domingo, 11 de dezembro de 2016

Uma história verdadeira de morte e manipulação






O filme A  História Verdadeira, rodado em 2015,  não nos oferece apenas a narrativa de um fato real, acontecido nos Estados Unidos, em que o marido mata a mulher e três filhos, com requintes de perversidade e premeditação, como também revela montagem de uma farsa, em que o assassino se passa por um repórter do New York Times, considerado o melhor jornal do mundo e procura escapar aos rigores da lei com histórias inverossímeis, que ele mesmo seria incapaz de acreditar. O filme também oferece como pano de fundo o debate sobre o jornalismo e da credibilidade da informação, neste tempo de hoaxes – boatos espalhados pela internet – e da fabricação em escala industrial de não notícias, privilegiando a mentira e a desinformação.
O filme começa com o repórter do NYT, Mike Finkel, interpretado por Jonah Hill, fazendo uma reportagem para a revista dominical do jornal americano sobre a exploração de escravos jovens nas plantações de cacau na África. O  jornalista acaba demitido quando o jornal descobre que ele manipulou informações,  trocou uma foto e transformou as cinco pessoas que entrevistou num único personagem, para produzir uma matéria em defesa de direitos humanos e do fim do trabalho forçado nas plantações africanas, um problema que não é novo e tem sido denunciado ao longo do tempo por jornais e até mesmo em filmes específicos. Cabe salientar que este trabalho escravo tem o amparo silencioso das indústrias moageiras, o que não foi abordado no filme.
Numa outra sequência, aparece Christian Longo (James Franco), que está foragido no México depois de matar a mulher com sinais de estrangulamento e os filhos por afogamento, conhece uma turista alemã, com quem tem uma relação casual e se apresenta como Mike Finkel, do NYT. Ele acaba preso, mas continua assumindo ser o jornalista, que em função de uma denúncia de um colega começa a se interessar pelo caso que pode trazê-lo de volta ao mercado de trabalho e à grande imprensa.
O Finkel de verdade encaminha uma carta ao assassino e consegue um contato com ele no presídio Lincoln, onde Longo aparece como um preso de comportamento exemplar. Ele mesmo se define como um homem digno de normal 98% do tempo e conta que durante a sua vida seguiu a carreira e o trabalho do jornalista, o qual aparecia sempre como uma espécie de paladino na defesa dos que não têm voz, complementando: “li tudo o que você escreveu”.  Ele também repassa ao repórter um texto extenso e desenhos  sombrios falando sobre o caso, narrado numa espécie de depoimento e romance autobiográfico.
Chris Longo admite ainda ao jornalista, que o período mais feliz durante muito tempo da sua vida foi quando estava sendo ele e fez um pacto para que Mike Finkel não revelasse  nada das conversas que tiveram até o julgamento,  mas cobrou que este o ensinasse a escrever. O assassino também fez uma lista dos erros que cometeu ao longo da vida e falou do seu casamento, da mulher que conheceu numa igreja evangélica e a quem matou esganada, colocando o seu corpo e de uma filha em duas malas, jogadas a 20 quilômetros do lugar onde morava, em uma cidade vizinha, em mais uma estratégia para dificultar as investigações policiais.
Ao mesmo tempo em que levanta discretamente informações sobre a vida pessoal do jornalista nos diálogos que travam, Longo diz que ele fala bonito e domina tão bem as palavras, “que eu quero isso também”.  O assassino falava ainda do amor que sentia pela família e queria sempre o melhor para ela, “mas - alegou sem emoção -, não posso dizer o que aconteceu”. Ele também não conseguiu encaixar uma explicação convincente para o motivo pelo qual fugiu para o México e informa lacônico: “eu não os matei”, alegando uma suposta inocência.
O assassino falou ainda do empobrecimento da sua família e admitiu que isso o levou a pequenos roubos e fraudes, inclusive a falsificação da assinatura do sogro em cheques, o que o fazia sentir-se um fracassado. Chris definiu em uma das suas entrevistas com o jornalista, que a sua mulher era linda, solidária e uma ótima mãe e mais adiante diante do júri, alega mais uma vez  que é inocente.
No primeiro depoimento, o juiz o alerta que ele está enfrentando uma sentença de prisão perpétua e um policia que investigava o caso deduz que Longo é um assassino frio, calculista e psicopata,  que vai tentar confundir o júri e anular o julgamento: “é um homem perigoso, que matou e vai tentar matar de novo”. Neste ínterim, o assassino telefona para a casa de Mike e conversa com uma certa intimidade que não tinha com a sua mulher Jill (Felicity Jones), que percebe a sua capacidade de manipulação e a sua periculosidade.
De volta ao júri, testemunhas reconhecem e identificam o réu, que chegou a ir trabalhar no dia do crime, dizendo que a mulher o havia traído com um jornalista.  Uma parenta da vitima encontra com Finkel nos bastidores do julgamento e diz que Longo não o escolheu para fazer um livro sobre ele e o caso, mas o estava usando para escapar dos rigores da lei.
Tentando dar uma virada nas acusações, o assassino dizendo-se culpado de dois crimes e inocente em outros dois, alega que a mulher teria matado pelo menos dois filhos e ele, num acesso de raiva,  a teria enforcado com as próprias mãos. Em seguida,  pegou uma mala grande e outra pequena para colocar o os corpos de duas das vitimas, quando notou que a filha respirava, ele conta sem comoção, que apertou a sua garganta e sentiu a vida sair dela.
É durante o julgamento que o jornalista percebe que o assassino é um mentiroso contumaz e um grande manipulador. Posteriormente, sua mulher Jill também procura o réu no presídio e o desmascara como um narcisista e um cínico que não vai escapar do que é e deve ser condenado à morte.
Chris Longo acaba mesmo condenado à pena capital no Oregon e escreve uma carta ao jornalista dizendo que também pretende escrever um livro e até recebeu dois pedidos de casamento. Na tentativa de ter um novo julgamento, ele diz que chegou em casa e encontrou a mulher matando um dos filhos, mas daí em diante não se lembra de nada, ficando um branco e um grande vazio.
Mike considera que as histórias contadas pelo assassino não fazem sentido, não têm pé e nem cabeça, porque a verdade é única: ele matou a mulher e os filhos de forma premeditada. Ao que Longo responde que ele  foi a coisa mais importante que poderia acontecer com o jornalista  e “se eu abrir minha boca você vai ter de fugir”, diz em tom de intimidação e chantagem aparentes.
O fato é que Longo foi condenado e espera a execução no corredor da morte e o jornalista vive em Montana, com a mulher e os três filhos, conseguindo sucesso editorial com o livro  A História Verdadeira. Longo acabou admitindo que matou a família e o estranho é que até hoje, pelo menos uma vez por mês ele e o jornalista ainda  têm um contato regular. (Kleber Torres)
                                    
Ficha Técnica:  
Titulo : A História Verdadeira / A True History
Direção : Rupert Goold
Roteiro : David Kajganish e Rupert Gold
Elenco : Jonah Hill, James Franco, Felicity Jones, Maria Dizzia
Trilha Sonora : Marc Beltrami
Gênero : Suspense
EUA

2015

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Um mergulho no estranho universo felliniano





Em “Que estranho chamar-se Federico / Che strano chiamarsi Federico – Scola racconta Fellini” o cineasta Ettore Scola, que também se consagrou como autor de “Nós que nos amávamos tanto”, de 1974; “Um dia muito especial”, de 1977 e “O Baile”, de 1983,  retrata a vida e obra de Federico Fellini, num filme que transita além do mero documentário e que faz um mergulho no estranho universo felliniano além de explorar as afinidades e similaridades entre os dois cineastas italiano.
O filme produzido em 2012, coincide com o vigésimo aniversário da morte de Federico Fellini, marca uma das justas homenagens no 70º Festival de Veneza para o grande mestre italiano de cinema, que deixou o seu nome na cinematografia mundial. Ele reúne imagens de arquivo dos filmes de Fellini e faz uma retrospectiva da sua obra desde a estreia do cineasta em 1939, como jovem  cartunista da revista satítica Marc’ Aurélio, onde também conheceu Scola,  até seu quinto Oscar em 1993, o filme é feito de fragmentos, impressões e momentos reconstruídos através da imagem.
O “Que estranho chamar-se Federico”, tem o roteiro assinado por Ettore, Paola e Silvia Scola, começando por uma sequencia inteiramente felliniana em que desfilam à noite diante da cadeira do diretor de cinema na beira da praia uma mulher dançando, um mágico, um palhaço tocando trompete, um engolidor de fogo e um personagem onírico fazendo bolas de sabão para um menino, aparecendo por fim o próprio Fellini jovem descendo numa estação de trem romana nos idos de 1939.
Em Roma, o cineasta, então com 20 anos, passa a trabalhar numa revista de humor onde aprende com o editor que as palavras voam, mas as escritas ficam e permanecem. Numa outra cena, um oficial fascista visita a redação do Marc’ Aurélio, o que se contrapõe a cenas de filmes fillinianos como Satyricon e Amarcord e se complementa depois com a chegada de Ettore Scola à redação e seus projetos comuns para o teatro, rádio e para o cinema.
Outra referência do filme é o Estúdio 5 da Cinecittà onde o cineasta comandava todos os seus projetos. Mostra também um Fellini boêmio, que dormia tarde  e lia todas as criticas que saiam sobre o seu trabalho. També deixa evidente a relação entre Federico e Scola que gostavam de desenhar, não chutavam bola de futebol e nem sabiam nadar, mas ligados por uma afinidade e respeito intelectual. Scola convocou Fellini como ator de um dos seus filmes,  Nós que nos amávamos tanto.
O filme também nos permite conhecer o pensamento de Fellini que considerava as mulheres um planeta desconhecido e a vida como uma festa que traduzia nas imagens oníricas dos seus filmes. Como artista, ele era considerado um mentiroso diferente, que transformava tudo em fantasia e cores através das sequências de 24 fotogramas por minuto.
Como filho de um pai que o queria médico e uma mãe que sonhava em ter na família um cardeal,  ele se tornou um artista irônico e criativo, que retratou a repressão da sua juventude sobre o signo e as sombras do fascismo e ao mesmo tempo revelou um mestre que resgatou no cinema a beleza da memória em imagens, porque ela (a memória) nos devolve a vida. O filme inclui ainda cenas da morte e do velório de Fellini, que neste ano de 2016  ganhou em janeiro, a companhia do amigo e discípulo Ettore Scola para uma outra festa no céu. (Kleber Torres)

Ficha Técnica:
Título :  “Que estranho chamar-se Federico / Che strano chiamarsi Federico – Scola racconta Fellini”
Direção : Ettore Scola
Roteiro : Ettore, Paola e Silvia Scola
Fotografia : Luciano Tivoli
Elenco: Sergio Rubini como Madonnaro,  Vittorio Viviani como Narrador e um personagem que interligava todas as cenas, Tommaso Lazotti como Fellini (jovem), Giacomo Lazotti como Scola (jovem), Emiliano De Martino como Maccari, Antonella Attili como Prostituta Wanda, Fabio Morici como Mosca, Andrea Salerno como Steno, Sergio Pierattini como De Bellis, Giovanni Candelari como Avô cego,  Carlo Luca De Ruggieri como De Torres, Pietro Scola Di Mambro como Attalo, Andrea Mautone como Metz, Ernesto D'Argenio como Barbara, Giulio Forges Davanzati como Scarpelli.
Música: Andrea Guerra
Itália

2013

domingo, 27 de novembro de 2016

Afinal onde começa o crime e termina a repressão política ?



O filme O Clã (2015), uma produção argentina e espanhola baseada na história real de uma das gangues mais conhecidas da Argentina, liderada por Arquimedes Puccio, interpretado Guillermo Francella, um empresário em ascensão e um zeloso pai de família,  narra as ações de uma quadrilha que ficou conhecida na década de 1980 por sequestrar, extorquir  e depois matar várias vítimas mantidas em cativeiro. A história envolve um ex-integrante da repressão política argentina, que passou usando a sua experiência policial passou a investir no comando do sequestro de pessoas ricas, simulando ações de supostos grupos terroristas.
O clã era comandado pelo pai da família, Arquímedes, além dos seus dois filhos, Maguila (Gatson Cocchiarale) e Alejandro (Peter Lanzani), juntamente com um militar aposentado Rodolfo Franco e mais dois amigos, Roberto Oscar Díaz e Guillermo Fernández Laborde, que integravam o sistema operacional da quadrilha. O grupo atuava nos estertores da ditadura militar na Argentina e aproveitava as brechas de um regime decadente para impor o terror e a morte às suas vitimas.
O filme, que alcançou recordes de bilheteria na Argentina, foi lançado no      Festival de Veneza de 2015, conquistando  o Leão de Prata e concorreu ao  Oscar de melhor filme estrangeiro em 2016, sem lograr nenhuma premiação, foi dirigido com competência e sem exageros. Arquimedes Puccio usava a sua casa em Buenos Aires como cativeiro e com isso envolveu a mulher e as filhas na sua rede de crimes e abusos.
O filme não revela Arquimedes, uma figura central da trama, apenas como um chefe de quadrilha que cuidava de todos os detalhes de cada sequestro, como também o negociador duro que intimidava os familiares das vitimas e fazia questão de acompanhar cada passo do pagamento dos resgates. Ele também era o pai amoroso e tirano, que cobrava dos filhos reciprocidade no crime e não media gastos para promovê-los no mundo empresarial e esportivo.
O filme revela ainda cenas em que ao mesmo tempo em que era cometida mais uma execução pelo grupo criminoso, eram mostradas sequencias intercaladas de sexo entre Alejandro e a namorada em um dos carros da família, que também eram usados nos sequestros. O final termina de forma trágica, com a prisão e esfacelamento do grupo e com a tentativa de suicídio de um dos filhos que se joga do quinto andar de uma repartição do judiciário. (Kleber Torres)

Ficha Técnica:
Título : El clan / O Clã  
 Direção:   Pablo Trapero
Roteiro: Pablo Trapero, Esteban Student e Julian Loyola
Produção:     Hugo Sigman, Pedro Almodóvar e Agustín Almodóvar
Elenco : Guillermo Francella, Peter Lanzani, Lili Popovich, Gastón Cocchiarale, Giselle Motta, Franco Masini, Antonia Bengoechea, Stefanía Koessl e Fernando Miró
Argentina/ Espanha
Ano 2015 •  cor   

106 minutos 

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A 5ª Onda ou uma distopia com gosto de apocalipse








Quem conhece a história bíblica das sete pragas do Egito tem no filme A 5ª Onda, uma espécie de distopia apresentando  como pano de fundo uma disputa entre humanos contra alienígenas e híbridos formatados através da mistura dos materiais genéticos deles pelo domínio do mundo, uma reprise com gosto de apocalipse. O fato é que após quatro ondas consecutivas de ataques sucessivos e cada vez mais mortais, os quais dizimaram boa parte do planeta Terra, os novos dominadores tentam na fase final a extinção dos seres humanos.
Tudo começa com um flash da primeira onda de ataques, quando um pulso eletromagnético retira a eletricidade do planeta, deixando as pessoas sem acesso à eletricidade, o que elimina os canais de comunicação eletrônicos, paralisa hospitais, postos de gasolina, elevadores e inviabiliza a vida nas cidades. A supressão da energia também imobiliza carros, navios e provoca acidentes graves como a queda de aviões que se chocam com áreas urbanizadas e grandes edifícios.
Já a segunda onda, com gosto absoluto de cinema catástrofe, provoca um tsunami gigantesco que mata 40% da população mundial e provoca a destruição de edifícios e cidades, mostrando através de efeitos especiais computadorizados pessoas lutando pela vida. Na terceira onda, os pássaros passam a transmitir um vírus mortal que mata 97% das pessoas que resistiram aos ataques anteriores.
Mais adiante, ba quarta onda, os próprios alienígenas se infiltram entre os humanos restantes através de elementos híbridos e robôs, espalhando o medo e a desconfiança entre os sobreviventes. O golpe final seria dado com uma quinta onda, com a possibilidade distópica de exterminação definitiva da raça humana através de um processo de eliminação seletivo que visava matar da forma mais eficiente possível aos quer conseguiam sobreviver a todas às  condições adversas enfrentadas até então.
É neste cenário  escatológico,  que a adolescente Cassie Sullivan, interpretada por Chloe Grace Moretz. Ela tenta proteger seu irmão mais novo e descobrir num mundo de incertezas e dúvidas em quem finalmente pode confiar. A jovem se envolve então numa corrida desesperada para tentar escapar e se possível, salvar seu irmão menor. Nesta luta, ela se associa  à um jovem  que pode ser sua esperança  se acaso ao menos ela pudesse confiar no aliado e escapar aos invasores, que eram denominados de ‘Os Outros’.
A Cassie  do filme uma personagem  coerente e típica com as das jovens  das famílias da classe média americana contemporânea, ou seja, uma garota que vai a escola, frequenta festas na casa de seus amigos e vive a expectativa de namorar um colega ou um jogador  de futebol americano. Com a invasão a expectativa se reverte, e ela  assume uma postura diferenciada, pegando em armas e lutando como uma guerreira circunstancial na luta pela sobrevivência.
Embora a 5ª Onda seja um filme de aparência juvenil e dirigido para um publico de adolescentes, ele tenta também  conquistar o  público adulto, com cenas muitas vezes dinâmicas e  sequências recheadas de violência, complementadas por palavrões tão comuns no cinema americano e nas  insinuações sexuais. No conjunto, o filme revela uma certa superficialidade e é piegas em termos afetivos ao revelar a disputa de dois jovens pelo coração da guerreira adolescente, que acaba fazendo no final do filme a sua escolha e opção pessoal por um personagem hibrido, mas que se diz favorável à causa dos humanos.
A 5ª Onda nos deixa apenas uma lição que vai além das sequências de efeitos especiais computadorizados e da falta de propostas para um problema ligado à sobrevivência do homem numa possível disputa com alienígenas:  mostra que a nossa esperança é que nos torna humanos, mas que isso não é tudo, afinal o apocalipse pode eclodir em qualquer momento ou lugar, quando vivemos num universo liquido e rico das incertezas nossas de cada dia.(Kleber Torres)
Ficha técnica:
Título : The 5th Wave / A 5ª Onda
Direção: J Blakeson
Roteiro: Susannah Grant, Akiva Goldsman, Jeff Pinkner
Elenco: Chloë Grace Moretz, Nick Robinson, Alex Roe
Música: Henry Jackman e Marco Beltrami

Lançamento : 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

a decadência e o ocaso de um artista





Baseado numa história real sobre o tempo, a velhice e a decadência, o filme ‘The Great Buck Howard’, que no Brasil foi batizado como  ‘A Mente que Mente’ é narrado a partir de Troy Gable (Colin Hanks), um jovem desiludido com a vida acadêmica na faculdade de Direito e que pretendia ser um escritor. Nesse ínterim, mesmo com a desaprovação do pai (Tom Hanks), ele busca um emprego como produtor artístico e passa a trabalhar com Buck Howard (John Malkovich), que se apresenta como mentalista de sucesso nos anos 70, mas que depois de 40 anos nos palcos, sobrevive fazendo pequenos shows e apresentações mambembes  em pequenas cidade e nos bairros no ocaso de sua carreira.
Howard ainda vive da fama de mais de 60  aparições no programa Tonight Show, com Johnny Carson, onde não aparece nos últimos 10 anos e como estrela de shows em Las Vegas. Ao acompanhar o mentalista,  Troy  passa como seu gerente de produção a descobrir a  magia da  vida e a mentira  por trás dos palcos, onde o artista mesmo em decadência tem de manter as aparências e o glamour do estrelato, o Buck Howard faz com o uso clichês, de frases feitas e com um peculiar e balançado aperto de mãos.
O filme revela que Howard numa primorosa interpretação de Malkovich não  usava a expressão mágico, e se apresentava  como um mentalista, um artista eclético, que misturava em seus shows uma espécie de stand up  sem muito humor associado com números de magia e um faro especial para saber onde estava o dinheiro recebido pelo espetáculo e que era escondido por uma pessoa do público.Ele também fazia hipnose e adivinhava números.
‘A Mente que Mente” foi em realidade baseado numa história real  de um mentalista, George Joseph Kresge, que ficou conhecido nos anos 70 como The Amazing Kreskin. Kreskin a comandar um programa de televisão que foi ar entre 1971 e 1975, e que era conhecido como The Amazing World of Kreskin. Já personagem Troy Gabel é o alter ego do próprio diretor e roteirista Sean McGinly, que foi, durante algum tempo diretor e assistente de produção do fantástico Kreskin quando transitava justamente da fama para o ocaso e a quem o filme também é dedicado. Tanto Kreskin como Howard negavam que usavam ponto para saber onde estava o dinheiro escondido no palco.
O super astro Tom Hanks faz uma pequena participação e investiu na produção do filme. Ele interpreta o pai do assistente de produção, só que na vida real os dois também são pai e filho. Outro destaque na trama é Emily Blunt, que interpreta uma assessora de imprensa que cuida da agenda de comunicação  de Howard, o qual fez com que dezenas de pessoas dormissem  hipnotizadas durante uma grande apresentação.

Mas o espetáculo se frustra em consequência de um acidente de carro com uma figura importante da cidade, atraindo a todos os jornalistas presentes no espetáculo de mentalista e como depois do espetáculo Haward sofreu um mal estar e teve de ser internado, um filme num smartphone com a apresentação chega ás televisões e ele volta a ser convidado para entrevistas na televisão e para shows em Las Vegas, onde pela primeira vez em mais de cinco mil apresnetações não descobre onde está o dinheiro que ganhou, voltando a se apresentar no semi anonimato pelo interior dos Estados Unidos.
No filme aparecem  ainda homenagens e referências a estrelas do passado como Leonard Nimoy, Garu Oldman, Shirley MacLeine, Tom Arnold,  Johnny Carson, entre outros nomes famosos,  além da participação de George “Sr. Sulu” Takei, celebrizado e, Jornada das Estrelas, cantando "What the World Needs Now is Love", de Burt Bacharach e acaba confraternizando com Howard diante das câmeras de uma emissora de televisão, diante da eterna ilusão dos 15 minutos de fama na vida de cada um.(Kleber Torres)

Ficha Técnica

Título: The Great Buck Howard/A Mente que Mente
Gênero: Comédia Dramática
Direção: Sean McGinly
Roteiro: Sean McGinly
Elenco: John Makovich,Colin Hanks, Emily Blunt, Griffin Dune, Tom Hanks, Steve Zahn
Produção: Gary Goetzman, Tom Hanks
Fotografia: Tak Fujimoto
Trilha Sonora: Blake Neely
Duração: 90 minutos

Ano: 2008

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Sem nenhuma direção, mas na rota do sucesso e da malandragem





O filme No Direction Home (2005), com 208 minutos de duração, é um rico documentário de Martin Scorsese, que conta a trajetória de Bob Dylan e seu impacto na música popular americana, bem como revela um perfil da cultura e da contracultura na segunda metade do conturbado século XX. O filme mostra o início da carreira  e a tumultuada ascensão do cantor e compositor ao estrelato no curto período entre 1961 a 1966.
Em essência, o filme revela como um cantor de protesto, que se inspirava em Woody Guthrie, um compositor folk e autor de Bound for Glory, um livro que mudou a sua visão de mundo, se tornou a voz de uma geração e influenciou a cultura americana. No Direction Home, revela ainda a transição de Dylan (que adotou este segundo nome em homenagem ao poeta Dylan Thomas) do folk e da country music, com suas características acústicas para o rock, com acompanhamento de uma bateria, o que exigia maior volume de som dos instrumentos, lhe valendo vaias e o desagrado dos fãs e de muitos críticos musicais em todo o mundo.
Dylan, que nasceu Roberto Zimmerman, um neto de judeus russos de Duluth, no Minessota, conta aprendeu sozinho a tocar gaita, piano e guitarra, deixou a pequena empresa da família para se dedicar à musica . O filme faz referências a muitos artistas a exemplo do escritor Jack Kerouack, a uma das suas primeiras namoradas e musas Echo, ao trio formado por Peter, Paul & Mary, além das cantoras Maria Maldur e a sua ex-mulher Joan Baez, um relacionamento curto e que acabou em 1965 e que ele explica lacônicamente: “não dá para ser inteligente e apaixonado ao mesmo tempo”.
No documentário aparecem filmes com Bob Dylan e depoimentos do artista falando da sua fase em Nova York, onde percebeu que foi ao lugar certo para quem buscava a escalada do sucesso e que tocou em várias casas noturnas como o Fred Neil, onde os artistas tocavam de graça e ganhavam o que rendia a cesta que passavam para o público.
Bob Dylan também conta do choque que levou a visitar o seu ídolo Guthrie, um homem envelhecido, trêmulo, internado em um manicômio. Já o seu primeiro álbum vendeu 2,5 mil cópias e a sua carreira começa a deslanchar com a participação em festivais como de New Port. O cantor fala ainda da importância da palavra, que tem significado próprio e que muda com o tempo, ganhando nova dimensão num período de dez anos.
Uma referência de destaque do filme é com relação ao álbum Bringing it All Back Home, já da fase de transição para o rock e que inclui a antológica Maggie’s Farm, que foi vaiada num festival junto com Like a Rolling Stone, com caudalosos 50 versos, por um publico que não aceitava a entrada de Dylan no universo barulhento do rock.
Já Maggie’s Farm faz referências a uma mulher de 68 que dizia ter 54 anos e começava dizendo: Eu nunca mais vou trabalhar na fazenda da Maggie/ Não, eu não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie/ Bem, eu acordo de manhã/ Cruzo minhas mãos e rezo por chuva./Eu tenho a cabeça cheia de ideias/ que estão me deixando louco/ É uma vergonha o jeito como ela me faz esfregar o chão./Eu não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie”, que alguns ainda traduzem com um sonoro só que não, reforçando a afirmação da negação.

O documentário também faz referências a Don't Look Back, um filme gênero show musical dirigido por D. A. Pennebaker, lançado em 1967, quando Dylan alçava voo em direção definitiva do estrelado e também mostra uma entrevista em que ele antevê uma explicação da polêmica sobre  Prêmio Nobel agora em 2016. Ao ser questionado por um jornalista se considerava cantor ou poeta, ele respondeu simplesmente: “me considero um malandro.” E olhe que ele não conhecia o Urubu Malandro do nosso Pixinguinha, mas isso é outra história. (KLeber Torres)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Uma festa em louvor da morte ou a favor da vida



O filme israelense  Mita Tova/ Festa de Despedida(2015)  transita entre o tênue fio que separa a comédia de humor negro e a  tragédia, com a proposta de discutir a questão complexa da eutanásia - ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis - e ao fazer ao mesmo uma reflexão sobre a vida, a velhice, a sexualidade e homossexualidade na terceira idade, o abandono, o sofrimento e a própria morte, como um direito e uma escolha do individuo.
A questão não é nova e foi abordada com sabedoria pelo filósofo Sêneca, que morreu no ano 65 depois de Cristo, forçado ao suicídio pelo imperador Nero. Para ele, todos  nós navegamos pela vida e”o bom não é viver, mas viver bem”. Ele pensava na qualidade de vida e não na sua duração que é breve em relação ao tempo e ao infinito do universo, a questão é viver enquanto se tiver esperança e um alento.
Tudo começa quando um grupo de amigos que vivem numa confortável casa de repouso em Jerusalém e constroem uma máquina de auto-eutanásia, a fim de ajudar um amigo em estado terminal.  A traquitana - que tem como referência  equipamentos já utilizados nos Estados Unidos e Austrália – era equipada com uma maleta com um controle remoto a ser usado pelo paciente para liberar um sedativo à base de ópio na veia e em seguida culminaria com a aplicação de uma dose letal de cloreto de potássio, o que não deixaria vestígios uma vez que em Israel não se faz necropsia de doentes  terminais.
A ideia é desenvolvida  pelo  engenheiro Yehezekel, interpretado por Ze'ev Revach, o qual vivia no asilo com a mulher Levana ( Levana Finkelstein), que apresentava lapsos crescentes  e cada vez mais graves de memória. Ele  se dedicava  a desenvolver equipamentos eletrônicos, entre os quais um misturador de voz para imitar um telefonema de Deus para Zelda, uma paciente terminal de quem era amigo e até um memorizador para a mulher se lembrar dos dias da semana e das mínimas tarefas cotidianas.
O problema é que depois da morte de Max (Shemel Wolf), casado com Yana  (Alisa Rosen) e autora da proposta de criação do equipamento, porque não aguentava mais, “e a  solução bastava uma dose de medicamentos para acabar com isso”, a existência da   máquina começa a se espalhar  e outras pessoas começam a se interessar pela ideia de partir dessa para uma melhor. Isso leva  o grupo de amigos se questionar se o que estão fazendo é a coisa certa ou cometendo um crime. Um dos personagens defende a ideia alegando que com os tratamentos de hoje ninguém sabe do futuro. Havia no grupo um personagem pouco ético, que estava vendendo os favores letais, recebendo um trocado por fora.
Numa outra cena, os cinco integrantes do grupo, inclusive Levana, que era radicalmente contra a ideia do marido e o projeto se preocupam com um idoso que os procurara para por fim ao sofrimento da mulher e no dia seguinte vêm a na televisão a noticia  de um homem de 80 anos, que matou a companheira e depois se suicidou.
No dia seguinte, eles encontram o homem que os procurara vivo e este os ameaça. Desta vez a vitima é Clara Linberg, que deixa gravada uma mensagem dizendo que quer morrer com dignidade depois de cinco anos de sofrimentos atroses.
Numa cena comovente os amigos saem de carro e cantam o réquiem terra do nunca, sendo autuados por um policial rodoviário e numa outra são supreendidos por uma burocrata da clinica onde viviam que os surpreende posando nus para uma fotografia, fumando maconha medicinal e tomando vinho.Eles são defendidos por Levana lembrando que todos no fundo são crianças e que apenas o corpo físico é que cresceu.
Como a situação da mulher se agrava, Yehezekel a leva para outro centro médico onde os pacientes são dopados e vivem como robôs apáticos e sem vida, concluindo que “aquele não é um lugar para você”. A própria  mulher sentia num dos diálogos com o marido que a cada dia ia perdendo um pouco de si e qual seria a solução, o caminho para uma vida vegetativa ou a morte?
Afinal, a quem cabe a decisão, que muitas vezes até o paciente pode escolher, quem tem razão Sêneca ou o Dr. Morte, Jack Kevorkian, que matou mais de 130 pacientes terminais e foi personagem do filme You Don´t Know Jack (2010), mas isso é outra ou a síntese mesma história ou de uma tragédia infinitamente humana?   (Kleber Torres) 


Título original Mita Tova/ Festa de Despedida
Data de lançamento  2015 
Direção:  Tal Granit, Sharon Maymon
Roteiro : Tal Granit, Sharon Maymon
Elenco: Ze’ev Ravach,  Levana Finkelstein, Alisa Rosen, Dan, Raffi Tavor e Idit Tepefson
Gênero: Comédia / Drama
Nacionalidade : Alemanha/Israel

93 minutos 

A tragédia e os tênues limites do absurdo



O filme “Meu filho, olha o que fizeste!/”My Son, My Son, What Have Ye Done”(2009) de Werner Herzog, com indicações para um Leão de Ouro, no Festival Internacional de Cinema de Veneza,  trata de um tema trágico: o matricídio e tem como base uma história da vida real, quando um Brad Mc Callum (Michael Shannon)  depois de  ouvir um misterioso chamado divino mata a mãe com um golpe de espada sem motivos aparentes. Ele também teria sido influenciado pela tragédia Electra, de Sófocles, que ensaiava em um grupo de teatro amador ou teria cometido uma insanidade?
A história real aconteceu em 1979 e serviu de inspiração para este longa de Werner Herzog, que procura desnudar os tênues fios entre a sanidade e a loucura com seus contornos absurdos e surreais, afinal o que leva um filho a matar a própria mãe? Assim, o foco do filme  é penetrar  na mente de assassino e captar aspectos que o levaram a agir deflagrando uma tragédia, tarefa que cabe a uma equipe de detetives da San Diego, liderada por Hank Havenhurst  (William Dafoe), que procura  reconstruir  um  verdadeiro quebra-cabeça  ouvindo depoimentos de testemunhas e pessoas próximas ao assassino e à vitima.
Tudo começa a partir de uma viagem de Brad Mc Cullum ao Peru, onde também depois de ouvir a um chamado misterioso, acaba  desistindo de participar de um ‘rafting’  para a descida corredeiras com uma equipe utilizando botes infláveis e equipamentos de segurança. Os integrantes do grupo morreram nesta aventura radical e apenas ele escapa, mas volta diferente para a sua terra, onde assumiu também o nome muçulmano de Farouk e mudou o seu comportamento.Numa das cenas, ele diz que “às vezes a gente não sabe quem é pior, se a polícia ou os malditos bandidos”. Também na reconstrução da tragédia, fica evidenciado que a sua mãe dominadora o cercava de mimos: lhe deu um piano que ele nunca tocou e uma bateria, em que se sentava estático, sem tocar nenhuma vez.
Em uma conversa com a namorada Ingrid (Chloe Sevigni), com quem ouvia música no quarto, ele lhe disse que viu Deus. Mesmo sem ter nenhuma  atividade econômica produtiva e nenhuma fonte de renda, ele falou de forma desconexa também para a namorada em comprar uma casa e depois propôs  morar na lua. Também contou que gostava de velocidade e que atravessou uma ponte a 210 quilômetros por hora e em seguida inventa visitar pacientes no Hospital Naval, coisas sem nenhuma relação racional e sem conexão com a realidade.
O diretor de teatro amador do grupo que participava no ensaio da tragédia grega em que Orestes mata a própria mãe, Lee Meyers (Udo Kier), informou aos policiais que Brad lhe telefonou  pedindo ajuda às seis horas da manhã no dia do crime e metaforicamente, se comparou com um trem fora de controle. Ele também falou da peça e falou da maldição de Tântalo, informando  que Brad ficou obcecado pela espada obtida na casa de um tio que criava avestruzes, para quem esse negócio de teatro não era coisa de gente séria. 
O conflito que resultou no assassinato da mãe de Brad estaria de um lado vinculado  à adoração que ele supostamente tinha por sua mãe, mas poderia muito bem ser confundida com um sentimento de submissão emocional em função da sua dependência financeira ou até mesmo uma reação ao seu comportamento controlador. A mãe também fiscalizava o namoro do filho e demonstrava um desprezo pela futura nora. Mc Culllum confessou que um pássaro foi o maior animal que matou, antes de assassinar a sua mãe.
O filme também transita no universo simbólico e uma das referências está numa bola de basquete que Brad deixou numa árvore do Parque Balboa e na doação de uma mochila para um jovem que brincava com os amigos na mesma praça. Ela também manifestava uma aversão às máquinas e a tecnologia, por isso desligou o relógio, a geladeira da casa onde morava e começou a bater no carro.
A própria namorada ficou intimidada com o olhar de Brad, cuja mãe teria contado a amigas antes de morrer que o filho teria tentado sufocá-la com um travesseiro. Ao ser convidado para tomar chá com estas amigas e testemunhas oculares da tragédia, ele foi buscar a sua caneca e demorou nesta tarefa dez minutos, voltando também com a espada em seguida, deu um taco de basebol à vizinha ordenando que esta o matasse antes que algo pior e terrível acontecesse, depois, ele fere a mãe com um golpe e ela apenas pergunta: “Meu filho, olha o que fizeste”.
Depois de cercado pela policia por várias horas, numa ação que mbilizou até a swat e anunciar que tinha reféns na casa onde estava, Brad acaba se rendendo  e ao ser preso pede para ser deixado no deserto, dizendo que encontrou a sua verdadeira vocação para o comércio justo, uma sequencia complementada com uma cena de nuvens e de avestruzes correndo.  
O filme apresenta trilha predominantemente latina e com refinados instrumentais, tendo como base no início e no fim a música Gabino Barrera, de Antonio Aguillar, que fala de um revolucionário parecido com Zapata e que lutava pela reforma agrária no México. Numa outra cena, em bg, aparece voz de Caetano Veloso, num filme complexo que funde as técnicas de Werner Herzog, uma das expressões do Novo Cinema Alemão, cujos personagens são sempre heróis com sonhos impossíveis ou pessoas com talentos únicos em áreas obscuras e do produtor o cineasta David Lynch, que assinou  Homem Elefante e o cult movie Veludo Azul, filmes marcados pelo surrealismo e pelo non-sense.  (KLeber Torres)
Ficha técnica:
Meu filho, olha o que fizeste!/”My Son, My Son, What Have Ye Done
Direção : Werner Herzog
Elenco: Michael Shannon, William Dafoe, Chloe Sevigni, Udo Kiel e Grace Zabriskie
Diretor de fotografia : Peter Zeitlinger
Música : Ernest Reijseger
Roteiro: Herbert Golder e Werner Herzog

Produção executiva : David Lynch  

sábado, 8 de outubro de 2016

Uma questão de imigração e da globalização da violência





Cansado de lutar e  matar em defesa do Tigres do Tamil, organização armada separatista na guerra civil no Sri Lanka (Ceilão), Deephan, um ex-guerrilheiro
interpretado por Antonythasan Jesuthasan  imigra  para a França, com documentos falsos em companhia de Yalini (Kalievari Srinivan) e da pequena Illayaal (Claudine Vinasithamby), uma orfã de nove anos , fazendo-se fpassar por uma família convencional.
Sem dominar o idioma francês e vivendo num ambiente cultural totalmente diferente do Ceilão, os refugiados vão morar em um conjunto habitacional nos arredores de Paris habitado por árabes, africanos e franceses de baixa renda, que vivem num ambiente dominado por gangs de traficantes, que controlam o tráfego das pessoas diante de um estado omisso e impotente diante do crime organizado.
Assim, Deephan passa a trabalhar como zelador no conjunto onde vive e Yalini como  doméstica e cuidadora de um idoso árabe, tio de um dos chefes do tráfico na periferia de Paris. Os dois mesmo mal se conhecendo e com um relacionamento meramente formal, sem laços afetivos, tentam construir uma vida em comum num ambiente hostil e em condições adversas para quem não domina o francês.
Cabe lembrar que o filme foi  vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes-2015 e aborda um dos temais mais polêmicos do nosso tempo – a questão imigração de refugiados de guerra de vários países, em especial a Síria para a Europa-, num projeto coordenado pelo cineasta Jacques Audiard autor de O Profeta (2013) e Ferrugem e Osso(2014), que procurou adaptar o roteiro à realidade cotidiana dos personagens.
Um outro detalhe: os atores que formavam o núcleo central do filme tinham apenas pouca experiência teatral e a garota, Illayaal (Claudine Vinasithamby),  nunca trabalhara como atriz. Numa das cenas a menina não se ajusta à vida da escola e acaba agredindo uma colega, aparentemente sem motivos e por se sentir rejeitada pelo seu novo grupo plurirracial  na escola.
Assustada com a violência dos traficantes do bairro após um intenso tiroteio e de uma ação típica de guerrilha comum no seu país de origem, Yalini questiona Dheepan se estes grupos seriam iguais aos bandidos das gangues Vanilla e Minnal, da sua terra e ele responde com agudeza que sim, “só que menos perigosos”.
O filme também revela o outro lado do racismo e o estranhamento dos estrangeiros que migram para um país europeu e isso fica evidente numa piada não politicamente correta em que o personagem diz: “advinha porque não tem árabes na Jornada das Estrelas ?” E tem como resposta: “porque se passa no futuro”, sinalizando  simplesmente que estariam extintos.
Além de viver num ambiente hostil e adverso, o casal e a filha também tem de conviver com ameaças e intimidações de grupos ligados ao próprio Ceilão, mesmo frequentando os templos e rituais religiosos. Assim, aparece um coronel do exercito tâmil, cobrando de Dheepan consiga R$ 100 mil dólares para uma guerrilha que este  considerava que acabou, pelo menos para ele e por isso acaba agredido a socos e pontapés.
Yalini lembra em outra cena, que na sua cultura se a pessoa cair e se machucar, ela sorri, mas as pessoas que vivem na Europa riem até demais. A família também acaba sendo ameaçada por traficantes, Dheepan se rebela contra a violência e estabelece uma zona livre de tiro e que seria desmilitarizada, o que resulta num conflito e numa reação sem precedentes do ex-tigre tâmil com sua experiência numa guerra sem quartel contra um governo socialista que queimava escolas e era implacável com os inimigos.
O filme termina aparentemente com um final feliz, com a família se integrando na Inglaterra e com a chegada de um filho. Seria um marco de um novo tempo ou da continuidade de uma saga de sangue e violência globais talvez sem começo e sem fim, distante do bom senso e da racionalidade? (Kleber Torres)


Ficha Técnica
DHEEPAN – O Refúgio
DireçãoJacques Audiard
Roteiro: Noé Debré/Thomas Bidegain
Elenco: Antonythasan Jesuthasan, Kalievari Srinivan,  Claudine Vinasithamby, Vincent Rottiers e Marc Zinga
Música: Nicolas Jaar
Drama
105 minutos
França, 2015

sábado, 24 de setembro de 2016

Muito além das vagas estrelas da Ursa Maior



Considerado uma releitura moderna dos mitos de Electra e Orestes, o filme  Vaghe stelle dell'Orsa (Vagas estrelas da Ursa) é uma produção cinematográfica italiana de 1965, dirigida por Luchino Visconti com foco na fragmentaçãoe desestruração da família e de um mundo impactado pelo pós-guerra. O filme também fala da loucura, da música, da delação e do incesto.
Claudia Cardinale  interpreta Sandra Dawson, uma bela e instável mulher que se casa com o norte-americano Andrew (Michael Craig ) durante uma viagem de estudos  à Europa para investigar histórias sobre o campo de concentração nazista Auschwitz, cenário de milhares de mortes de prisioneiros  durante o holocausto e como parte da solução final anunciada por Adolf Hitler para extermínio  dos judeus.
Antes de se mudar para os Estados Unidos, onde residiria em definitivo, o casal resolve viajar à terra natal de Sandra, Volterra na Toscânia, para participar de uma cerimônia em homenagem ao falecido pai dela,  um famoso cientista judeu morto pelos nazistas e também para que Andrews conheça a família da mulher, cuja mãe permanece internada num hospício com problemas mentais.
Na  velha e imensa mansão da família, o casal é recepcionado pela  criada Fosca (Amalia Troiani ), a  qual informa a  Sandra  que seus parentes não virão, deixando-a  decepcionada e deprimida.  Sandra acaba descobrindo que  o seu  irmão Gianni (Jean Sorel ) está em casa e num encontro marcado por insinuações de incesto,lhe conta que escreveu um romance sobre a vida deles durante a adolescência.
O título original do filme tem como referencia o poema "Le ricordanze"mde Giacomo Leopardi e o trecho citado é declamado por Gianni em uma cena, quando declara pretender dar o mesmo nome ao seu romance:
“Vagas estrelas da Ursa Maior, eu não acreditava
Voltar e poder novamente contemplá-las
Brilhando e iluminando o jardim de meu pai,
Ou conversar com você da janela
Nessa casa onde vivi minha infância
E vi a última alegria da minha vida se desvanecer”, o que faz uma referência à separação dos irmãos no período da guerra que fragmentou e dividiu a família.
Lucino Visconti desenvolve a trama da tragédia como uma teia de informações que permite a Andrews  acabar descobrindo os traumas e dramas vividos pela mulher,  bem como a sua relação ambígua e incestuosa com o irmão, que a chantageia para continuar o romance da adolescência.  
Também descobre que  a mãe de Sandra  é uma pianista famosa, que toca em quase todas as cenas que participa  músicas de Cesar Frank, sofre de enfermidade mental, e sobre a morte do pai dela depois de capturado pelos nazistas em 1942. O marido também  caba sendo informado de que o padrasto Renzo Ricci (Antonio Gilardini),  e acusado pelos irmãos por ter denunciado o  seu pai para se casar com a mãe, passando a dirigir e dilapidar  as finanças da família.
O filme termina com o desfecho esperado para uma tragédia e se revela como uma obra prima da história do cinema. O próprio Visconti declarou numa entrevista que escolheu o incesto para tema do filme por ser um dos dramas do seu tempo e complementou lembrando que a ambiguidade é o verdadeiro aspecto de todos os personagens do filme exceto um, o de Andrew, o marido de Sandra, a quem cabe decodificar o conjunto das informações sobre o perfil psicológico e moral dos personagens.(Kleber Torres)

Ficha técnica
Título : Vaghe stelle dell'Orsa / Vagas estrelas da Ursa
Direção : Luchino Visconti

Elenco: Claudia Cardinale  (Sandra Dawson), Jean Sorel  (Gianni Wald-Luzzati), Michael Craig  (Andrew Dawson), Renzo Ricci (Antonio Gilardini), Fred Williams (Pietro Formari), Amalia Troiani  (Fosca) e Marie Bell 

domingo, 11 de setembro de 2016

O golpe de mestre de Madoff que transitava entre a magia e a picarategem




O filme “Madoff: A fraude do século”, que  teve o seu roteiro assinado por Ben Robbins , com base no livro “The Madoff Chronicles”,  de Brian Ross, conta em forma de uma minisérie com cerca de oito horas de duração, a ascensão e queda de Bernie Madoff,  uma espécie de consultor financeiro que  enriqueceu  através de um esquema criminoso  que nos Estados Unidos é conhecido como esquema Ponzi, envolvendo uma sofisticada operação fraudulenta de investimento do tipo esquema em pirâmide com  o pagamento de rendimentos anormalmente altos  aos investidores. O filme também mostra  como ele conquistou Wall Street, chegando à presidência da Nasdaq e atraia clientes,  deixando atrás de si um rombo estimado de US$ 65 bilhões.
Oferecendo rendimentos elevados aos investidores, sempre com  taxas superiores a 10% ao ano, Madoff   - interpretado por Richard Dreyfus- fazia desta remuneração uma espécie de segredo, e se considerava metaforicamente um mágico, lembrando que os bons mágicos jamais revelam os seus segredos. Um outro artifício utilizado  para o golpe, era a não cobrança de uma  taxa de gerenciamento dos clientes, alegando que  este bônus estava implícito nas atividades de corretagem nas bolsas de valores.
Especialistas na área financeira e analistas de mercado acreditam que a fraude ganhou corpo a partir da década de 1970 ou 1980, quando Madoff deslanchou e iniciou seu esquema por meio de um hedge fund exclusivo para investidores selecionados, tendo como sede três andares do Lipstick Building,  na Terceira Avenida, em Nova York.  O fundo era operado de forma rudimentar, a partir de uma empresa familiar, que tinha a mulher como vice-presidente e uma central de operações concentrada num pequeno grupo de pessoas com acesso restrito às informações.
Para as pessoas do mercado e clientes mais bem informados,  Madoff declarava  que utilizava estratégias de opções atreladas a compras de índice de bolsa americana, que tem como objetivo limitar potenciais prejuízos, mas que também limitaria os lucros e naturalmente não possibilitariam a elevada remuneração que oferecia aos clientes. Quando pressionado por clientes e jornalistas, declarava fazer uso de opções de venda ou similares para proteção dos investidores, mas admitia nos bastidores da empresa que o segredo do sucesso, o mesmo do esquema Ponzi, era entrar mais recursos do que sair.
Na contramão das suas afirmativas,  Madoff  em realidade não efetuava nenhuma transação no mercado de ações. Em geral, ele  depositava o dinheiro dos clientes em uma conta-corrente com liquidez no banco JPMorgan Chase, em nome de seu hedge fund, que era controlado por uma pequena equipe lotada no 19o andar do prédio, com acesso estritamente controlado por meio de cartões eletrônicos.
Para mostrar que comandava um negócio familiar muito bem estruturado e consolidado – a família também enfrentava os seus conflitos interpessoais, disputas pelo poder na empresa e sérios problemas de saúde-, bem como que a confiança era a base para um relacionamento duradouro,  Madoff enviava extratos mensais simplificados aos investidores mostrando ganhos fictícios que variavam  entre 10 e 15% ao ano.  O fundo também mostrava de certa forma um bom desempenho mesmo em períodos de crises da bolsa, que se acentuaram na segunda metade  dos anos 90 do século passado .
Embora necessitasse continuamente de novos investimentos para manutenção do negócio, Madoff não fazia propaganda do fundo e conseguia novos clientes através dos investidores conhecidos ou interessados que imploravam para fazer parte de seu exclusivo e seleto clube de investidores considerados top de linha.  Para manter o negócio, ele resgatava os recursos para investidores que questionavam a rentabilidade da sua empresa, utilizando  para  isso os recursos depositados na conta-corrente do JP Morgan. 
O negócio começou a desmoronar,  em 1999, quando um pequeno hedge fund concorrente começou a perder clientes para Madoff e solicitou ao analista financeiro, Harry Markopolos, para que descobrisse uma fórmula para conseguir os retornos elevados e sem volatilidade que Madoff estava oferecendo há mais de duas décadas. Ele analisou as informações e concluiu de forma racional que os retornos eram impossíveis e que Madoff era uma fraude, o que foi confirmado depois por uma série de investigações da Comissão de Valores Mobiliários e que resultou na prisão e condenação  de Madoff  após  de quatro décadas de lucros e impunidade. (KLEBER TORRES)

Ficha técnica :

Título : Madoff / Madoff : a fraude do século
Diretor: Raymond De Felitta
Atores: Richard Dreyfuss, Blythe Danner, Tom Lipinski, Danny Deferrari e Peter Scolari
Roteiro : Ben Robbins
95 minutos

Estados Unidos

sexta-feira, 29 de julho de 2016

A busca misteriosa de uma artista obscura, excêntrica, mas genial





O filme Finding Vivian Maier  (A fotografia oculta de Vivian Meier) revela a vida obscura e anônima de uma artista que  passou a sua vida (1º de fevereiro de 1926/21 de abril de 2009) como uma simples babá – sem filhos, marido,  parentes (há registro de um irmão morto) ou aderentes, mas que nos legou um trabalho de fôlego e cuja descoberta só foi possível através da tenacidade de John Maloof, que passou a investigar os seus passos a partir de um conjunto de fotografias feitas numa Roliflex de lente dupla, adquiridas num leilão e dirigiu e produziu um documentário sobre o assunto,  juntamente com Charles Siskel. Graças a este esforço investigativo, hoje, o nome de Vivian Meier aparece  uma das mais talentosas e perspicazes fotógrafas de rua dos EUA e compete em pé de igualdade com celebridades  do mundo da fotografia como Cartier Bresson, Robert  Frank,  Diane Arbus e Helen Levitt.
 O reconhecimento póstumo se deu graças a descoberta de um verdadeiro tesouro, escondido no apartamento em que Vivian viveu até sua morte, em 2009 e num depósito mantido por pessoas para quem trabalhou:  um acervo de mais de 100 mil negativos  retratando um vasto painel  de vida americana com foco em crianças, velhos, mulheres e pessoas empobrecidas ou marginalizadas.
Seguindo uma série de pistas dispersas nos EUA e na França, o documentário revela os segredos por trás dessas fotos e da própria vida misteriosa de Vivien Maier, que falava com um certo sotaque afrancesado falso (sua mãe era de origem francesa) e pouco revelava da sua vida privada, mas vivendo freneticamente como uma colecionadora compulsiva de tudo: retratos, bilhetes,  cupons, passagens de ônibus, cheques devolvidos do imposto de renda que nunca foram sacados e sapatos, chapéus e roupas exóticas.
O seu rico acervo de mais de 100 mil fotografias ainda em fase de revelação e escaneamento, inclui cerca de 700 rolos de filmes coloridos e mais de dois mil em preto & branco, além de 150 rolos de filme em super oito e em 16 milímetros. Em função da quantidade de material acumulado, John Maloof não apenas dirigiu e produziu o filme, como montou exposições da artista nos Estados Unidos e na Europa, que atraíram um grande público, como também escreveu um livro sobre a obra da artista que em vida nunca ganho um centavo pelo seu trabalho.
Um problema: como a artista ainda não era conhecida o Museu de Arte Moderna recusou incorporar parte do acervo da sua obra, que em contrapartida  atraiu o maior publico que já compareceu a uma mostra fotográfica no Centro Cultural de Chicago. O fato é que por contingências do destino a artista só teve fama depois de morta.
Em vida, ela tirava fotografias obsessivamente de tudo, mas ao mesmo tempo guardava as lembranças como partículas da memória no tempo. Nesta viagem ao mundo mágico da fotografia, ela também produzia autoretratos – selfies ? - , mostrando uma pessoa excêntrica, de hábitos incomuns, que usava chapéu de feltro, cortava os cabelos curtos demais, vestindo roupas pesadas e botas do tipo, com que andava quase marchando com rapidez e num estilo quase marcial.
O próprio Maloof conta que estamos vendo um trabalho que ela nunca viu em vida, pois tirava fotos de tudo e guardava o material em grande parte sem revelação, mas  ao mesmo tempo se mantinha informada de tudo, lendo e colecionando milhares de jornais. O fato é que a arte dela revela o lado bizarro e a incongruência da vida, bem como a falta de encanto dos seres humanos com seus dramas pessoais e dilemas existenciais, mas revelando ao mesmo tempo uma visão afetuosa nos olhares e risos das pessoas, capturando  um pouco das suas almas.
Uma outra entrevistada e de quem Meier foi babá observa que ela tinha um lado obscuro e que nunca foi revelado, vivia em quartos que fechava com cadeado  e perdeu vários empregos pelo seu comportamento estranho, ficando com o tempo cada vez mais reclusa e acumuladora compulsiva de tudo o que lhe caia nas mãos, alegando que carregava a própria vida com ela.
Um outro lado da artista era a sua visão jornalística, usando gravadores cassete  para entrevistas sobre temas recorrentes do seu tempo. Assim, foi também a seu modo e com seu estilo pessoal uma jornalista da sua época, chegando mesmo a tentar reconstruir cinematograficamente um crime em que o pai matou a mulher e a filha. Ela também fez uma longa viagem percorrendo diversos países da Ásia, da América Latina e do Egito, que resultaram em milhares de fotos.
O fato é que o mistério da sua vida é tão ou mais interessante que o do seu próprio trabalho, pois uma amiga com quem conviveu por dez anos acabou admitindo que não sabia nada  sobre ela, revelando uma ponta da fotografia oculta de Vivian Meier, que tinha dois temores recorrentes: os homens, com seus perigos e a morte, chegando por isso a recusar atendimento médico quando teve uma sincope na rua para poder voltar para casa sem mobiliário, mas cheia de entulhos e malas do seu universo em desencanto.  (Kleber Torres)



Ficha Técnica
Título : Finding Vivian Meier / A fotografia oculta de Vivian Meier
Documentário/Documentary
Cor/Color digital 83'
Estados Unidos - 2013
Direção, roteiro e produção:  John Maloof e Charlie Siskel
Fotografia:  John Maloof
Montagem:  Aaron Wickenden
Música/Music:  J. Ralph
Gênero - Documentário
Cor

Estados Unidos - 2013

domingo, 17 de julho de 2016

Um filme muito além da marginalidade, da morte ou da loucura





A decadência, a vida, a loucura  e a morte estão presentes em Ironweed, um filme denso e pesado de Hector Babenco, baseado  roteiro de William Kennedy Albany,  a partir de um livro escrito  em 1938 e tendo como referência a grande depressão que afetou  a economia americana e consequentemente mundial, com a marginalização de milhões de desempregados, afetados pela desagregação familiar, desemprego  e pelo alcoolismo . O elenco conta com a competência  de Jack Nicholson, que interpreta   Francis Phelan, um homem atormentado por fantasmas do passado e nos limites da loucura e de Helen Archer, uma mulher de origem burguesa, que acaba marginalizada até  mesmo pela própria familia que lhe sonega até os direitos à herança.
Os dois interpretam um casal de alcoólatras que vive junto há nove anos,  num mundo de fantasia para sobreviver às lembranças e tragédias do passado à base de álcool e diálogos densos.  Francis convive o drama de ter sido o responsável pela morte do próprio filho recém-nascido, ao deixá-lo cair no chão 22 anos antes, enquanto Helen vive das lembranças de ter sido uma celebridade como  cantora e pianista, que acabou esquecida jogadas nas ruas, com algumas malas com pertences restantes  do tempo de glória e um gramofone .
Ele fala da sua tragédia na relação com as pessoas e com o mundo, resignando-se com a condição de mendigo e tem como parceiro um amigo bêbado, que aparece bem vestido com as roupas que recebeu num hospital depois de diagnosticado com câncer, quando o médico lhe deu mais seis meses de vida indiferente à sua condição, pois bebendo ou não  ele iria morrer de qualquer forma.  O câncer foi a única coisa concreta que o bêbado conseguira em vida.
Enquanto  Francis tenta sem sucesso  voltar à realidade,  assombrado por fantasmas com quem conviveu ao longo da vida, inclusive das lembranças com ex-jogador de beisebol  e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida, ela reúne as últimas economias, cerca de 12 dólares  e se hospeda num hotel. Ali, ela  acaba morrendo e é encontrada sem vida pelo companheiro, que cansado de tragédias não se abate com a sua morte e retoma o seu mundo de marginalização embarcando sem destino num trem que o levará a qualquer lugar com suas lembranças amargas e restos de passado.
Hector Babenco, trata, o filme com  lentidão  e  a tensão dos dramas humanos dos outlaws sem comida, sem teto e expostos aos rigores do frio, expondo personagens como Francis Phelan, uma espécie de anti-herói  e  vagabundo, que junta algum dinheiro e tenta voltar ao lar que abandonou trazendo um peru de pouco mais de seis quilos. Numa cena antológica Meryl Streep canta um bar uma canção no bar, mas recebe poucos aplausos.
Como resultado filme recebeu duas indicações para o Oscar 1988 (EUA) nas categorias de Melhor Ator (Jack Nicholson) e Melhor Atriz (Meryl Streep) e recebeu indicação para o Globo de Ouro do mesmo ano também  nos Estados Unidos para Jack Nicholson) como melhor ator. Ironweed também competiu no Festival de Moscou em 1989, na Rússia e valeu a indicação de Héctor Babenco, que morreu recentemente, ao prêmio Golden St. George, da New York Film Critics Circle Awards. (KLEBER TORRES)

Ficha Técnica
Ironweed (Estranhos na Mesma Cidade) (PT)
Direção - Hector Babenco
Roteiro -William Kennedy
Elenco   - Jack Nicholson, Meryl Streep, Carroll Baker, Michael O'Keefe
Gênero -              drama
 Estados Unidos
1987
 cor

 143 min