sábado, 19 de março de 2022

Uma crise letal que reflete um dos dramas da pós-modernidade


 

 

Tendo a epidemia de opióides,   que mata milhares de pessoas todos os anos em todo o mundo, como pano de fundo, Crisis é um filme  sobre uma droga ficcional Klaralon, um analgésico vendido  como muitos medicamentos liberados pelas agências de controle de alimentos e medicamentos por ser considerado eficiente no combate à dor e não viciante, o que nem sempre é verdade. Em Detroit, por exemplo, chegam a ser registradas por semana 40 mortes de overdose, um indicador revelador de que o vício ganhou a forma de uma epidemia na sociedade americana, enquanto que  com a venda deste tipo de droga muitos laboratórios faturam bilhões de dólares e investem inclusive no marketing de apoio às artes e à cultura.

Dirigido e roteirizado por Nicholas Jarecki, o filme envolve as três faces do problema: a produção de medicamentos à base de ópio, a sua distribuição legal através de farmácias ou por meio de traficantes no mercado negro, além do drama dos viciados no caminho inexorável da morte. Tudo começa com a apreensão de uma partida de drogas com envolvimento  de um agente infiltrado da DEA na fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos.

Em paralelo, o bem sucedido do professor e cientista Tyrone Brower (Gary Oldman), divide a sua carreira dando aulas numa instituição de ensino superior e validando com seu nome a pesquisa de drogas como Klaralon, produzido pelo laboratório Nortlight, como possível sucedâneo do Oxicodona, produto que existe no mercado e é considerado um potente opioide para tratamento de dores moderadas e severas, mas considerado viciante como todos os produtos derivados do ópio.

Brower tenta retardar o lançamento do Klaralon ao descobrir que a droga em desenvolvimento era viciante e que em dez dias, os ratos acabavam morrendo no laboratório pelo consumo crescente do produto. Ao constatar o problema, ele entra em rota de colisão com a direção do Northligth, que lhe acenou com uma bonificação de quase 800 mil dólares para novas pesquisas caso validasse o lançamento do produto já autorizado pela agência controladora do governo e depois forçaram sua demissão da universidade em que lecionava sob ameaça do corte de verbas e patrocínios.

Já o policial  Jake Kelly (Armie Hammer) trabalha infiltrado no desmonte de uma rede internacional de tráfico de drogas  e acaba encontrando Claire Reimann (Evangeline Lilly) uma arquiteta viciada e mãe enlutada, que perdeu o filho morto por overdose pelo consumo de opioides.

Crises tem como base a constatação de que todos os anos em escala global os opioides, cujo consumo cresce em média 20% ao ano,  matam cerca de 100 mil pessoas . As drogas deste tipo matam anualmente mais americanos do que a guerra do Vietnam, um problema que tem de ser enfrentado pelos governos e pela sociedade. O filme também serve como um alerta e mostra as múltiplas faces de um problema letal, que reflete os dramas da pós-modernidade com drogas que também são colocadas às vezes normalmente no mercado ou senão, por vias transversas e que são conhecidas de todos.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título : Crisis

Diretor e roteiro : Nicholas Jarecki

Elenco : Gary Oldman, Armie Hammer,  Greg Kinnear, Evangeline Lilly, Michelle Rodriguez, Luke Evans, Guy Nadon,. Lily-Rose Depp, Veronica Ferres e Kid Cudi

Cinematografista : Nicholas Bolpuc

Música :

Gênero : Suspense

Duração : 118 minutos

Ano de lançamento : 2021

País : Canadá/Bélgica

domingo, 6 de março de 2022

O mago que uniu o tango ao jazz e a música clássica



 

 

Um retrato da vida tumultuada do lendário do compositor e bandeonista Astor Piazzolla, filho de Italianos e  que se vivo o fosse, hoje teria mais de 100 anos, é o resultado do filme Piazzolla: os anos do tubarão, dirigido por Daniel Rosenfeld, que também participou da elaboração do roteiro ao lado de  Fernando Regueira.  O documentário foi construído a partir de imagens e registros de áudio inéditos, descobertos pelo filho Daniel Piazzolla, o que permite uma visão da música e da sua arte revolucionária mudando em definitivo os rumos da história do tango ao incorporar referências do jazz e da música clássica, além de mostrar a intimidade do músico com a família, amigos e os seus projetos  pessoais.

 

Piazzolla aprendeu bandeon no Bronx, onde sua família passou a residir num bairro judeu depois de se mudar da Argentina para os Estados Unidos. Ali ele também começou a lutar box e aprendeu uma regra básica e que aplicou de certa forma na vida prática: “nunca espere ninguém bater primeiro”. Como musico, ele fez três apresentações num hospício, onde o conheceu  o poeta Jacobo Fijman, que  passou 24 anos internado e não queria sair porque não tinha ninguém lá fora, para quem tocou Balada para um louco fazendo com que os pacientes rissem e chorassem nas execuções do tango.

 

Ainda em formação, Piazzolla também estudou música clássica para aprender teoria e composição. Como exercício, fez adaptações da música de Bach para o bandeon com sucesso. Ele também conheceu Carlos Gardel, que na época precisava de um garoto entregador de jornal na filmagem do El dia em que me quieras, em 1935. Gardel ficou impressionado com o jovem e o convidou para  tocar em sua casa, elogiando o seu desempenho. Ele também o convidou para a mesma turnê em que Gardel acabou morrendo num acidente aéreo.

 

Em 1936, Piazzolla começa a tocar numa orquestra de tango integrada por 13 músicos e começou a aprender piano com o compositor erudito argentino Alberto Ginastera. Esta experiência lhe permitiu incorporar os conhecimentos da música clássica e do jazz para o tango, fazendo uma música para as pessoas que pensam.

 

Ele se casa e monta a sua primeira orquestra própria em 1946, mas não atraia o público para as casas noturnas em que se apresentava. Então, ele decidiu não mais tocar num cabaré e compôs a Sinfonia de Buenos Aires – uma rapsódia portenha, que lhe valeu um prêmio internacional para estudar composição e orquestração com Nadine Boulanger, em Pris, levando seu bandeon e lá desenvolve um conceito do tango novo. Boulanger também orientou celebridades da música como Burt Bacarath, Egberto Gismonti, Igor Stravinsky e Quincey Jones.

 

Após o curso na Europa, ele volta para a Argentina onde foi lutar como um gladiador em busca do reconhecimento estético da sua música. Ele também assistiu ao mesmo tempo em Buenos Aires, a queda do ditador Juan Domingo Peron e a crise do tango, que perdia espaço para o rock, que conquistava os jovens portenhos.

 

Em 1955, desenvolve a proposta do tango para ouvir, com uma banda com oito instrumentistas, num período em que a música era o que mais lhe interessava na vida. Piazzolla também sentia que os jovens não mais queriam dançar o tango, que era complicado e desenvolveu uma teoria do tango progressivo, com o octeto de Buenos Aires associando-o ao jazz e ao clássico.

 

Sem apoio, ele decide deixar Buenos Aires na busca de novos rumos e em dificuldades financeiras aceitou um emprego de tradutor no Banco da Argentina, em Nova York, onde passou a viver. Neste período, compôs em 30 minutos Adeus Nonino, dedicado ao seu pai morto, o que considerou um momento especial na sua vida e passou a comandar um quinteto e a banda Nova Guarda, dando continuidade ao projeto para uma mudança harmônica e rítmica mais emocionante, mas sem perder a essência do tango, com uma música nova e que atraia a atenção dos amantes do jazz.

 

Nesse interim, ele se separa da mulher e começa a fazer sucesso com o quinteto, abocanhando na época um prêmio de US$ 2,5 mil em um concurso num festival de música  e dança com a Balada do Louco. Em seguida,  inicia uma parceria  exitosa com o saxofonista Jerry Mulligam, no período quando passou a ser conhecido internacionalmente e aplaudido pelo publico.

 

Em 1978, Piazzolla retorna para a Argentina e volta a tocar com o quinteto. A sua filha, que fazia oposição ao governo militar na Argentina, não perdoou o seu almoço com o general Vidella. Mas o músico continuou a sua trajetória de sucesso considerando que a sua música continuava em evolução e atual, “tem um pouco de tango, mas é o mundo de Piazzola, uma música romântica  e com muita ternura. Estou no período do tubarão: pesco um dia e no outro componho.”

 

Em 1988 , ele se apresenta no Teatro Cólon e depois foi operado do coração, sendo aconselhado a deixar os palcos se dedicando apenas a compor, mas obstinado,[ não obedeceu às ordens médicas e continuou se apresentando. No filme, ele confessa que foi o filho que Nonino  queria ter: “ele lutou muito por mim,” mas acaba doente e paralitico, e passa paralítico o último ano de sua vida sem pescar tubarões e sem compor, conhecendo a profundidade e os limites absolutos da solidão e da morte.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica :

Título Piazolla: los años del tiburón (Piazolla : os anos do tubarão)

Direção: Daniel Rosenfeld

Roteiro : Daniel Rosenfeld/Fernando Regueira

Elenco : Astor Piazolla, Daniel Piazolla, Alejandro Varillo Penovi

Produção : Frabnçoise Grazi

Gênero : documentário

Duração : 90 minutos

Ano : 2018

País : Argentina / França