domingo, 8 de janeiro de 2017

Pedro Malasartes um hiato entre o jeitinho brasileiro e a corrupção





Pedro Malasartes um  hiato entre o jeitinho brasileiro e a corrupção


O filme “As aventuras de Pedro Malasartes” (1960) produzido e dirigido por Amácio Mazzaropi, resgata tradições da cultura oral popular brasileira e ao mesmo tempo revela aspectos culturais da nossa formação como o tradicional jeitinho brasileiro, a embromação ou a esperteza, que substituem o esforço do trabalho produtivo e torna a honestidade irrelevante ou coisa de otário. Este caldo se reflete nos problemas que vivemos hoje de corrupção e inépcia generalizadas, que afetam a todos os setores da vida nacional e numa profunda crise moral em que faltam referencias e padrões, resultando no aumento da violência que se generaliza, na falta de controle dos presídios abandonados pelo governo  e no registro ano passado de 58 mil homicídios, o que equivale a 158 mortes desnecessárias por dia ou a queda de um avião de grande porte a cada 24 horas.
Tudo começa quando o personagem Pedro Malazartes (Mazzaropi), ao chegar em sua casa na fazenda, recebe a notícia de que seu pai havia falecido.  Como um caipira humilde, analfabeto  e ingênuo, ele  acaba enganado e lesado espertamente pelos seus irmãos. Assim, enquanto um toma posse de todo o gado e dinheiro do falecido pai,  o outro assume de forma plenipotenciária o comando da fazenda numa partilha leonina e que deixa o terceiro irmão desfavorecido, pobre e deserdado.
Assim, sem nada a que reclamar, Pedro Malasartes deixa a fazenda levando os teréns quem lhe couberam por herança:  um ganso, um tacho velho e umas poucas roupas. No caminho, acaba sendo acompanhado por uma namorada, a quem abandona e que o caça pelo sertão, bem como por porção de crianças abandonadas de quem se torna uma espécie de provedor.
Duro, sem dinheiro e sem saber como conseguir descolar uma grana para as despesas com os órfãos que passam a segui-lo, ele começa então a aplicar pequenos golpes para conseguir dinheiro. Assim, vende por 300 cruzeiros um tacho que cozinharia sozinho sem fogo – naturalmente funcionaria num fogão elétrico - a um homenzarrão; em seguida vende o ganso por mil cruzeiros dizendo que ele é mágico e capaz de se comunicar com as pessoas.
 Ele  ainda consegue com sua esperteza roubar uma charrete convencendo a dona do veículo a ficar segurando o seu  chapéu no chão onde, supostamente, estaria preso um pássaro raríssimo e do qual só existiam três espécies masculinas no Brasil.
A lista de trambiques aumenta, com a venda de porcos que não eram dele, uma forma de estelionato ou até mesmo de tentar vender uma árvore também rara, que produzia dinheiro em lugar das folhas e que estava só botando notas de dez, porque não fora adubada de forma adequada.
Assim, ele se vê metido numa série de confusões e acaba preso, fazendo uma confusão dos diabos no tribunal durante o seu julgamento, quebrando o martelo do juiz; questionando o promotor que o chama de individuo de alta periculosidade, alegando que não pode ser julgado por uma coisa que não conhece e contestando o próprio advogado de defesa. Ele termina absolvido, arruma um orfanato para os meninos abandonados que o acompanham e mais ainda consegue no local um emprego para ele e a namorada, com quem acaba se casando e que só sabia mesmo criar galinha e parecia inepta para o trabalho formal.
As pequenas trapaças de Pedro Malasartes são fichinha e coisas de sacristão de igreja diante da nossa realidade, num país em que os professores em grande parte não ensinam o suficiente; os médicos cuidam prioritariamente da saúde financeira de suas famílias e não do conjunto da população que padece nas filas do SUS e não encontra medicamentos nas farmácias das prefeituras ou dos hospitais aos quais têm de recorrer.
No país também temos os nossos engenheiros e arquitetos de pirâmides financeiras que se espelham pelos rincões da nação, enquanto servidores públicos reclamam de salários, mas prestam um serviço de qualidade inferior para os contribuintes.
O Brasil  também tem problemas de corrupção que se espraia na máquina policial, no sistema penal e isso sem falar nos juízes, promotores ou ministros com direito a férias normais e mais a um recesso de fim de ano ou ainda com magistrados punidos apenas com aposentadoria por envolvimento em delitos graves, além da rede de empresários e políticos processados e denunciados em grandes escândalos de corrupção a exemplo do Mensalão e Lava Jato, coisa para ninguém botar defeito e que torna as aventuras de Pedro Malasartes uma simples comédia diante da tragédia brasileira, mas que faz rir adultos e crianças de um outro tempo. (Kleber Torres)

Ficha Técnica
Título: Aventuras de Pedro Malasartes
Direção: Amácio Mazzaropi
Roteiro: Marcos César e Galileu Garcia
Elenco:  Amácio Mazzaropi, Geny Prado, Genésio Arruda e Dorinha Duval
Género: Comédia
Idioma: Português
Brasil 
1960

95 minutos 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Truman e uma opção voluntária pela vida ou pela morte





Vinicius de Morais dizia em um dos seus poemas, que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro e isso fica evidente no filme argentino e espanhol Truman, ao mostrar que tudo o que importa na nossa estada no mundo são as relações, ou seja, o amor, a família e os amigos.  Tudo se começa quando dois amigos de infância, separados  decorrência de opções pessoais e de trabalho, se reencontram depois de muitos anos.
Os dois  passam quatro dias juntos, relembrando os velhos tempos  da infância e adolescência,  bem como as peraltices que formaram uma grande amizade e cumplicidade que se manteve com os anos, tornando-os inesquecíveis. O seu reencontro é também o último adeus, mas um adeus não piegas e encarado de frente diante não apenas de uma realidade  absurda e do insólito que cerca a cada um de nós, que muitas vezes é obrigado a fazer opções e a decidir às sobre a vida e a própria morte através da eutanásia, um tema polêmico e recorrente neste nosso tempo em que Thánatos passeia pelas ruas sem disfarce com atentados terroristas e chacinas sem fundamento racional.
O filme gira em torno de Julian (Ricardo Darin), um ator argentino radicado na Espanha, que se predispõe em função de um câncer,  a dar o seu velho cachorro Truman, com idade avançada, de forma que ele se sinta protegido e querido, porque os cachorros considerados os melhores amigos do homem não são como as plantas, seres vegetais e também sentem a separação dos seus donos.
O filme também fala  amizade e cumplicidade de dois homens que se conhecem desde a juventude, Julián  e  Tomás ( Javier Cámara), professor universitário radicado no Canadá, mas que retorna à Espanha para um reencontro com o amigo por conta da doença e dos problemas enfrentados pelo amigo, também em sérias dificuldades econômicas e existenciais.
A cumplicidade entre ambos pode ser percebida no reecontro dos dois,  quando Tomás diz: “vejo pelo seu pau duro que está feliz em me ver”, ao chegar na casa de Julián que parecia desperto e insone durante a madrugada. Ela também se evidencia no olhar e sorriso do amigo ao abrir a porta e reencontrar o outro  num momento de dificuldades pessoais.
Os dois  vão ao consultório de um oncologista que fala dos protocolos do tratamento à base que quimio e radioterapia, que é rejeitada por Julian dizendo que veio para dizer que não quer nenhum tipo de terapia e não pretende voltar ao consultório, porque não pretende perder o tempo que lhe resta entrando e saindo de um hospital sem chances de cura. Ele também diz que sabe que todos fazem o que podem, mas ninguém afinal tem culpa de nada.
Julian também filosofa dizendo que não sabia que precisava de um argumento para viver e comenta que já sonha com os mortos, como se estivesse se preparando para a viagem junto com a velha senhora. Ele também lembra que antes era muito ateu e não acreditava em nada, mas nem a doença mudou as suas perspectivas.
O filme tem como  título, o nome do cachorro de Julián, que encontra algumas pessoas interessadas no animal, a quem explica que iria viajar e não poderia levá-lo. A adoção enfrenta uma barrreira: pouca gente quer um cachorrro velho. Durante os quatro dias da visita de Tomás a Madrid, o diretor Cesc Gray construiu um rico painel sobre os hábitos e o caráter do ator argentino, que é confrontado por pessoas de seu em um restaurante e até mesmo pela sua ex-mulher.
O filme revela as várias facetas da luta do indivíduo pela vida e pela  morte com dignidade, o que se  revela no reencontro de poucas palasvras com o filho que vive em outro pais e a quem abraça num gesto de despedida em Amsterdã antes de uma prova e de um concerto . Julian também assume  pessoalmente o  momento de encarar a despedida da labuta nos palcos que lhe dá um dos poucos prazeres que lhe resta e uma renda insatisfatória para sobreviver sem depender da ajuda do amigo e quando tem de acertar  os preços para um enterro normal, para quem está sem grana.
Como um morituro, ele  age como um ser de  uma espécie rara e extinção com coragem para encarar a vida e morte de frente, afinal cada um morre como pode e no momento em que percebe que precisa deixar para trás seus amigos ou sonhos acalentados durante a vida. 
E é justamente isso que Julián se prepara para fazer ao tentar encontrar um lar para Truman e se propõe depois a ficar bêbado e a derramar suas lágrimas, uma decisão de um homem também cansado e desiludido que não pretende esperar o final e que pretende na morte encontrar uma paz não achada nos caminhos tortuosos da vida, porque cada homem é ele e o conjunto absurdo das suas circunstâncias, muitas delas adversas e desfavoráveis, mas como dia o poeta brasileiro Vinícius de Morais a vida também não é de brincadeira.(Kleber Torres)


Ficha Técnica
Titulo : Truman
Direção: Cesc Gay
Elenco :  Ricardo Darín, Javier Cámara, Dolores Fonzi
Roteiro: Cesc Gay, Tomàs Aragay
Música: Toti Soler, Nico Cota
Prêmios: Prêmio Goya de Melhor Filme

Argentina 

domingo, 1 de janeiro de 2017

Humor escrachado que brinca com o sexo e a religião







Rodado há exatos 30 anos, Urubus e Papagaios é uma comédia picante, que foge aos padrões da chanchada e mergulha de certa forma até no realismo fantástico com gags e situações hilariantes. Tudo  começa quando aos 60 anos, o desembargador aposentado Fausto (Nelson Dantas) volta à pequena cidade natal, onde passa a viver em companhia da jovem esposa Inês (Louise Cardoso), com pouco mais de 20 anos e uma mulher considerada liberada, que começa a fazer seguidoras na comunidade, entre elas a concubina do prefeito.
O casal incomoda os padrões conservadores da população dividida entre governistas e seus opositores de esquerda, mas ao mesmo tempo provoca alterações no comportamento dos habitantes. O desembargador se aproxima de uma galera de jovens, que se sentem atraídos pela sua bela e sensual mulher, a qual passa a ser o objeto de desejo coletivo.
Em função do amor tórrido entre o desembargador e  Inês, o desempenho sexual do casal passa a ser seguido com atenção pelos moradores, que tem como termômetro os momentos de êxtase dos dois, quando as luzes do quarto ficam vermelhas e se refletem sobre os olhares dos moradores da pequena cidade.
Enquanto isso os maridos deixam as mulheres de lado e passam a frequentar a casa de Eni (Cláudia Jimenez), que tem como referência real o luxuoso da homônima na saída de Bauru, também muito famosa no século passado e que era em realidade frequentado por empresários e políticos de projeção nacional. O bordel acabou fechando por causa da concorrência das amadoras contra as prostitutas classe A;
A questão é que em função da idade e de problemas de saúde, o desembargador que havia deixado a pequena cidade há 30 anos, assume uma postura contestadora participando de bebedeiras com os jovens e com a sua morte, um dos rapazes de aproxima da viúva que  lhe concede alguns favores sexuais, o que provoca uma mudança radical na situação sexual da população.
Depois de uma tempestade, o túmulo do desembargador que foi pichado com palavras como corno e chifrudo, aparece com rachaduras e no seu epicentro emerge um mastro peniano, que atrai a atenção da população. Ao mesmo tempo as vaginas das mulheres da cidade ficaram impenetráveis, o que preocupou aos médicos e mobilizou até a igreja chamada para dar uma mãozinha na solução do problema.
O padre local realizou sem sucesso um exorcismo e depois de muita luta para derrubada do imenso mastro coberto com uma lona amarela, convocou a sua principal beata, uma mulher pia que pelas suas confissões sempre teve um comportamento exemplar para ajudar também sem sucesso na erradicação do mal. Ela não era tão pura quanto dizia nas suas confissões.
Mas as coisas só voltaram mesmo  ao normal depois de um encontro entre a viúva e o espírito do falecido, cujo mastro acaba recolhido e assim o mundo daquela população voltou ao normal. Um filme para quem gosta da rir e sabe que até a safanagem tem de ser bem administrada, mais ainda com muito humor para não virar esta esculhambação generalizada que conhecemos.(Kleber Torres)


Ficha técnica completa

Título: Urubus e Papagaios (Original)
Ano produção:        1987
Direção:       José Joffily
Roteiro: Joaquim Vaz de Carvalho, Jorge Durán e José Joffily
Elenco: Cláudia Jimenez, Dora Pellegrino, Felipe Camargo, Louise Cardoso, Maria Alice Vergueiro, Nelson Dantas
Duração:      90 minutos

Gênero: Comédia Nacional