção de acessibilidade em seus projetos, processos e produtos culturais.

 

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

 

SERVIÇO:

 

Projeto Editando Sonhos: Ação Formativa em Acessibilidade no Audiovisual

Mostra de filmes baianos com acessibilidade

Primeira sessão - dia: 27/02/2021 (sábado), das 18h às 21h30

Segunda sessão -  dia: 28/02/2021 (domingo), das 16h às 19h30.

Premiação de quatro filmes baianos com acessibilidade

Dia: - 28/02/2021, às 20h

Inscrições: Gratuita, até 15.02.2021 através do formulário: https://forms.gle/2fATxUHfPLpzgw3VA

Mais informações: https://linktr.ee/projetoeditandosonhos

https://projetoeditandoson.wixsite.com/editandosonhos

https://www.facebook.com/projetoeditandosonhos

projetoeditandosonhos@gmail.com

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

O círculo tecnológico do fim da privacidade



A questão do fim da privacidade em um mundo cada vez mais tecnologizado é o tema central do filme O Círculo, sobre uma organização dirigida por Eamon Bailey (Tom Hanks), um empresário sem escrúpulos e acusado de violar a Lei Antitruste, que limita o poder monopolístico em setores da economia. A empresa tem como  principal produto o SeeChange, uma pequena câmera digital que permite aos usuários compartilharem detalhes de suas vidas com o mundo e em tempo real, colocando a cheque a sua privacidade e a sua vida particular.

Tudo começa com Mae (Emma Watson), uma universitária com futuro promissor, que realiza o sonho de trabalhar naquela que é considerada maior empresa de tecnologia do mundo, O Círculo. Mas ela vê sua vida mudar completamente de ponta a cabeça ao ser  contratada pelo grupo econômico, o qual  passa a monitorar e documentar sua vida em tempo integral, sempre com cobranças crescentes e exigindo inclusive de sua maior participação em eventos noturnos e nos finais de semana.

Para a empresa, a participação dos colaboradores é importante para sua integração no grupo e maior motivação para o trabalho, melhorando o rendimento pessoal do profissional a ela vinculado. Mae também é convidada para uma avaliação médica com uma especialista em esclerose múltipla e que também gostaria de coletar dados sobre o seu pai, que estava doente. A jovem se envolve no projeto True You (você é verdade) bancado pela empresa, em que tudo é gravado, visto, transmitido e analisado, com isso cada passo e respiração da pessoa monitorada acaba armazenada pelo Círculo.

As coisas se complicam quando seu namorado é ameaçado de morte, mas Mae não deixa a empresa, que mantém um rígido sistema de vigilância com o argumento de que ”nós nos importamos com as pessoas que são importantes para nós”. Ela conclui que segredos são mentiras que tornam os crimes possíveis e promete levar uma câmera do SeeChange para onde fosse, com isso, em três semanas ganhou  milhões de seguidores e visibilidade na rede mundial de computadores se transformando numa celebridade, mas como o circulo vicioso, ele precisa ser inteiro, para isso o ideal seria colocar todas as informações da pessoa no sistema agregando até titulo de eleitor, carteira de motorista e registro civil.

A empresa no seu conceito de poder considerava que em função do seu suporte tecnológico,  o governo precisava mais dela, do que ela das atenções governamentais e em sua expansão 22 nações operavam eleições através do Círculo, que pelo sistema de soul search, também tem contribuições na área da saúde ou segurança, podendo localizar uma pessoa desaparecida ou fugida em 20 minutos através de um complexo sistema de reconhecimento facial. Um exemplo de eficiência, foi o caso de uma mulher na Inglaterra, que foi presa depois de matar os três filhos e que ao fugir da cadeia foi localizada em apenas 10 minutos e 21 segundos.

O que Mae não imaginava, no entanto, é que toda essa exposição teria um preço, não só para ela, mas também para todos ao seu redor. Assim, para tentar consertar o erro,  sai da casa dos pais e volta para o Circulo na tentativa de consertar o sistema a partir do seu bojo, atuando no contrafluxo  dentro de uma organização que investia continuamente na melhoria dos serviços, porque afinal, tudo é negócio e informação é poder,  o que pode dar lucro.

Alegando que não queria viver desconectada, Mae tenta o contragolpe contra o sistema ao propor uma conexão ininterrupta, que começasse desde a empresa, com a transparência das ações dos seus líderes, através da exposição de suas vidas e rotinas. O próprio Eamon Bailey descobre ao ficar exposto que, “estamos ferrados”, porque, não tinha  mais segredos e a privacidade acabou e lamenta tragicamente: “nós não vivemos mais na sombras e as luzes se apagam”, apontando que na hora de mudança, ela tem de ser imediata até porque o futuro não espera e o feitiço acaba virando, às vezes, contra o feiticeiro.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

Título : O Círculo

Diretor : James Ponsoldt

Roteiro: James Ponsoldt e Dave Eggers

Elenco : Emma Watson, Tom Hanks, John Boyega, Katen Gila, Ellar Coltrane, Patton Oswalt e Glenne Headly

Cinematografista: Matthew Libalique

2017