domingo, 29 de março de 2015

A tecnologia muda os rumos do cinema






Um rico painel sobre os impactos da revolução tecnológica no mundo do cinema, é o resultado do filme Side to Side (Lado a Lado) apresentado por Keanu Reeves,  num amplo e construtivo debate com cineastas, atores e técnicos, sobre a influência e as mudanças provocadas pela tecnologia digital, com os seus avanços exponenciais. Dirigido por Christopher Kenneally, em 2012, quando foi exibido numa mostra internacional de cinema em São Paulo, o filme também questiona até que ponto as inovações tecnológicas podem ser consideradas ou transformadas em arte.
Reeves entrevista diretores como Martin Scorsese, James Cameron, Robert Rodriguez, Steven Soderbergh, Christopher Nolam, Richard Linklater, Lars Von Trier – um dos mentores do Dogma 95, um movimento cinematográfico internacional lançado a partir de um manifesto publicado há 10 anos – e David Lynch,  além de atores como John Malkovich e Greta Gerwig, além de diretores de fotografia e técnicos que atuam nos bastidores do cinema.
A  discussão transcendeu o mero debate sobre  a diferença entre câmeras analógicas, que usam película da mesma forma desde a criação do cinema há mais de um século e que devem perdurar, e as digitais, com seus recursos tecnológicos. A abordagem embora  bastante didática, faz também uma contraposição entre o velho processo fotoquímico das películas e o universo digital, que se intensificou nos últimos 15 anos, com a produção de câmeras cada vez mais sofisticadas e com o fim a fabricação dos equipamentos convencionais.
O filme também evidencia uma ordem  cronológica, desde o uso dos primeiros recursos dos sistemas de edição eletrônica, que oferecem como vantagens um custo menor e mais rapidez na produção de filmes, com equipamentos portáteis facilitando a captura de imagens com a câmera, e permitindo como contrapartida se ver o resultado da filmagem no momento imediatamente subsequente à tomada de uma cena. Também evidencia que o cinema hoje mistura arte com tecnologia, o que transforma o diretor de fotografia numa espécie de mágico e mudou completamente o sistema de edição e montagem a partir de um simples toque mágico  em um botão.
Em termos históricos primeiro filme importante feito  com tecnologia digital foi o dinamarquês "Festa de Família" (do movimento Dogma 95) e  o primeiro rodado em HD foi o "Star Wars: Ataque dos Clones", de 2001), Além da câmera em 3D desenvolvida por James Cameron para "Avatar". Vale salientar que este processo se consolidou em 2009, quando o indiano “Quem Quer Ser um Milionário”, foi o primeiro filme inteiramente digital a conquistar o Oscar, consagrando no circuito oficial o uso desta nova tecnologia.
O Lado a Lado  também nos revela o acelerado desenvolvimento da tecnologia digital, que no ano 2000 incorporou uma câmera digital de alta resolução, a F 900, seguida da HD Thompson Viper (2004)  e da Genesis, da Panasonic, lançada no ano seguinte, com um sistema de enquadramento global. Também  em 2005 foi lançada a RED 1 e em 2007 a Silicon, com um aumento da resolução de 2 k para 4 k.
O filme nos leva a concluir que o avanço do sistema digital é irreversível e provocou mudanças radicais no modo de produzir e de fazer filmes. Embora o sistema tradicional do celulóide seja considerado de alta qualidade e de fácil armazenamento, desde que as fitas sejam acondicionadas em condições adequadas, há ainda uma dúvida: como preservar o material produzido digitalmente, uma vez que dezenas de equipamentos produzidos nos últimos 50 anos foram superados e não existem mais equipamentos para se ver vídeos feitos em Betamax ou VHS.

Mas o Lado a Lado também nos permite chegar a uma conclusão proposta pelo diretor de "A Rede Social",  David Fincher,  ao lembrar que  arte é imortal, não importa em que plataforma, não importando se no desempenho de 24 fotogramas por minuto ou pelo sistema de pixels, com seu padrão de resolutibilidade e de qualidade que melhora a cada dia, mas não é eterno e é mutante como a nossa própria vida.(Kleber Torres)

sábado, 7 de março de 2015

Onde está a grande beleza ?








Uma reflexão sobre a vida, a decadência e a morte, este é em resumo a essência de “A Grande Beleza”, um filme de Paolo Sorrentino, que tem o cenário uma Roma felliniana, durante o verão,  quando o escritor  e jornalista Jep Gambardella (Toni Servillo),  aos  65 anos, faz uma revisão crítica da sua existência  e da suas relações com o mundo, a partir da cidade onde vive, das pessoas que conhece  e como resultado da sua ação no mundo ilusório.
O filme  também é  proustiano, quando propõe uma busca do tempo perdido a partir  das pequenas e grandes coisas do dia a dia e ao mesmo tempo tem Flaubert como referência, na proposta da construção de um romance sobre o nada, que seria em essência a própria vida de Jap Gambardella, que não tem mais tempo a perder e nada a declarar na contabilidade de lucros e perdas existenciais, porque afinal tudo é transitório e passageiro .
O fato é que  desde o grande sucesso do seu romance "O Aparelho Humano", escrito quatro décadas antes, com sucesso de crítica, Gambardella não concluiu nenhum outro livro e nenhum outro projeto importante, se dedicando a artigos em jornais e revistas, ou mesmo publicando entrevistas sem sentido com pessoas que não falam coisa com coisa.  Ele vai a um happening, que tem como culminante uma mulher que bate a cabeça numa parede e a qual como artista,não tem o que dizer, naturalmente,  porque ao ser uma estrela não precisa explicar nada.
O filme começa com o seu aniversário de 65 anos, com uma atriz decadente saindo de um bolo e desde então, a vida de Jep se passa entre as festas da alta sociedade, nos luxos e privilégios de uma celebridade, que não sabe nem mesmo que o vizinho do lado é um homem procurado pela polícia. Jep também rememora o amor  da sua juventude, tema da sua primeira obra literária e tenta criar forças para mudar sua vida, e talvez voltar a escrever possivelmente uma obra sobre o nada, tarefa ambiciosa não alcançada por Flaubert e por mais ninguém.
Indicado  para o Oscar de melhor filme estrangeiro, “A Grande Beleza” é um filme existencialista , mostrando o drama de um personagem individualista, solitário e  melancólico, um sexagenário que tem uma vida interior rica e muitos referenciais de amigos.
Além de celebrar o seu 65.º aniversário com uma festa  no terraço de um edifício  de Roma, cidade que adotou por mais de 40 anos e se recusar a ser personagem de um livro de um amigo sobre as suas visões e revisões, ele se propõe a ajudá-lo financeiramente em outros projetos como um show. O amigo por seu turno desiste de Roma depois do primeiro espetáculo e descobre decepcionado, que nada mais tem com a cidade, que é igual às outras, ou seja, habitada por pessoas, cheias de prédios e de carros.
Ao receber a notícia da morte do seu primeiro amor, Elisa, Jep recorda a juventude  e  a publicação de um livro elogiado pela crítica. Ao mesmo tempo ele circula  pelas ruas de Roma, em jantares e conversas com amigos,  em que conclui que não pode perder mais tempo e divaga sobre a descoberta da sua vocação para a mundanidade, “eu não queria apenas participar da festa, mas poder fazer a diferença.” Ele conclui que na mundanidade a beleza não é tudo e admite que talvez volte a escrever um dia.
O filme contrapõe as cenas com imagens  das ruínas do Coliseu e da Cidade Eterna, com seus jardins palácios e museus,  com a visão panorâmica  da varanda do seu apartamento fazendo uma correlação entre o mundo exterior e a vida interior do personagem. Como contraponto ao real e ao sonho, ele se propõe a  escrever uma obra prima, que seria a Grande Beleza, para compensar uma vida devastada. Nesse ínterim,  ele visita um amigo viciado em drogas, que tem uma filha stripper, com mais de 40 e sonha em conseguir um marido para ela, a quem Jep confessa: “ estou velho” e Ramona responde “jovem você não o é”.
Considerado  como uma espécie de ligação com obras fellinianas como A Doce Vida, que tem como referencia um jovem jornalista e Oito e Meio com o seu niilismo, A Grande Beleza é, sem duvida alguma um mergulho no mundo onírico de Federico Fellinni na sua abordagem sobre o tédio e a decadência, bem como quanto à falta de sentido na vida, tendo como referência  a existência pós-moderna, com a exacerbação do individualismo e dos autoretratos, os selfies.
A Grande Beleza também nos remete à sociedade de consumo e espetacularização da vida como na cenas de um presumível consultório de beleza e as sequências do atirador de facas. Ele também conclui que Roma esta piorando de maneira vertical e mostra uma esperança no seu reeconcotro com Stafanie, com quem visita a castelos, ouve concertos de música clássica e vai ao enterro de Ramona. Há também a sequência do Cardeal que só fala de comida e futilidades e de uma freira que era uma santa e de quem não consegue uma entrevista, completando o painel felliniano do século XXI.
A cena da mágica com uma girafa nos remete por fim  ao fato de que tudo na vida é ilusório e ele quer investigar através do diário de Elisa, o motivo pelo qual ela o deixou, numa outra  referência não apenas à mera busca do tempo perdido, mas daquele tempo morto, que não volta mais e não tem nenhuma utilidade. No encontro com Stefanie ele diz que vem errando o alvo há 40 anos e que sente  um declínio constante, “mas, ainda temos algo bom a fazer juntos”, complementa.
      O filme também revela que as pessoas sofrem, mas não entendem o que acontece e que Jep procurou a grande beleza mas não a encontrou, mas tudo termina mesmo na morte, que constrói toda uma dialética em relação à vida, o qual opõe o silêncio à fala excessiva, e coloca como antagônicos os sentimentos como a emoção e o medo, deixando os lampejos da beleza diante da   miséria desesperada  e do homem abandonado, tudo sepultado sobre os embaraços de estar no mundo e da conversa fiada, sem fim. Afinal tudo é uma grande ilusão e a beleza faz parte dela mesmo com uma fotografia requintada ou uma história que foge ao convencional..(Kleber Torres)
Ficha técnica :
A Grande Beleza / La grande bellezza
Itália,  França
Ano 2013
Duração :  142 min
Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Elenco: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte e Pamela Villoresi

Género: Drama