sexta-feira, 29 de julho de 2016

A busca misteriosa de uma artista obscura, excêntrica, mas genial





O filme Finding Vivian Maier  (A fotografia oculta de Vivian Meier) revela a vida obscura e anônima de uma artista que  passou a sua vida (1º de fevereiro de 1926/21 de abril de 2009) como uma simples babá – sem filhos, marido,  parentes (há registro de um irmão morto) ou aderentes, mas que nos legou um trabalho de fôlego e cuja descoberta só foi possível através da tenacidade de John Maloof, que passou a investigar os seus passos a partir de um conjunto de fotografias feitas numa Roliflex de lente dupla, adquiridas num leilão e dirigiu e produziu um documentário sobre o assunto,  juntamente com Charles Siskel. Graças a este esforço investigativo, hoje, o nome de Vivian Meier aparece  uma das mais talentosas e perspicazes fotógrafas de rua dos EUA e compete em pé de igualdade com celebridades  do mundo da fotografia como Cartier Bresson, Robert  Frank,  Diane Arbus e Helen Levitt.
 O reconhecimento póstumo se deu graças a descoberta de um verdadeiro tesouro, escondido no apartamento em que Vivian viveu até sua morte, em 2009 e num depósito mantido por pessoas para quem trabalhou:  um acervo de mais de 100 mil negativos  retratando um vasto painel  de vida americana com foco em crianças, velhos, mulheres e pessoas empobrecidas ou marginalizadas.
Seguindo uma série de pistas dispersas nos EUA e na França, o documentário revela os segredos por trás dessas fotos e da própria vida misteriosa de Vivien Maier, que falava com um certo sotaque afrancesado falso (sua mãe era de origem francesa) e pouco revelava da sua vida privada, mas vivendo freneticamente como uma colecionadora compulsiva de tudo: retratos, bilhetes,  cupons, passagens de ônibus, cheques devolvidos do imposto de renda que nunca foram sacados e sapatos, chapéus e roupas exóticas.
O seu rico acervo de mais de 100 mil fotografias ainda em fase de revelação e escaneamento, inclui cerca de 700 rolos de filmes coloridos e mais de dois mil em preto & branco, além de 150 rolos de filme em super oito e em 16 milímetros. Em função da quantidade de material acumulado, John Maloof não apenas dirigiu e produziu o filme, como montou exposições da artista nos Estados Unidos e na Europa, que atraíram um grande público, como também escreveu um livro sobre a obra da artista que em vida nunca ganho um centavo pelo seu trabalho.
Um problema: como a artista ainda não era conhecida o Museu de Arte Moderna recusou incorporar parte do acervo da sua obra, que em contrapartida  atraiu o maior publico que já compareceu a uma mostra fotográfica no Centro Cultural de Chicago. O fato é que por contingências do destino a artista só teve fama depois de morta.
Em vida, ela tirava fotografias obsessivamente de tudo, mas ao mesmo tempo guardava as lembranças como partículas da memória no tempo. Nesta viagem ao mundo mágico da fotografia, ela também produzia autoretratos – selfies ? - , mostrando uma pessoa excêntrica, de hábitos incomuns, que usava chapéu de feltro, cortava os cabelos curtos demais, vestindo roupas pesadas e botas do tipo, com que andava quase marchando com rapidez e num estilo quase marcial.
O próprio Maloof conta que estamos vendo um trabalho que ela nunca viu em vida, pois tirava fotos de tudo e guardava o material em grande parte sem revelação, mas  ao mesmo tempo se mantinha informada de tudo, lendo e colecionando milhares de jornais. O fato é que a arte dela revela o lado bizarro e a incongruência da vida, bem como a falta de encanto dos seres humanos com seus dramas pessoais e dilemas existenciais, mas revelando ao mesmo tempo uma visão afetuosa nos olhares e risos das pessoas, capturando  um pouco das suas almas.
Uma outra entrevistada e de quem Meier foi babá observa que ela tinha um lado obscuro e que nunca foi revelado, vivia em quartos que fechava com cadeado  e perdeu vários empregos pelo seu comportamento estranho, ficando com o tempo cada vez mais reclusa e acumuladora compulsiva de tudo o que lhe caia nas mãos, alegando que carregava a própria vida com ela.
Um outro lado da artista era a sua visão jornalística, usando gravadores cassete  para entrevistas sobre temas recorrentes do seu tempo. Assim, foi também a seu modo e com seu estilo pessoal uma jornalista da sua época, chegando mesmo a tentar reconstruir cinematograficamente um crime em que o pai matou a mulher e a filha. Ela também fez uma longa viagem percorrendo diversos países da Ásia, da América Latina e do Egito, que resultaram em milhares de fotos.
O fato é que o mistério da sua vida é tão ou mais interessante que o do seu próprio trabalho, pois uma amiga com quem conviveu por dez anos acabou admitindo que não sabia nada  sobre ela, revelando uma ponta da fotografia oculta de Vivian Meier, que tinha dois temores recorrentes: os homens, com seus perigos e a morte, chegando por isso a recusar atendimento médico quando teve uma sincope na rua para poder voltar para casa sem mobiliário, mas cheia de entulhos e malas do seu universo em desencanto.  (Kleber Torres)



Ficha Técnica
Título : Finding Vivian Meier / A fotografia oculta de Vivian Meier
Documentário/Documentary
Cor/Color digital 83'
Estados Unidos - 2013
Direção, roteiro e produção:  John Maloof e Charlie Siskel
Fotografia:  John Maloof
Montagem:  Aaron Wickenden
Música/Music:  J. Ralph
Gênero - Documentário
Cor

Estados Unidos - 2013

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