sábado, 18 de abril de 2015

A Dama Fatal numa cidade de morte e sangue





O filme Sin City: A Dame to Kill For (Sin City 2: A Dama Fatal), lançado no segundo semestre de 2014, é uma sequência e desdobramento natural de Sin City – A Cidade do Pecado (2005), tendo como foco uma estética da violência, do sexo e do desespero existencial numa cidade onde a vida é igual à morte e não se pode fazer nada. O roteiro, que tem como base uma graphic novel A Dama Fatal foi escrito a seis mãos por Frank Miller, Roberto Rodriguez e William Monahan.
Em sua essência a trama de Sin City tem ainda como elementos de sua complexa construção as histórias Just Another Saturday Night e The Long, Bad Night, que se fundem, sob a direção do competente Robert Rodriguez. Mesmo assim, o filme dividiu as opiniões dos críticos por ser considerado uma mistura abusiva de sexo e sangue, exigindo a atenção do espectador para a compreensão de histórias estanques e que se confundem num clima noir dos velhos gibis, onde a cor é usada para mostrar o vermelho do sangue ou do gloss, o dourado dos cabelos das atrizes e suas roupas contrastando com o fundo negro.
Sin City também trata da questão do poder sobre a vida e a morte, uma coisa frágil e que não tolera ameaças segundo Roark, um dos personagens da trama. Tudo começa após a morte de John Hartigan (Bruce Willis), que Nancy Callahan (Jessica Alba) transforma em um projeto de vingança. Ela passa suas noites dançando e bebendo no mesmo bar, enquanto se prepara para enfrentar o poderoso Senador Roark (Powers Boothe), o dono do poder, da vida e de morte.
Ao mesmo tempo, Dwight (Josh Brolin) tenta ajudar à bela e enigmática Ava (Eva Green) que o trai sistematicamente e o utiliza como peça de um quebra cabeça mortal. Ele  busca a ajuda de Gail (Rosario Dawson) e sua patota para enfrentar a amada, enquanto que Nancy conta com o apoio de Marv (Mickey Rourke), que com  a sua didática considera que não precisa deixar ninguém vivo, até porque não existem inocentes, numa cidade podre e que julga ou condena indistintamente a todo o mundo.  
O elenco reúne atores experientes como Mickey Rourke, Rosario Dawson, Bruce Willis, Jessica Alba, Jaime King, Jamie Chung, Michael Madsen, Joseph Gordon-Levitt e Josh Brolin, o Dwight, originalmente interpretado por Clive Owen na primeira versão cinematográfica.  Ava Lord, a Dama Fatal do título do filme num papel inicialmente projetado para Angelina Jolie, foi interpretada por Eva Green, com um bom desempenho.
Vale observar que três das quatro histórias do filme – ‘Just Another Saturday Night‘, ‘A Dame to Kill for‘ e ‘The Long, Bad Night‘ – são referências do filme anterior. Vale ainda salientar que esse é o filme mais caro que Robert Rodriguez já dirigiu, com um orçamento de US$ 65 milhões. Ele tem no seu histórico mais de duas dezenas de filmes entre os quais El Mariachi, um dos filmes mais baratos e lucrativos da história do cinema, além de  Desperado, Spy Kids, Sin City, Planet Terror, Grindhous, Machete Kills e Machete Kills Again: In Space. (Kleber Torres)


Ficha técnica

Título : Sin City: A Dame to Kill For / Sin City 2: A Dama Fatal
Direção:Frank Miller e Robert Rodriguez
Produção:   Sergei Bespalov, Aaron Kaufman , Stephen L'Heureux
Roteiro       Frank Miller, Robert Rodriguez e William Monahan
Elenco: Jessica Alba, Josh Brolin, Rosario Dawson, Bruce Willis, Jaime King, Joseph Gordon-Levitt, Lady Gaga, Jamie Chung, Mickey Rourke eMichael Madsen
Gênero: ação
Música: Robert Rodriguez

2014 • cor

sábado, 11 de abril de 2015

Lili Marlene




          Tudo começa em 1939, às vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, quando a cantora de cabaret Willie, interpretada por Hanna Schygulla se apaixona em Zurique, na Suíça,  pelo pianista boêmio Robert (Giancarlo Giannini). Ele é judeu que participa da resistência ao nazismo e a sua  família não quer o relacionamento com Willie, uma alemã loura e de sangue ariano.
          O casal se separa quando ao voltar de uma viagem da Alemanha em companhia de Robert, Willie é impedida de cruzar a fronteira e retornar à Suíça, de onde  foi expulsa por dívidas, numa ação desencadeada do pai de Robert, o magnata David Mendelson (Mel Ferrer).
          Sem poder voltar à Zurique onde se apresentava em casas noturnas, Willie é forçada a permanecer em seu país de origem e  se envolve com Henkel (Karl-Heinz von Hassel), um poderoso oficial da SS, polícia política nazista, que se torna o seu padrinho e a insere num circuito de apresentações numamovimentado cabaré.
          Ao mesmo tempo em que a II Guerra Mundial se desenrola, a carreira de Willie começa a deslanchar e com a ajuda de Henkel, que trabalhava no ministério das comunicações, ela gravar um disco e uma das canções, Lili Marleen, de Hans Leip, que passa a tocar na Rádio de Belgrado e se torna extremamente popular entre as tropas alemãs que estão nas frente de combate. A música passa a ser o hino de seis milhões de  soldados alemães mobilizados na África, na Rússia e na própria Europa ocupada.
          Willie fica famosa e se torna uma celebridade, que dá autografos e passa a receber os privilégios do regime, inclusive com acesso a Adolph Hitler. Inconformado com o fato de que Willie tenha se tornado um símbolo do regime nazista, Robert volta à Alemanha para falar com ela, usando documentos falsos, mas é feito prisioneiro e Lili, cai em desgraça, entra para a lista negra do regime como suspeita de espionagem e sabotagem.
          Um fato importante no filme, é que nas sequências das apresentações apoteóticas do Lili Marlene em teatro, há sempre uma fusão da música com as imagens dos campos de batalha onde morrem e são mortos os soldados alemães, o que se contrapõe com as flores e ovações do público à cantora, mesmo quando a Alemanha era submetida a pesados bombardeios aliados. A música para Paul Joseph Goebbels era sentimentalóide e “não passava de uma besteira com cheiro de morte”, em função do seu final trágico. O filme termina com o nazismo derrotado.
          Como representante do no cinema alemão, Rainer Fassbinder conseguir montar um retrato da Alemanha, que se consolida com Lili Marlene e o Casamento de Maria Brown. Ele retratou em seus filmes – produzia um a cada cem dias – o drama de todas as classes sociais, como os burgueses, em Roleta Chinesa; os comerciantes, em O mercador de quatro estações; o proletariado, em Viagem à felicidade de Mamãe Küster; o lúmpen, em O amor é mais frio que a morte; os intelectuais, em Satansbraten; os jornalistas, em As lágrimas Amargas de Petra von Kant, ou os emigrantes, em Katzelmacher, todos numa linguagem densa e cheias de imagens simbólicas que se inserem na história do cinema. (Kleber Torres)


Ficha Técnica:
Título : Lili Marleen / Lili Marlene
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder, Manfred Purzer eJoshua Sinclair
Elenco : Hanna Schygulla, Giancarlo Giannini, Mel Ferrer, Karl-Heinz von Hassel, Erik Schumann, Hark Bohm, Gottfried John, Karin Baal, Christine Kaufmann, Udo Kier e Roger Fritz
Gênero :drama
Música: Peer Raben
País:  Alemanha

1981 • cor • 120 min 

sábado, 4 de abril de 2015

Hanna Arendt e a banalização do mal






          A questão da banalização do mal é o tema central do filme Hannah Arendt, interpretada por Barbara Sukowa, que migrou para os Estados Unidos com o marido Heinrich (Axel Milberg), após a Segunda Guerra Mundial. Os dois estiveram presos num campo de concentração nazista de Gurs, na França e nos EUA, ela é convidada para cobrir o julgamento do carrasco Adolf Eichmann, em Israel, para a revista The New Yorker, abrindo uma polêmica em relação não apenas à prática dos alemães na implementação da solução final com a exterminação massiva judeus, sob a alegação do cumprimento de ordens e lealdade ao regime hitlerista, como também questionando em  relação aos judeus que de alguma forma colaboraram com os algozes contribuindo mesmo involuntariamente para o processo.
          Como resultado ela escreve sobre o caso e publica cinco polêmicos  artigos no The New Yorker, que geram uma série de protestos e depois os reúne em um livro com o título Eichmann em Jerusalém, o que lhe custa o rompimento de amizades e problemas na universidade onde ensinava. Aí é que começa o drama de sua vida, pois nos artigos ela  mostra que nem todos que participaram dos crimes de guerra eram verdadeiros monstros, agindo na vida pessoal como pessoas normais e pais de família exemplares. Ainda segundo ela, judeus também estavam envolvidos de forma indireta e ajudaram no extermínio dos seus iguais sob temor e pressão dos nazistas.
          Segundo ela, Adolf Eichmann, que fez a sua própria defesa no julgamento, não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio aparentando ser uma pessoa normal e sem sentimento de culpa. Neste sentido, ele confessa que agiu estritamente segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática, mas desumana.
          Em essencia, ele cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar, sem avaliar no sentido ético e moral as conseqüências dos seus atos, mas que executava como um processo administrativo. Isso evidencia o caos moral que os nazistas causaram na sociedade europeia e nas suas vítimas, uma vez que eles tiram dos judeus a sua condição humana.
          No filme, Anna Arendt considera que ele era diferente do que pensava, parecendo um  Zé Ninguém, que usava uma linguagem dos burocratas e dizia como metáfora aos seus julgadores, que “ me sinto como um filé na grelha”. O filme também reúne depoimentos de sobreviventes dos campos de concentração chefiados por Eichmann, que assumiu até a possibilidade de matar o seu próprio pai se este fosse um traidor do nazismo: “é uma questão de comportamento humano, pois estávamos em uma guerra” alegou o carrasco.
          Em essência, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, transferindo-o do campo essencialmente filosófico para o político e analisando o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado contaminando o conjunto da sociedade. Neste sentido, o mal não é uma categoria ontológica,  natural e nem metafísica devendo ser analisado no sentido político e histórico: pois é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso ocorre em razão de uma escolha política.
          Assim, segundo Arendt o réu  considerava que não fez nenhum mal a nenhum judeu, uma vez que cumpria estritamente ordens, “ele transportava pessoas para a morte, mas não se sentia responsável agindo como se fosse um mero burocrata medíocre”. Este processo no seu conjunto implicava na desumanização das vitimas, tornando-as pessoas supérfluas como seres humanos, como sói acontecer no nosso tempo, sob a égide do ISIS e do Boko Haran, uma vez que a trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, um terreno fértil onde a banalidade do mal se instala e onde por osmose tudo acaba permitido até mesmo a atuação dos corruptos que depredam empresas estatais ou que esmagam vidas humanas sem nenhuma contemplação ou justificativa racional.
          Ela conclui que não existe uma pena real que se aplique aos atos de pessoas como Eichamnn, que foi condenado a morte por enforcamento, até porque existem muitas indivíduos iguais a ele, que era incapaz e se recusava a pensar. Ela considera que ele cometeu um crime que não existe nos livros de Direito e nem previsto nos manuais e nesse ponto faz referencias aos judeus que voluntariamente ou sob a mais absoluta pressão colaboraram com o nazismo, mesmo não tendo outra alternativa ou opção, o  que custo a vida de  cerca de seis milhões de judeus.
          O filme também mostra uma controversa relação da filósofa de esquerda com o seu mestre Martin Heidegger, que teve ligações com o nazismo, e é considerado pensadores fundamentais do século XX, quer pela recolocação do problema do ser e ou ainda pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. Heiddeger considera no filme, que pensar não soluciona os problemas do universo, mas nos dá o poder de agir.
          Em síntese, a filosofa nos ensina no filme e na sua obra que tentar entender não significa perdoar os crimes inomináveis do nazismo e que o ponto chave da prevalência da banalização do mal está na recusa de pensar e na falta de compromisso com a condição humana, um problema que emerge também nos dias conturbados do nosso tempo. O fato é que o mal não pode ser banal, “o mal nunca é radical, é apenas extremo e que não tem nem profundidade nem sequer uma dimensão demoníaca”. (Kleber Torres)



Ficha técnica
Hannah Arendt
Ano:  2012
Elenco: Barbara Sukowa como Hannah Arendt; Janet McTeer como Mary McCarthy; Klaus Pohl como Martin Heidegger; Nicholas Woodeson como William Shawn; Axel Milberg como Heinrich Blücher; Julia Jentsch como Lotte Köhler; Ulrich Noethen como Hans Jonas e Michael Degen como Kurt Blumenfeld
Direção: Margarethe von Trotta
Duração: 114 minutos
Música composta por: Andre Mergenthaler

Prêmios: Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Atriz, Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Filme