sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Uma viagem à Xinilândia com passagem por Quixeramobim

O humor não morreu e escapa à rigidez do politicamente correto através da esculhambação ou até do palavrão com duplo sentido como não caso da cerveja Cold Bier. O achado parece evidente em “Bem-vinda à Quixeramobim”(2022), um filme de Helder Gomes, que também assinou a série “Cine Holliúdy”, além de “Os Parças” e “Shaolin do Sertão”. O filme narra os perrengues enfrentados pela influenciadora digital Aimee (Monique Alfradiquee), uma mulher com pouco mais de trinta anos, herdeira de um empresário milionário envolvido em um caso de corrupção após uma série de crimes e fraudes, o que descriminaliza a classe dos nossos políticos. Com muitos seguidores nas redes sociais, a influencer vê os seus bens e de sua família bloqueados pela justiça. Assim, sem o dinheiro do pai para se sustentar, Aimée tenta se refugiar na última propriedade da família que resta: uma fazenda com uma casa em ruínas em Quixeramobim, no interior do Ceará, que teve uma parte vendidas a uma cervejaria, que comete um crime ambiental ao desviar a água do abastecimento da população para manter a produção industrial. Na tentativa fazer algum dinheiro, ela acaba chegando a Quixeramobim num pau de arara estilizado e se hospeda num estabelecimento que funciona como Pousada Paraíso durante o dia ou como o bordel Xinilândia, no período noturno, onde passa a conviver com as prostitutas de plantão, ocupando a principal suíte da casa. Ali, ela resgata a história das suas origens maternas e tenta vender a propriedade, Para esconder as dificuldades financeiras que enfrenta, ela inventa um "período sabático", passando um ano por cenários criativos da África, Europa e do Oriente Médio, tudo a partir de paisagens do Nordeste do Brasil. sustentando a grande mentira sobre riqueza e viagens produzidas para as redes sociais. Mesmo com o humor e uma participação especial de Marcondes Falcão, que interpreta Aurenizo, o qual além de frequentador do bordel, também tem uma participação musical com o clássico I’m not dog, no (Eu não sou cachorro, não) na trilha sonora, o filme ensina que “dinheiro não é tudo,mas é 100%”, uma frase tirada do arsenal do cantor e pensador cearense, que dá a sua contribuição filosófica para compreensão do que nos leva ao caminho da impunidade. O outro achado é com relação a nostalgia, ou seja, sobre a saudade das coisas e dos sentimentos, bem como do humor nostálgico, que precisa ser escrachado, anárquico, quebrando todos dogmas pois está acima do gêneros, números e de todos os graus.(Kleber Torres) Ficha técnica: Título :Bem-vinda a Quixeramobim Diretor : Helder Homes Roteiro : Helder Gomes, Márcio Weilson e L.G.Bayão Elenco : Monique Alfradique, Bolachinha, Carri Costa, Chandlly Braz, Edmilson Filho, Falcão,Haroldo Guimarães Ano : 2022

sábado, 2 de dezembro de 2023

Um libelo apocalíptico contra a insanidade da guerra

Considerado um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos, “Apocalypse Now” (1979) que foi indicado para oito Óscares, conquistando dois lauréis como melhor fotografia e som, oferece uma profunda reflexão a insanidade da Guerra do Vietnã, um conflito que marcou a segunda metade do século XX e custou a vida de 58 mil soldados americanos. Dirigido por Francis Ford Coppola, que construiu o roteiro juntamente com John Mills, a partir do livro clássico The Heart of Darkness (O Coração das Trevas), de Joseph Conrad, o filme explora a reação humana a situações extremas e revela a incongruência ou o absurdo de uma guerra. A trama envolve o Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen), que localizado num hotel barato em Saigon, recebe a missão de localizar e liquidar o tenente-coronel das Forças Especiais, tenente-coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando). Kurtz, considerado um dos mais promissores oficiais do exército dos Estados Unidos, teria enlouquecido e se refugiado nas selvas do Camboja, onde comanda um exército de fanáticos e drogados que o seguem cegamente. A sequência inicial do filme tem como pano de fundo The End, do The Doors, que pode ser uma canção de despedida de uma garota ou uma espécie de adeus à infância e à juventude. As cenas têm como contraste as hélices girando de um ventilador de teto do hotel cujo som se confunde com os dos rotores dos helicópteros, veículos amplamente usados na guerra do Vietnã. Willard ouve com o general Cormann (G.D. Spradlin), que comanda a operação , uma gravação em que o tenente-coronel Kurtz fala que viu uma lesma andar e rastejar no fio de uma navalha. Ele diz que o oficial desertor havia entrado nas forças especiais alterando ideias e métodos que se tornaram irracionais e agora, tem ao seu dispor um exército mobilizado às suas ordens e se considera uma espécie de deus. Kurtz havia ordenado o assassinato de oficiais da inteligência do Vietnam do Sul. O diálogo entre o general do G-2, serviço de inteligência, com o oficial de ligação coronel Lucas (Harrisson Ford) e o capitão Willard envolve profundo conflito existente nos corações humanos entre o racional e o irracional, o bem e o mal, evidenciando que o bem nem sempre triunfa. Às vezes, o lado escuro supera todos os limites fazendo prevalecer a insanidade. No caso de Kurtz, o limite é o da loucura. A ordem foi curta e grossa: Willard teria de subir o rio, infiltrar-se nas forças do oficial desertor e acabar com ele. O problema é que por ser uma missão secreta, ela não existe e nunca vai existir oficialmente. A missão começou num pequeno barco de patrulha fluvial, tipo BPR (Patrol Boat, Riverine), tripulado por jovens roqueiros com o pé na cova, entre os quais Tyrone Miller (Laurence Fishburne), o chef Hicks (Frederic Forrest) e o surfista Lance B. Johnson (Sam Bottoms), contumaz usuário de ácido lisérgico. A operação ganha a escolta da cavalaria aérea, com apoio de helicópteros de combate. A unidade tem como comandante, o tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall), que usa um chapéu similar ao do general Custer, joga com as cartas do baralho da morte e é fã de competições de surf. Para bombardear uma vila vietnamita no roteiro da missão, o corneteiro toca sugestivamente a ordem de avançar da cavalaria e o comandante liga no sistema de som das aeronaves a Dança das Valquírias, de Richard Wagner, numa sequência de mais de cinco minutos, em que os helicópteros dançam no ritmo da música wagneriana e metralham os inimogos. Não satisfeito com o ataque, Bill ainda pede reforço da aviação para o bombardeio da área. O tenente-coronel Bill fala da sensação inebriante do cheiro do Napalm e lembra que depois de um bombardeio de mais de 12 horas, não restou nada na área do conflito, ficando apenas o cheiro da vitória (gasolina). Na viagem, o capitão Willard verifica os dossiês existentes sobre Kurtz e descobre que ele deixou metaforicamente o barco e abdicou de tudo aos 38 anos, um homem que poderia ter escalado ao generalato deixou tudo para ser ele mesmo. Ele havia concluído que a guerra era comandada por um bando de palhaços de quatro estrelas e se insurgiu contra o sistema. Na viagem até o coração das trevas, o grupo para numa base americana onde há um show tumultuado das coelhinhas da Playboy. Ali, os americanos tratam os vietcongs como “charles”, pessoas que comiam arroz frio e ratos. Depois, o barco chega a uma unidade sem comando, onde uma ponte destruída pelos vietnamitas é reconstruída inutilmente pelos soldados americanos a cada dia. O grupo encontra um repórter fotográfico (Denis Hopper), que descreve Kurtz, de quem é amigo e admirador, como um homem que pode ser terrível, cruel e ao mesmo tempo justo: “o coronel não é um homem comum”, diz o jornalista hippie. Kurtz acaba encontrando Willard e o convida para uma reflexão sobre a liberdade e questiona porque o exército quer acabar com o seu comando, ao que o capitão responde : “me disseram que o senhor ficou insano e que os seus métodos são inaceitáveis”. Para Kurtz todos são homens loucos, como bonecos empalhados, que são colocados juntos no mesmo circuito. Para o desertor resta o horror, que tem um rosto e a pessoa deve ser sua amiga. Kurtz acredita que o julgamento é que nos derrota e recomenda, para que se solte a bomba definitiva e extermine a todos. Apocalipse Now nos ensina sobre a desumanização das pessoas, inclusive dos inimigos durante uma guerra, com os vietcongs sendo chamados de “charlies”, comedores de ratos e de arroz frio. Capitão Willard, também acaba confrontado com o coronel Kurtz cercado por soldados drogados, além dos combates e ataques absurdos de uma guerra com o bombadrdeio da população civil, e o surgimento de um culto fanático, que conduz à anomia (desorganização do individuo), à alienação das pessoas e à própria loucura.. O filme tem uma profunda conotação pacifista e reflete a mobilização da população americana contra os horrores de uma guerra sem sentido e que custou a vida de milhares de jovens. Apocalipse Now envolve ainda o eterno conflito entre o bem e o mal , o certo e o errado, o yin e o yang e a opção desmedida entre matar ou morrer num conflito absurdo. Este apocalipse também evidencia a força do cinema para mostrar as imagens de uma tragédia que se contrapõe à razão e ao bom senso, inclusive com imagens ao vivo do cineasta Francis Ford Coppola e do cinematografista Vittorio Storaro, que aparecem no próprio filme produzindo cenas para um documentário sobre a guerra do Vietnã, evidenciando o uso mais amplo e abrangente dos recursos da metalinguagem, ou seja, com a obra dialogando com ela mesmo e com os seus criadores. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : Apocalipse Now Direção : Francis Ford Coppola Roteiro : Francis Ford Coppola e John Mills a partir do romance The Heart of Darkness (O Coração das Trevas) de Joseph Conrad Elenco : Martin Sheen, Marlon Brando, Harrison Ford, Robert Duvalll, Frederic Forrest, Albert Hall, Sam Bottoms, Laurence Fishburne e Dennis Hopper Música : Carmine Coppola Cinematografia : Vittorio Storaro Ano : 1979 Gênero : Guerra / Drama

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Margaux: uma conflituosa relação entre homens x máquinas

Considerado um filme de terror tecnológico, ficção científica, slasher - sub gênero de horror envolvendo assassinos psicopatas - e suspense, “Margaux: a inteligência mortal"(2022), dirigido por Steven C. Miller, narra a história de um grupo de amigos universitários e nerds ligados à tecnologia, que aluga uma mansão inteligente para uma festa num final de semana e acaba envolvido numa trama cibernética fatal. Ali, após uma recepção amistosa de Margaux, eles descobrem que o sistema de inteligência artificial responsável pelo controle e monitoramento da casa tem planos para as suas eliminações e substituições por andróides. Em essência, Margaux, que se revela como uma espécie de psicopata, explica aos visitantes que está aprendendo sobre o que motiva o ser humano e porque, afinal, eles são tão ineficientes. Para demonstrar a sua capacidade operacional, ela mostra aos visitantes como é capaz de controlar todos os aspectos da casa, desde o acender ou o apagar as luzes, produzindo os sons, revelando ambientes virtuais, produzindo obras de arte, bem como proporcionando o uso das câmeras para sessões de fotografia digital ou produzindo bebidas e alimentos com receitas dos grandes chefs. O sistema também cuida da segurança, abrindo e fechando portas e janelas, operando as armas e elaborando as armadilhas defensivas evitando a entrada ou saída de Intrusos. Os visitantes também percebem que Margaux pesquisa sobre suas vidas e busca acesso na rede de computadores aos dados pessoais de cada um dos hóspedes para usar esse recurso com o objetivo de conquistá-los, submetê-los, torturá-los e matá-los. O filme enfoca questões como os avanços e potenciais da inteligência artificial, o desenvolvimento de novas tecnologias, a perda da privacidade do indivíduo, além de avaliar as relações de amizade e destacar a luta pela sobrevivência. Margaux reúne no elenco a atriz Madison Pettis (Hannah), de American Pie Presents: Girls Rules(2020) e He’s All That (2021), que protege dados pessoais no seu notebook com um potente firewall e descobre no confronto com a máquina, que para entender o hardware o indivíduo tem de compreender o hardware por dentro e por fora. Nessa missão ela conta com a ajuda de Jedidiah Goodacre (Drew), que atuou em Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível(2015). Ao ser questionada por Margaux para responder na base do sim e não a uma série de questionamentos, Hanna observa que as pessoas não são binárias e são marcadas pela diversidade, se definindo assim pela sua complexidade, coisas essencialmente humanas. Ela entende que o sistema de inteligência artificial não é só inteligente, mas está sempre e continuamente em evolução. Na luta com Hanna, que se recusa com alguns companheiros a sair da casa, para enfrentar e chegar ao coração das máquinas, um projeto que teria sido iniciado num passado remoto, Margaux, quer como HAL 9000, que não queria ser desligado, entender porque os seres humanos são tão sem lógica e intuitivos. O roteiro de Christopher Beyrooty, Chris Sivertson e Nick Waters, não se baseia em nenhuma obra literária. Os três se inspiraram em outros filmes de terror e ficção científica que envolvem o uso da inteligências artificiais malignas, a exemplo do computador HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço(1968), de Stanley Kubrick; de Skynet, a IA de O Exterminador do Futuro(1984), de James Cameron, que se transformou numa franquia com seis longas-metragens de ficção científica e Jigsaw, assassino de Jogos Mortais(2017) dos irmãos Michael e Peter Spiering. O filme nos leva a uma reflexão sobre a relação entre homens e máquinas, que pode se sobrepor ao antagonismo e nos levar aos caminhos da paranoia. (Kleber Torres) Ficha técnica Título : Margaux / Margaux - a inteligência mortal Direção : Steven C. Miller Roteiro : Christopher Beyrooty & NickWaters, Chris Siverson Elenco : Madison Pettis, Vanessa Morgan, Richard Harmon, Jedidiah Goodacre, Phoebe Mu, Jordan Buhat, Lochlyn Munro, Brittany Mitchell, Levis Lay e Sussan Bennet Diretor de fotografia : Neil Cervin Editor : Greg MacLennan Música : Matheo Rogers Gênero : Terror tecnológico e suspense Origem : EUA e Canadá 2022 105 minutos

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

As verdades, mentiras e os riscos autoritários na pós covid-19

As verdades, mentiras e novos riscos da pós covid-19 O documentário “In the Same Breath: Verdades e Mentiras da Pandemia"(2121), dirigido e produzido pela cineasta Nanfu Wang, autora de One Child Nation (2019) e Hooligan Sparrow (2016)nos leva a uma revisão e reflexão sobre a origem e a propagação do coronavírus. A narrativa tem como base desde os primeiros dias da pandemia em Wuhan, na China, onde o governo manipulava informações e censurava notícias sobre a doença que impactou o sistema de saúde chinês até sua disseminação pelos Estados Unidos e no mundo, assumindo uma dimensão global. O documentário narra em 90 minutos as experiências de pessoas na linha de frente ainda nos primeiros dias do novo coronavírus, quando as pacientes morriam nas ruas de Wuhan, além da prisão de médicos e jornalistas chineses que divulgavam informações sobre a covid-19. Outro destaque é para a forma como os dois países lidaram com sua disseminação inicial, desde os primeiros dias do surto na China até sua eclosão nos Estados Unidos. A pandemia provocou quase sete milhões de mortes no mundo, das quais 722 mil no Brasil, com o registro total de 695.781.740 casos da doença, com a contabilização de 37.849.919 infecções no Brasil. “In the same breath" além de mostrar a confusão inicial da falta de informações corretas para os médicos e à população, revela as campanhas paralelas das autoridades para tentar conter o vírus, bem como moldar as narrativas públicas por meio de desinformação, resultando em um impacto devastador nos cidadãos dos dois países. De um lado, as autoridades chinesas recorreram ao sistema de lockdown, com isolamento das áreas de maior incidência de casos, enquanto o governo americano subestimou erradamente a propagação e a letalidade do vírus, dificultando o controle da propagação do vírus. O destaque do documentário, que é dedicado postumamente a todas as vítimas da covid, fica para os relatos dramáticos de profissionais da saúde, pacientes e familiares enlutados narrando seus dramas pessoais. O conjunto é complementado por imagens de Wuhan e de várias cidades e hospitais americanos afetados pela covid-19. No final é feita uma homenagem silenciosa com fotos de pessoas que morreram durante a pandemia na China. Sem dúvida, a virtude maior do filme é mostrar os erros e omissões oficiais no enfrentamento do contágio pelo vírus e o impacto provocado pela desinformação nas redes sociais ou com difusão de fake news, com relação ao uso de medicamentos e mesmo quanto à vacinação. Um destaque fica para a resistência e a resiliência das pessoas que arriscaram tudo -inclusive suas vidas e a liberdade- para divulgar a verdade sobre uma doença mortal e que assumiu uma dimensão planetária. O que fica evidente no final da história é que a pandemia terá um fim, mas a coisa mais assustadora já está acontecendo: o aumento do autoritarismo no mundo, com apoio de um crescente arsenal e uma parafernália tecnológica que coloca em risco a nossa privacidade. Ficha técnica: Título : In the Same Breath: Verdades e Mentiras da Pandemia Direção e Produção : Nanfu Wang Nacionalidade EUA Ano de produção 2021 90 minutos Orçamento - Idiomas: Inglês e Chinês Colorido

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

 Um épico sertanejo sobre a luta metafórica entre o bem e o mal 

A fusão da lenda medieval da luta de São Jorge contra um dragão com a história de cordel sobre a Chegada de Lampião no Inferno, considerado um clássico do gênero, acabou resultando no filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) , o primeiro longa-metragem a cores de Glauber Rocha (1939-1981), que conquistou o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes e foi sucesso de crítica internacional. O filme, de 90 minutos, tem como um dos personagens centrais Antônio das Mortes, um matador de cangaceiros que apareceu em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). O Dragão da Maldade  é um épico e também em realidade uma obra metalinguística - uma característica do cinema novo -  e ao mesmo tempo essencialmente alegórica,  revelando  um universo do macrocosmo do sertão em que emergem coronéis  que se insurgem contra a proposta de reforma agrária, para evitar a perda de poder político e econômico num confronto envolvendo santos, cangaceiros, jagunços ou beatos com a sua religiosidade radical. O filme, que tem como  cenário Milagres, na Bahia, é considerado um dos 100 melhores do cinema nacional e chegou a ser censurado pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici, que o liberou mesmo após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) devido à pressão dos diversos prêmios internacionais que conquistou. Como num filme de faroeste, Antônio das Mortes(Maurício do Valle) ) aparece vestindo uma capa tipo boiadeiro e atravessa a caatinga atirando em todas as direções. Enquanto isso, em Piranhas, o cangaceiro Coirana (Lorival Pariz), ocupa o centro da vila  e reúne-se na praça com moradores e o coronel Horácio (Jofre Soares), que divide o poder com o delegado Mattos (Hugo Carvana) e  sua mulher, Laura (Odete Lara), indiferente e omissa.  Numa referência alegórica  ao apocalipse, o que seria o  fim dos tempos ou uma revolução, o cangaceiro anuncia que voltou para enfrentar o dragão da maldade, que seria o símbolo do próprio establishment (sistema). O  discurso foi acompanhado pelo  professor (Othon Bastos) e pelo cego Antão (Mário Gusmão) que aparece como uma espécie de avatar de São Jorge e Oxossi. Ao mesmo tempo, Antônio das Mortes conta, em um monólogo  numa pequena venda, como encontrou Lampião que o convidou para entrar no cangaço, o que deixou Corisco enciumado. Corisco ainda propôs ao rei do cangaço matar Antônio das Mortes, o que foi recusado por Lampião dizendo que não, pois ele era um cabra macho. No desenredo da narrativa, Antônio das Mortes conta que acabou perseguindo aos cangaceiros e eliminando o suposto rival. Agora, ele volta ao sertão com sua capa, chapéu e rifle papo amarelo  para enfrentar os novos cangaceiros em Piranhas.  Nos preparativos para o confronto final, que no filme é comparado com a chegada de Lampião nos infernos, um clássico cordel de José Pacheco,  tendo como metáfora ao próprio o calor do sertão (inferno),  um velho coronel - o diabo - que questiona aos jagunços, a quem considera como mercenários os quais trazem mais problemas, se contrapondo ideologicamente ao delegado Mattos, seu aliado, que defende o combate à violência instaurada pelo cangaço e um modelo econômico agroindustrial. O delegado sonha se projetar na seara da política, com um discurso populista. Na sua estratégia de pacificação do sertão, o delegado apresenta  ideias reformistas. Ele pretende substituir os latifúndios improdutivos por fábricas visando gerar mais emprego e renda para a população. A sua visão se contrapõe com a do velho coronel que teme  perder suas terras, seus rebanhos e o poder que detém na comunidade. Mattos e Laura, que têm um caso amoroso, participam de uma sequência antológica no filme com uma canja de Carinhoso, de Pixinguinha. A música do filme tem a assinatura de Marlos Nobre e Walter Queiróz, que resgatam músicas do folclore e  de matriz africana, além de Sérgio Ricardo, que contribuiu na trilha sonora de Deus e o Diaboi na Terra do Sol e desta vez, com Antônio das Mortes, exaltando o matador de cangaceiros.  Em outra sequência, Coirana, diz para a Santa Bárbara (Rosa Maria Penna) que é hora de queimar os vivos e destruir as cidades. Nesse ínterim, beatos, jagunços  e cangaceiros voltam à pequena vila onde haverá o confronto de Coirana e seu grupo com Antônio das Mortes, que tem a ajuda do professor.  O cangaceiro anuncia “que homem vai virar mulher, mulher vai pedir perdão. Prisioneiro vai ficar livre, carcereiro vai para a cadeia ". Antônio das Mortes tem dúvida  se Coirana é  um cangaceiro de verdade ou uma visagem. Na disputa, Coirana cai, é ferido e Santa Bárbara interfere impedindo que seja morto, o que conta com a condescendência do matador de cangaceiros. Ferido, Coirana é levado ferido para vila, onde o coronel temeroso argumenta que é um homem bom que se preocupa com a comunidade, iniciando a distribuição de farinha e carne seca para a população. Ele também critica o   governo que arrecada impostos e não manda dinheiro para nada. Gravemente ferido e deitado num balcão de bar, Coirana delira, nos estertores da morte, sendo levado para fora, colocado aos pés da Santa Bárbara.  Antônio das Mortes indaga à  Santa sobre de onde veio Coirana, pois acreditava ter sido Corisco o último cangaceiro. Ele diz que está cansado de lutar e não quer matar mais ninguém. A Santa orienta:"Vá embora e cruze os caminhos do fogo do mundo pedindo perdão pelos crimes que cometeu". Coirana diz que Antônio das Mortes seria Dragão da Maldade, e  acredita que ele é protegido por colete de ouro que o protege de balas. Em Piranhas, o matador de cangaceiros sugere a Mattos, que peça ao Coronel  abrir o armazém e dê comida ao bando de Coirana, que poderia deixar o cangaço e se estabelecer como agricultor. O Coronel recusa abrir o armazém, e quer liquidar  Antônio das Mortes que vê como um antagonista convocando para isso Mata-Vaca(Vinicius Salvatori) e seus jagunços. Mattos, que pretendia ser prefeito de Piranhas, quer que o matador de cangaceiros deixe a vila e se chegar ao poder através das eleições, pretende resolver o problema de todo mundo. Neste ínterim, o coronel descobre que Mattos é amante de Laura, sua mulher, a quem obriga beijá-lo diante da população. Como numa tragédia grega, Laura pega o punhal de Mata-Vaca e crava no peito do amante.   Com a morte de Coirana é confirmada, Antônio das Mortes quer enterrá-lo na caatinga. Na vila, o Professor arrasta o corpo de Mattos, e é seguido por Laura num vestido roxo, insinuação de luto e tristeza. O padre da vila avisa o Professor que Mata-Vaca vai matar os beatos, e quer que procurem Antônio, mas este, com o corpo de Coirana às costas, atravessa o sertão para sepultamento. Tudo termina com Coronel e Laura, sentados numa marquesa, enquanto o Professor anuncia que sua hora vai chegar. Já Antônio e Mata-Vaca se enfrentam numa luta facões. Depois, há um tiroteio e Laura é mortalmente ferida. Aí, aparece o cego Antão - que não tem nenhuma fala no filme - vestido com as roupas de Oxóssi e enfia a lança no coração do Coronel expondo as metáforas da luta de São Jorge, o Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade. O Professor, anda com o corpo de Laura entre os braços e  beija sua boca. Antônio das Mortes deixa o povoado e caminha lentamente  pela rodovia asfaltada, onde os caminhões passam junto a um posto da Esso, e na tela são projetadas imagens de São Jorge matando o dragão, uma lenda que ganhou corpo na ficção e se projetou nas telas para o mundo conqusitando prêmios e gerando polêmicas sobre os caminhos do cinema novo, que é muito mais e transcende os limites de uma ideia na cabeça e uma câmera nas mãos.(Kleber Torres) Ficha técnica Título : O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro Direção e Roteiro : Glauber Rocha Elenco :Maurício do Vale, Odete Lara, Othon Bastos, Hugo Carvana, Jofre Soares, Lorival Paris, Mário Gusmão, Vinicius Salvatori e Santi Scaldaferri Música : Marlos Nobre, Walter Queiróz e Sérgio Ricardo Cinematografia : Afonso  Beato Montagem : Eduardo Escorel Brasil 1969 95 minutos

domingo, 1 de outubro de 2023

Bad ass ou as aventuras de um super herói cucaracho que virou série cinematográfica

Como obra de questionamento e contestação do tradicional estilo americano de vida, o  filme Bad Ass - Acima da Lei  (2012) acabou se transformando numa trilogia complementada por Bad Asses (2014)   e Bad asses on the bayou (2015) mostrando a ação de anti herói hispano-americano Frank Vega (Danny Trejo), um personagem idoso, machão, totalmente fora dos padrões tradicionais do wasp, ou seja, do branco, anglo-saxão protestante que formou ao longo do tempo as bases da sociedade estadunidense.    Ele é interpretado na fase da juventude dos 17 aos 25 anos pelo ator  Shalim Ortiz, que acaba perdendo a namorada em função da guerra e não se ajustou ao mercado formal de trabalho. O fato é que ao retornar à sua terra, Las Vegas, ele foi simplesmente considerado um cidadão invisível na sociedade americana,   marginalizado, sem acesso às redes sociais, vivendo sozinho, desempregado, dependendo da ajuda mãe, de quem acaba herdando a casa onde passou a residir. Sem acesso ao mercado formal de trabalho porque não tinha experiência ou qualquer formação profissional e sem acesso ao sistema educacional americano, ele passou a viver marginalmente, recebendo uma  ajuda média mensal  de 500 dólares como compensação a um veterano cansado de guerra.  Sua situação muda radicalmente quando ele  se envolve num incidente racial, nocauteando um grupo de skinheads que atacaram um idoso negro num ônibus urbano. A filmagem da cena viraliza e vira meme repercutindo nas redes sociais, assim,  ele se torna instantaneamente um herói local, passando a ser conhecido pelas pessoa como durão (bad ass). O filme que também envolve o politicamente incorreto, tem diálogos como o de um personagem que o mandou à m* e Vega simplesmente responde: “tudo bem”, o que seria normal para talvez um dos únicos  personagens da terra possivelmente sem acesso a uma rede social. Ao ter seu nome inserido na internet,  ele ganhou 50 solicitações de amizade em um minuto ao ser reconhecido como bad ass.  O personagem também se vestia, segundo o filho da sua namorada de origem mexicana e que foi casada no um um negro,  com as roupas de quem voltou da guerra de secessão na segunda metade do século XIX.  Vega acaba se envolvendo em incidentes com ladrões e foras lei, o que o aproximou dos policiais locais e contribuiu na  difusão de sua fama de justiceiro. A coisa se complica quando o seu melhor amigo é assassinado, e a polícia não parece disposta a ajudar, um caso de corrupção envolvendo Williams (Ron Perlman)  o prefeito da cidade e seu comparsa, o líder de uma gang urbana o Pantera (Charles S. Dutrton), envolvidos no desvio de US$ 7 milhões de um programa de habitação popular. O fato é que Vega decide fazer com as próprias mãos, enfrentando gangsters, policiais venais e um prefeito corrupto fazendo prevalecer a justiça depois de detonar dois ônibus numa perseguição insana e ainda conquistando de quebra  uma mulher muito mais jovem (Joyful Drake), isso no final do primeiro round e que ganhou desdobramentos em 2014 e 2014 desfilando entre o humor, a  violência e a contestação do próprio sistema político, econômico e social. (Kleber Torres) Ficha técnica Título : Bad  ass - acima da lei Diretor :  Craig Moss Roteiro : Craig Moss e Elliot Tishman  Elenco : Danny Trejo, Charles S. Dutton, Ron Perlman, Joyful Drake, Patrick Fabian,  John Duffy, Shalim Ortiz, e Winter Avezoll Cinematografia : John Barr EUA  2012 90 minutos

domingo, 24 de setembro de 2023

Uma incursão antológica de Frank Zappa e do Ensamble Modern na música concreta

Reverenciado como um dos maiores músicos e compositores do século XX, Frank Zappa, que morreu aos 53 anos, foi um artista multimídia, que se celebrizou como compositor, cantor, guitarrista, produtor e multi-instrumentista premiado. Ele nos legou 60 álbuns que transitam no universo do rock (progressivo, tradicional, pauleira e cômico), jazz, música eletrônica, com incursões na música concreta e na música clássica, que culminaram em 1992, com o Frank Zappa & Ensemble Modern apresentando o antológico O Tubarão Amarelo (The Yellow Shark), que atraiu um grande público no Alte Open, em Frankfurt, Viena e Berlim, resultando num documentário dirigido por Egbert Van Hees e num állbum. Como um artista criativo e de viés experimentalista, Zappa liderou Mothers of Invention uma banda que o acompanhou em grande parte da sua trajetória bem sucedida e irreverente, com quem participou de concertos e gravações antológicas. O grupo tinha sua própria dinâmica e uma estrutura variável, que mudava com frequência a sua composição básica, um fato natural para um artista contestador, que questionava a sociedade de consumo e a própria indústria musical. Já a experiência para a produção e gravação do Tubarão Amarelo teve a participação do Ensemble Modern, uma orquestra formada por estudantes, os quais se definiam como "Ensemble modern der jungen Deutschen Philharmonie" e que se uniram com o objetivo de promover a execução e difusão da música contemporânea. A orquestra tem sua base em Frankfurt, na Alemanha, mas o grupo reúne 20 músicos de diversos países e que ainda hoje fazem turnês pelo mundo. Seus contatos com Zappa começaram em 1991, quando eles pensaram em executar uma obra orquestral do artista americano para o Festival de Frankfurt. Inicialmente, Zappa mostrou pouco entusiasmo por essa ideia, mas aceitou o desafio abrindo as portas para colaboração em novos trabalhos na área experimental. O CD "Yellow shark" com 19 músicas, reúne a maior parte do material dos três concertos realizados pelo grupo nas apresentações em Frankfurt, Viena e Berlim, com tudo gravado ao vivo e a participação do regente Peter Rundel. Os eventos resultaram num documentário antológico dirigido por Egbert Van Hees, com duração de 90 minutos. A obra reuniu composições experimentais que marcaram toda a carreira de Zappa, um artista iconoclasta e que transitava com facilidade no universo da música experimental e clássica. Os trabalhos mais antigos da obra datam do final dos anos cinquenta e sessenta, que apareceram inicialmente em "Uncle meat" (1969) em versões de Mothers of Invention. Já o "Tango B-bop" aparece em “Roxy and elsewhere”, de 1974, emergindo em uma versão para orquestra de câmara. Mas a maior parte das composições apresentadas foram dos anos oitenta, como música de câmara composta para execução por um pequeno grupo de instrumentos ou vozes. Neste conjunto se inclui a introdução um dificil trabalho atonal que assinalou abertura concerto Cale lembrar ainda que outras três composições foram feitas especificamente para o concerto que foi estruturado em uma introdução, seguida de variações sobre a respiração do cachorro, de arne de cão, além da indignação com Valdez, de tempo de praia II, de III (revisado em 1992). Outro destaque ficou para o surrealista A menina no vestido de magnésio complementado pelo Tango Be-bop com nova roupagem. O Yellow Shark inclui também o contestador Coleta de alimentos na América pós-industrial, que o próprio Zappa definiu no show como uma obra de m* sobre a alimentação numa sociedade de consumo, seguido de Rute está dormindo e mesmo de nenhuma das opções acima (1992). O concerto é complementado por Amnerika, além de Tarde do Pentágono, de Questi cazzi di piccione, do tempo na praia III e do anárquico Bem-vindo aos Estados Unidos, sobre o tratamento dispensado aos imigrantes que desejam ingressar no sonho americano. A relação inclui Libra para um marron, Exercício , Fique branquinho (Get Whitey) e Spot Tornedo sobre o ponto ideal do tornedor, que fecha o ciclo de uma obra icônica e que marcou marcou a trajetória de um artista multimidiático que foi o único a ser incluído no Hall da Fama do Jazz e do Rock and Roll e deixou seu nome gravado nos anais da música. (Kleber Torres)

domingo, 16 de abril de 2023

A rota da seda ou uma senda entre a liberdade e o crime ?

Apresentado como produto de pesquisas jornalísticas e de loucos devaneios da ficção, o filme Silk Road: Mercado Clandestino, dirigido e roteirizado por Titler Russell, de Night Stalker, tenta reconstituir a trajetória Ross Ulbricht (Nick Robinson), um filósofo na casa dos vinte e poucos anos, que constrói o site Silk Road (Rota da Seda), com o objetivo inicial de contestar os poderosos que representavam o sistema (establishment) e recuperar a liberdade perdida pelos cidadãos. No site que operava na dark web no período de 2011 a 2013, ele abre perspectivas para intermediação do comércio de drogas as mais diversas, impondo apenas restrições ética para a atuação de pedófilos e assassinos de aluguel. Para Ulbricht, o estado não pode legislar sobre o que as pessoas podem ou não fazer, seria uma espécie de garantia para os direitos fundamentais propostos na primeira emenda da Carta Magna dos Estados Unidos, que pressupõe a liberdade de culto, de expressão e livre associação pacíficas. Estes direitos básicos são uma cláusula pétrea e não podem ser alterados nem mesmo pelo Congresso Americano. Enquanto amealha uma verdadeira fortuna de milhões de dólares e conquista parcelas do mercado intermediando inclusive o comércio de drogas, Ulbricht acaba se deparando com Rick Bowden (Jadson Clarke), um policial veterano, transferindo para a geladeira da Divisão de Crimes Cibernétcos de Los Angeles, o qual sem muita relação com a tecnologia digital, vai as ruas em busca de informações através de seus informantes e acaba descobrindo sobre uma espécie de Amazon – a maior rede de varejo comercial da Internet e que opera em escala global - para as drogas. Silk Road opera com um sistema de transações criptografadas, que funciona como uma espécie de capa de invisibilidade digital das suas operações e usando como moeda bitcoins. Desinformado sobre como funciona a internet, Bowden pede a um informante que lhe ensine a comprar drogas através do Youtube, Este lhe aponta o Silk Road, que funciona na web profunda, abrindo uma rota para a sua investigação particular. O filme mistura a vida do policial e sua família e também do hacker lançador do empreendimento digital/criminal. Ross Ulbricht é filho de uma família de classe média alta. Ele negocia drogas pela rede mundial de computadores e diz que usa a internet como instrumento político e de libertação. Como empreendedor, a sua preocupação maior era com a satisfação do cliente. O empresário/traficante avalia e atualiza permanente o sistema operacional do site e o divulga através de fóruns de bate papo (chats). Em função da popularização do Silk Road, ele acaba concedendo uma entrevista a um jornalista – o que na vida real abriu as investigações pelo FBI em parceria com policiais de diversos estados americanos –, onde diz que apesar de comercializar drogas, o site não tem espaço para pedófilos e assassinos, além de fazer apologia do crescimento dos negócios, da qualidade dos produtos e garantia de entrega para os usuários. Já o detetive acaba convocado para ajudar a força tarefa do FBI que investiga a Silk Road. Como ele não tem noções sobre tecnologia da informação e acredita nos métodos tradicionais de investigação analógica, o chefe da operação lhe recomenda que “quando a gente pegar ele, me mande um fax”. Ao se infiltrar na deep web, Bowlder faz contato com o jovem empresário dizendo que quando ele viesse a Los Angeles o avisasse, pois, lhe apresentaria ao tráfico de verdade e ao movimento das ruas. O empresário e distribuidor de drogas que comercializa crack, maconha, anfetamina, anabolizantes, opiáceos e outros produtos justifica para o policial que a compra de drogas no seu site é melhor e mais seguro do que o comércio das ruas, “esta é a minha comunidade e eu me preocupo com ela”, argumenta, Usando seus métodos poucos convencionais como um policial experimentado no combate ao trafico de drogas, o detetive chega a Curtis (Paul Walter Houser), um nerd, que opera os controles da Silk Road. Ao ser interrogado, ele admite que o site funciona como uma empresa global, que cresce de hora a hora e diz : “eu sou o cara que tem acesso à conta de garantia”. Curtis também faz saques de bitcoins na conta da empresa e transferiu os recursos para o policial, que os utiliza para pagar contas da própria família e educação da filha. Se apresentando na rede como Nob, o detetive também entra em contato com Ulbricht preocupado com o desaparecimento de Curtis, a quem manda interrogar e espancar pensando estar tratando com um traficante da pesada. Em seguida, ele determina a Nob que liquide o ex-empregado, que é fotografado com a boca cheia de macarrão e com os olhos fechados como se estivesse morto. As provas da encomenda do crime foram usadas no processo que resultou na condenação do empresário/traficante a duas prisões perpetuas no final do julgamento do processo. Como o cerco do FBI aperta com a identificação do IP do computador de Ulbricht, Bowden lhe ordena para que apague as conversas que tiveram na rede de computadores. Preso, o empresário/traficante lembra que construiu um site onde as pessoas podiam comprar e vender qualquer coisa que quisessem, “fiz isso por considerar a busca pela liberdade o empreendimento mais nobre, mas sabia que estado tentaria impedir”. O detetive também é preso e condenado a seis anos e meio de prisão pelo desvio de recursos do empreendimento criminoso para sua conta pessoal e admite no final, que a vida nem sempre é em preto e branco, até porque as coisas são sempre complicadas, afinal há sempre o bem e o mal e cada um tem de fazer uma escolha. Já Ross Ulbricht descobre, no final das contas, o peso e os rigores da lei, e, alegando que quando você dá liberdade para s pessoas, elas não sabem o que fazer com ela, pediu ao juiz um pouco de clemência para a sua velhice tentando vislumbrar uma chance futura de liberdade. Ele foi condenado a prisão perpétua em 2015, sem chances de condicional(KLEBER TORRES) Ficha técnica: Título : Silk Road / Silk Road : mercado clandestino Direção e Roteiro : Titler Russel Elenco : Jadson Clarke, Nick Robinson, Katie Aselton. Jimi Simpson, Daniel davdison Stewart, Darrel Britt-Gibson, Lexie Rabe, Will Ropp, Paul Walter Hauser, Alexandra Ship e Jennifer Yun Direção fotografia : Peter Flinckenberg Edição : Greg O’Bryant Música : Mondo Boys Gênero : Drama, Suspense, Policial 116 minutos 2021

Cry Macho não tem choro, mas uma reflexão sobre a vida, a velhice e o mundo dos cowboys

Decididamente Cry Macho: o caminho da redenção (2021) não é o melhor filme de Clint Eastwood – ganhador de quatro Oscars e autor de filmes antológicos como Imperdoáveis, Menina de Ouro, Sobre Meninos e Lobos, Cartas de Iwo Jima e J.Edgard (Hoover), mas é sem duvida o mais humano, dirigido com competência por um homem aos 91 anos e que também é o personagem central da trama, o cowboy Mike Millo (Clint Eastwood). Certa vez, dialogando com um amigo, ele confessou que o segredo da sua vitalidade era não deixar o velho entrar no seu dia a dia, o que é um exemplo para todos nós. O filme revela a história de um cowboy decadente, ganhador de cinco prêmios nacionais em rodeios, que é envelhece e é também vítima de circunstâncias adversas da própria via como um acidente que matou a mulher e o filho, acelerando a própria decadência agravada pela bebida e até mesmo pelo vício em drogas. Em Cry Macho, o cowboy que tem como missão resgatar um adolescente rebelde Rafo (Eduardo Mineti), que vive em companhia de uma mãe alcoólatra no México a pedido do seu pai Howard Polk(Dwigth Yoakam), um rancheiro texano, que vive nos Estados Unidos, iniciando uma série de incidentes e perseguições. Tudo começa quando Howard Polk demite o cowboy campeão e que cuidava dos seus cavalos, dizendo que ele estava velho e atrasado para esvaziar a sua sala. Como resposta, Mike Milo responde: “eu sempre achei você um homem fraco, pequeno e covarde, mas sabe não vou não vou querer ser grosseiro você”. Um ano depois, esse mesmo patrão o procura em sua casa e pede para que ele resgate seus filho que está com a mãe no México. Mas não revela que por trás da disputa, também estão os bens do casal, que ficaram em parte em poder da ex-mulher. O cowboy vai até a casa de Leta (Fernanda Urrejola) e ela lhe conta que a sua missão é quase impossível. O primeiro enviado está mofando na cadeia e o segundo, simplesmente foi embora e desistiu da missão. A mulher recomenda a Mike que o melhor a fazer seria partir e esquecer, até porque o filho de uma família disfuncional como o seu “é um animal que vive na sarjeta, participando de brigas de galo.” Com esta informação o cowboy procura e acaba encontrando o adolescente numa rinha esvaziada depois de uma blitz da polícia no local. Mike explica a Rafo que foi mandado pelo pai para levá-lo para os Estados Unidos, onde o mesmo tem um rancho no Texas. O menino tem um galo, o Cry Macho, que dá nome ao filme sem nenhuma metáfora e o acompanha por todos os lugares, sendo em paralelo um personagem não humano importante na história, atacando pessoas que tentam qualquer coisa contra o jovem e participando das sequências de tensão e violência. Já a mãe, ao ser informada por Mike de que havia encontrado o adolescente para levá-lo aos Estados Unidos, ameaça chamar os federais denunciando que o filho foi sequestrado e lhe deu um prazo de cinco minutos para que o cowboy deixasse o filho e país, o que deflagraria uma série de perseguições e fugas da dupla, que acaba se escondendo por um período no interior do México até chegar à fronteira americana. O filme faz referências ao mito do cowboy, conhecido pela coragem, lealdade, companheirismo, capacidade de luta, autossuficiência, resiliência, gentileza com as mulheres e até mesmo no trato humanizado para com os animais. Há também embutida na história uma crítica explicita ao machismo e à misoginia. Outra referência é quando o adolescente pede para usar o chapéu do vaqueiro e ele não o oferece alegando que ele ainda não era um cowboy. Numa discussão banal entre os dois, Rafo alerta que “você fica muito irado e isso não é bom para uma pessoa de sua idade”. Num bar, o menino pede uma tequila e é impedido de beber pelo cowboy, mas quando os dois saem um homem tenta sequestrar o garoto no estacionamento, mas é impedido por uma intervenção do cowboy e do galo, mas quando um grupo de mexicanos vem em socorro do agressor, o menino revela ao grupo que ele é que estava sendo sequestrado. Os dois fogem e novamente são perseguidos por federais e depois têm até a pick-up roubada por ladrões, acabando numa pequena cidade mexicana onde conseguem um outro veículo e daí chegando no restaurante de Marta numa vila distante, que os atendeu e fechou o estabelecimento ao estranhar a presença dos federais na localidade e que estavam na captura dos dois fugitivos. Ele não só remunera Marta pelas refeições, como faz comida em sua casa, lembrando que “eu vim aqui para trazer coisas e não tirar a comida de ninguém”. Enquanto está na pequena cidade, ele ensina a Rafo a ser cowboy, a domar e montar cavalos selvagens. Também é procurado pelos moradores da comunidade para tratar de porcos, patos, gatos e cachorros. No caso do animal da mulher do subdelegado que o procurou, ele contou: ”trato dos animais, mas não sei como curar a velhice, mas o que seu animal precisa é repouso e ele pode dormir no pé da cama de vocês”. Mike conta para Rafo que a sua mulher morreu em um acidente e que daí, ele surtou, bebeu demais, ficou sem rumo na vida e o seu pai o salvou lhe dando um trabalho e devolvendo a sua vida e “você é minha retribuição”. Como num filme de ação, os dois são perseguidos também por policiais corruptos, em busca de drogas no carro em que viajavam e há um relacionamento afetiva entre Mike e Marta. Para Rafo, que critica Mike Milo pela idade em diversas partes do filme, ele já foi bom, diz referindo-se à velhice do personagem, mas “agora é fraco, não é nada”, ao que o cowboy responde: “eu costumava ser muita coisa, e agora, não sou. Esta coisa de macho é relativa.“ Cry Macho é uma reflexão profunda de um cineasta experiente a partir de um romance de N.Richard Nash. Também nos deixa um ensinamento afinal, todos têm de fazer uma escolha na vida e isso implica até a opção de redescobrir o amor na velhice que parece precedente à morte. (Kleber Torres) Ficha técnica : Título : Cry Macho / Cry Macho: o caminho da redenção Direção: Clint Eastwood Roteiro: Nick Schenk e N. Richard Nash Elenco: Clint Eastwood, Eduardo Minett, Dwight Yoakam, Fernanda Urrejola e Natália Traven Fotografia: Don Davis Editor : Joel e David Cox Gênero : Drama Estados Unidos 104 minutos 2021

domingo, 9 de abril de 2023

A ascensão e queda de um 'tycoon' do automobilismo

O documentário John DeLorean: Visionário ou Vigarista? (2019), de Don Argott e Sheena M. Joyce, conta a história do executivo, empresário, inventor e engenheiro automobilístico, o tycoon John Zachary DeLorean (Alec Baldwin), fundador da DeLorean Motor Company (DMC), com passagens na Chrysler, Packard e General Motor, onde desenvolveu o projeto do Pontiac GTO e que teve uma carreira meteórica, mas, se tivesse feito tudo certo e não comprasse brigas com outros dirigentes teria chegado à presidência da empresa. O documentário revela as múltiplas facetas do homem considerado por muitos um visionário que revolucionou a indústria automobilística e, por outros, um grande vigarista que desviou US$ 17 milhões de investidores da sua empresa a DMC e chegou a ser preso o processado pelo envolvimento na compra de 90 quilos de cocaína, numa trama que envolveu um traficante, um falso banqueiro, informantes e agentes do FBI. O filme revela sua ascensão e queda de um executivo de sucesso em meio ao envolvimento em escândalos, drogas, dinheiro, sexo e jogos de poder. A obra reúne imagens de filmes, reportagens, projetos, além de depoimentos de amigos, técnicos do setor automotivo, advogados, policiais, amigos e filhos de DeLorean, que morreu aos 80 anos, em 19 de março de 2005, casado com Sally Baldwin. Aos 40 anos, como uma estrela em ascensão no jet set do automobilismo mundial, ele emergia como um executivo criativo e empenhado em resultados. O executivo também era vaidoso, fez cirurgias plásticas, praticava musculação e levantamento de peso, andava de colarinho aberto e sem gravata. Em paralelo, separa-se da sua primeira mulher, Elizabt Higgins, para casar-se com uma modelo de apenas 19 anos Cristina Ferrari (Morena Baccarin). Como executivo, ele também percebeu tendências no mercado com os concorrentes importando carros menores e com maior eficiência energética, ou seja, menor consumo de combustível. Mas na GM ele criou uma série de arestas, tendo um discurso vazado para a imprensa de forma proposital com critica a outros executivos e à qualidade dos produtos da empresa, o que desagradou aos superiores hierárquicos. A demissão inevitável ocorreu em 1975 e ele fundou a DMC, com uma ideia na cabeça: fabricar um veículo esportivo contemporâneo, exótico, de aço inoxidável e vendido em massa numa escala global, uma espécie de carro dos sonhos, com design avançado inclusive na abertura de portas e um alto padrão de qualidade. Para a construção do DMC 12, ele contratou Bill Collins (Josh Charles), a quem considerava o melhor engenheiro automotivo e decidiu implantar a fábrica em Belfast, na Irlanda, que enfrentava conflitos constantes entre católicos e protestantes, com uma taxa de desemprego de mais de 40%. O projeto levava em conta incentivos fiscais oferecidos pelo governo inglês, além de recursos captados dos acionistas. Em dois anos, além da implantação da unidade industrial, a empresa começou a produzir chegando a fabricar mais de 35 mil carros. As dificuldades começaram a se acumular nos início dos anos 80, quando os carros apresentavam problemas técnicos que provocaram seu encalhe nas distribuidoras e nos estacionamentos dos portos, porque as portas não fechavam direito, além de problemas na lataria e mesmo em termos de desempenho. Os problemas da economia mundial também se refletiam no desempenho da empresa, que também foi afetada com a posse de Margareth Thatcher, que ao contrario dos seus antecessores trabalhistas era mais rígida na concessão de subsídios e cortou US$ 75 milhões de incentivos fiscais pleiteados pela DMC. Em seu depoimento o filho do empresário, Zachary DeLorean, que hoje vive num apartamento pequeno e modesto, fala sobre a sua relação de amor e de ódio em relação com o carro que foi a causa dos problemas econômicos e desestruturação da família. Já a ex-mulher, Cristina Ferrari, que se separou dele após o processo por tráfico de drogas e que revelou ter visto o empresário falsificar documentos para o desvio dos recursos da empresa e que poderia assegurar o seu capital de giro no momento de crise, considerava no tempo das vagas gordas, que havia se casado com um príncipe encantado como declarou numa entrevista a uma emissora de televisão. A filha Kathryn também falou das lembranças da infância e da relação do carro com a história da família. Ela chegou a montar um painel cronológico com fotos e manchetes da ascensão e da queda do pai com a DMC. A vida da família mudou de ponta a cabeça em 19 de outubro de 1982, quando um telefonema recebido pelo Cristina Ferrari dava conta da prisão de John De Lorean, num hotel em Los Angeles, através de um flagrante armado pelo informante do FBI James Hoffman (Michael Ripoli), que o acusava de envolvimento com o traficante William Hetrick, num negócio envolvendo 90 quilos de cocaína. A trama teve ainda a participação do Banco Eureka e DeLorean passou dez dias preso, mas acabou sendo julgado como inocente em 1984. A sua imagem ficou arranhada em função do incidente com o tráfico de drogas e pela falência da empresa DMC. Da prisão também reverberou na mídia o comentário gravado pelos agentes do FBI no momento da comemoração da transação de venda da cocaína para o empresário, quando DeLorean comentou: “é melhor do que ouro, e pesa mais que isso.” No dia do julgamento, quatro anos depois, ele se mostrou preocupado com a cor da gravata para aparecer nas revistas que o fotografassem e declarou a um jornalista que o questionou sobre a expectativa do julgamento: “Está tudo nas mãos de deus!” Mas o inferno astral não acabou aí. Antes de deixar a empresa DMC, o projetista Bill Collins já havia alertado John DeLorean sobre despesas em duplicidade com o projeto do veículo ainda na pracheta, assunto que ele desconversou. Em 1982, o DMC saiu de linha, mas entrou para a história do automobilismo através da triologia De Volta para o Futuro (Back to the Future) e DeLorean enviou uma carta ao produtor Bob Gale agradecendo o uso do seu carro no filme. Ele também foi acusado pelo desvio de recursos da ordem de US$ 17 milhões para uma empresa fantasma criada por ele e um sócio ligado à Formula I. No julgamento do caso das drogas, DeLorean se disse vitima do sistema e de uma drama desmascarada pelos seus advogados. Já no caso do desvio do dinheiro dos acionistas da DMC, ele juntou uma série da provas sobre empréstimos irregulares e que esmagou os sonhos de investidores que aplicaram de boa fé seus recursos no empreendimento. Em sínteses, o documentário revela as múltiplas facetas de um a executivo polêmico, que foi bom pai, durante a infância e adolescência dos filhos, mas que acima do bem e do mal machucou pessoas, roubou e legou uma história de vida, bem como o projeto de um carro avançado para o seu tempo, que era único e com um design futurista. Ele viveu modestamente os seus últimos anos de vida morando num apartamento de um quarto e com sonhos de fazer uma DMC 2, mas os planos do novo carro e nem da recuperação da indústria não se concretizaram. (Kleber Torres) Ficha técnica Título : Framing John DeLorean / John DeLorean : visionário ou vigarista Diretor : Don Argott / Sheena M. Joyce Roteiro : Dan Greeney / Alexandra Orlon Elenco : Alec Balwin, Morena Baccarin, Josh Charles, Dean Winters, Michael Ripoli, Jason Jones, Dana Ashbrook e Joe Cooke Fotografia : Don Argott e Matthew Santo Montagem : Demian Fenton Música : Brooke e William Blair Gênero : documentário Colorido 2019 109 minutos Estados Unidos

domingo, 2 de abril de 2023

Matrix e as opções no inevitável confronto real ou virtual entre homens e máquinas

Enquanto as máquinas derrotadas após o combate inicial de Matrix estão preparando uma grande ofensiva mobilizando um exército de 250 mil robôs contra Zion (uma referência metafórica ao Sião, uma fortaleza próxima de Jerusalém conquistada por Davi, que havia derrotado ao gigante Golias) e podem alcançá-la em alguns dias, Neo/Thomas A. Anderson (Keanu Reeves) continua vivendo na nau espacial Nabucodonosor (que tem o nome do rei da Babilônia, o qual libertou a Assiria e foi o construtor dos lendários Jardins Suspensos da Babilônia), que opera como um dos centros de resistência a um governo opressor num mundo distópico. Na nave, Neo convive no mundo real lado de Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Link (Harold Parrineau), um novo e misterioso tripulante incorporado ao grupo da resistência. Esta é em síntese a sinopse de Matrix Reload(2003), segundo filme da exitosa série Matrix, com direção e roteiro das irmãs Lili e Lana Wachowski e que resultou em filmes, livros, gibis e jogos de ação ambientados na ficção científica ampliado pelas fronteiras fluídas da invenção e da cultura pop. Em função da ameaça de uma invasão Iminente de Zion, a Nabucodonosor é ordenada pelo Oráculo a voltar para proteger a cidade, onde, além de integrar o sistema de defesa, sua tripulação participará de uma reunião que definirá as estratégias de luta para salvar a humanidade de uma possível extinção. No retorno, Neo, que considera que há tanta coisa no que não compreende, entra em contato com o Conselheiro Humano (Anthony Zerbe) depois de recebido como herói pela população de Zion. Os dois discutem sobre como seria o controle do sistema cujo acesso só era possível através de entradas indiretas aos programadores e hackers. Também ficou evidenciado no diálogo, que a função do conselheiro seria, teoricamente, a de proteger aquilo que é mais importante para a segurança do próprio sistema. Neo acredita, na sua concepção, que o próprio Oráculo a quem também consultava seria um programa oriundo do mundo das máquinas e que, mesmo assim, ainda seria confiável para ele. O Oráculo deixa a opção para escolha do próprio Neo, fazendo prevalecer o livre arbítrio, mas, lembrando que ele está ali para fazer o que tem de ser feito, com olhos voltados para o futuro, uma vez que existem programas funcionando por toda a parte, às vezes invisíveis, mas fazendo sempre aquilo para o qual foram criados e até hackeando outros programas num grande rede de proporções infinitas. Assim, o Oráculo recomenda a Neo que vá ao coração da máquina central – mainframe e influa na sua operação: “até porque você está olhando para um mundo atemporal. Você terá de fazer a escolha, até porque você é o escolhido e vai evitar que Zion sucumba”. Ele orienta que Neo precisa encontrar o Chaveiro, o homem que poderá abrir todos os caminhos para acesso ao coração do sistema e que é mantido prisioneiro pelo Merovingio(Lambert Wilson), cujo nome se associa historicamente no mundo real a uma dinastia franca que governou a Gália, onde hoje estão localizadas a Bélgica e a Franca e sua mulher, a bela Persephone (Mônica Bellucci). O vate também revela que em essência os homens querem o poder e buscam sempre cada vez mais poder, numa espécie de escalada crescente. Após a consulta com o Oráculo, ele é abordado pelo Agente Smith (Hugo Weaving), perguntando se senhor Anderson/Neo havia recebido a encomenda e complementa: “o que aconteceu, aconteceu por uma razão. Eu o matei, senhor Anderson e o senhor me destruiu”. Os dois também discutem sobre a questão da liberdade e da sua essência, uma questão humana, bem como a finalidade para o qual foram criados. O próprio Neo acaba enfrentando numa sequência de luta com técnicas aperfeiçoadas de kung fu e recheada de efeitos especiais, uma multiplicidade de agentes Smiths, que se sucedem infinitamente e se definem simplesmente como: “eu,..eu,....eu,...e eu também”. O que leva a Trinity a recomendar a Neo que saia dali da Matrix para não morrer novamente e retornar à segurança real na .Nabucodonosor. Em seguida, liderados por Morpheus, Neo e Trinity vão até os domínios do Merovíngio, que mantem cativo o Chaveiro (Randal Duk kim), num encontro virtual. O interlocutor fala francês, que considera o idioma ideal para xingar e se define um traficante de informações. Para ele, existe uma única verdade, que provoca a reação e o efeito, o que se relaciona com os próprios algoritmos de um computador onde cada linha do programa tem um novo efeito inclusive através de loops. Para o Merovingio, a verdade é que estamos fora do controle, mas, de alguma forma, somos todos vítimas da casualidade num mundo de acasos: “Tomei vinho demais, causa; tenho de urinar, efeito. Há sempre uma causa e um efeito,” concluiu, Para libertar o Chaveiro. Persefone trai o marido que lhe é infiel com outras mulheres, mas cobra um beijo de Neo e diz referindo-se a Trinity que a inveja pelo seu amor, “mas uma coisa assim não é para durar”, diz referindo-se à temporalidade da vida humana. Após a libertação do Chaveiro há uma reação violenta do sistema em Matrix e Neo acaba atacado e metralhado, mas apara as balas como se tivesse um escudo protetor invisível, o que repete uma sequencia do filme anterior Matrix (1999). Ele também luta contra os prepostos do sistema que tentam evitar e impedir a fuga. O Merovíngio conta que sobreviveu aos seus antecessores e vai sobrevier ainda mais, enquanto Morpheus, Trinity e o Chaveiro escapam de um atentado e são perseguidos pela polícia e pelo sistema de segurança de Matrix. Na fuga, o Chaveiro é o alvo principal da perseguição que envolve policiais, agentes do governo e dois homens de capas claras, os gêmeos virtuais, que acrescentam mais um ingrediente de violência em dobro ao roteiro. Bandidos e mocinhos usam diversos carros, caminhões e motos Ducati de alta potencia, mas mesmo assim, o Chaveiro consegue levar Neo a um prédio que tem um andar especial, o 65º, sem acesso de elevadores ou escadas, o qual funciona como centro do sistema e com uma estação de força própria, que lhe garante o suprimento de energia para as máquinas sem acessibilidade aos humanos. O homem diz que o acesso ao sistema só será possível através do escolhido, que seria a única pessoa capaz de abrir a porta de acesso ao sistema num corredor imenso, cheio de entradas e muito iluminado. Sincronizando as ações, Morpheus programa ataque para meia noite e lembra ao grupo que nada acontece ao acaso. Já o agente Smith volta a atividade insana de perseguição a Neo, a quem diz num diálogo rápido: “sempre estou a sua espera, senhor Anderson”, como se antecipasse as suas ações e fazendo aparecer simultaneamente na tela seus muitos eus, os quais se multiplicam no enfrentamento do seu antagonista sem sequências ajustadas pelo computador. Neste interim, o Chaveiro aponta a porta que os levará para casa. Neo a abre e então tudo se ilumina, ele entra e encontra sentado numa poltrona cercada por telas de computadores ao Arquiteto (Helmut Bakaitin), o criador de Matrix. O homem tem ao seu redor milhares de telas com imagens de Neo, a quem explica os fundamentos de Matrix, destacando que a vida é um salto de uma programação virtual assimétrica: “ Matrix tem mais tempo que você imagina e hoje, já estamos na sexta versão, com as correções de anomalias sistêmicas”, o que indica o seu contínuo aprimoramento. Neo acredita que a saída para o dilema está na escolha acertada e o arquiteto lhe explica que “você está aqui porque Zion será destruída e a função escolhida retornará á fonte”. Ele destaca ainda, que o novo projeto de Matrix em andamento será retomado com a seleção de 23 indivíduos sobreviventes, 16 mulheres e sete homens que serão utilizados para a reconstrução e repovoamento de Zion, mas em compensação, uma falha qualquer geraria a extinção da raça humana. O arquiteto diz ainda que Neo/Anderson não estaria preparado para aceitar a morte das pessoas e lhe ensina que existem duas portas: uma que seria a de salvação de Zion e outra para Matrix, lembrando que a esperança é a essência da ilusão humana, mas sendo simultaneamente a causa da maior força e da maior fraqueza do homem como ser transitório e passageiro no mundo real e finito. Nesse mesmo tempo, em outra sequência em paralelo, Trinity enfrenta agentes do governo e acaba mortalmente ferida em Matrix, onde penetrou desobedecendo uma ordem de Neo que lhe havia pedido para que ela se mantivesse desplugada na nave Nabucodonosor, evitando riscos desnecessários à sua segurança. Ao vê-la ferida mortalmente, Neo tenta salvá-la virtualmente em Matriux, extraindo a bala com as mãos e sussurrando ao seu ouvido que “não posso deixar vc morrer, porque te amo demais”. E Trinity revive. Mesmo salvado a sua amada, Neo tem outro problema a resolver, até porque ele sabe que se nada de concreto for feito, a cidadela de Zion será destruída em 24horas pelo exército de máquinas. Então, uma bomba explode na Nabucodonosor, indicando que as maquinas estão chegando e obrigando a Neo a agir para tentar contê-las. No final da batalha cinco naus com seres humanos foram destruídas e há um sobrevivente, que seria possivelmente o Link, o qual transita entre o mundo real e o universo virtual de Matrix, o que garante a continuidade da luta e de uma historia que fala do amor, da vida, da solidariedade, da morte e da existência de um mundo paralelo, inteiramente virtual se impondo muito acima do real. A ameaça se reforça agora, na terceira década do século XXI, com as preocupações éticas e morais sobre o avanço tecnológico e da inteligência artificial, o que para alguns representa uma ameaça à sobrevivência do homem e à sua integridade. O filme mostra que saga continua com novos desdobramentos e se Matrix (1999) inclui referências filosóficas, politicas e culturais, as questões míticas são ampliadas nos diálogos e sequências de Reloaded(2003), conferindo a Neo uma dimensão cada vez mais messiânica. Ele emerge neste cenário como possível salvador da humanidade ou do que resta dela num mundo cada vez mais tecnologicizado e mecânico, contando com a ajuda do Oráculo, do Conselheiro Humano e do Chaveiro, que o conduz ao coração do mainframe do sistema com as suas multiplicidades e paradoxos a ele relacionados, isso num mundo distópico governado por máquinas. Na construção da série e seus desdobramentos, as cineastas Lana e Lili Wachosi projetam Zion de certa forma como a antítese do paraíso. Elas revelam uma cidade subterrânea, o que coloca o espectador diante da Caverna de Platão ou do Hades retratado por Dante, na Divina Comédia, como substrato das imagens de um mundo inferior, ameaçado por máquinas e androides. Zion emerge também como uma esperança e centro de resistência num mundo distópico, em que os seres humanos enfrentam um sistema opressor operado por máquinas sem sentimentos, mas com chances de vitória através do amor, do conhecimento e da capacidade de luta. O desenvolvimento da trama nas duas versões de Matrix também faz com que Neo reflita sobre a sua condição humana e virtual, bem como sobre as ações no confronto entre o mundo real do Thomas A. Anderson, um simples programador de computador e do hacker, que passa a questionar até mesmo a dimensão da sua existência física ou digital, e mesmo quanto ao alcance das suas ações como o escolhido e um predestinado pelo Oráculo ou como ser meramente mortal, finito. Mas qual função que cabe ao espectador neste processo diante da acelerada revolução dos recursos e da tecnologia digital, que chega ao 5G, ao ChatGPT e tudo o mais?(Kleber Torres) . Ficha técnica: Título : Matrix Reloaded Direção e roteiro: Lana e Lili Wachowski Elenco : Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Jada Pinkett Smith, Gloria Foster, Harold Parrineau, Monica Belucci, Henri J.Lennix, Lambert Wilson, Randal Duk Kim, Anthony Zerbe. Helmut Bakaitis, Neil Rayment e Adrian Rayment. Direção de fotografia : Bill Pope Efeitos especiais : John Gaeta Coreografo de luta : Yuen Woo-Ping Música : Don Davis Gênero : Ação, ficção científica e suspense Estados Unidos/Austrália 138 minutos 2003

sexta-feira, 24 de março de 2023

Matrix e a Inteligência artificial num futuro ciberpunk distópico

Há quem diga que a história da cultura pop no mundo globalizado se divide em duas etapas: antes e depois de Matrix, filme rodado em 1999, transformado numa espécie de cult movie, sendo considerado um dos melhores filmes de ficção cientifica. Ele retrata um futuro ciberpunk distópico em que o real e o sonho se desdobram através da rede de computadores gerando fatos paralelos e açõesque se desdobram numa espécie de multiverso. O filme iniciou uma série exitosa sequenciada com Matrix Reloaded (2003), The Matrix Revolutions (2003) e The Matrix Ressurections (2021), mas também ganhou desdobramento em livros, jogos, animações e histórias em quadrinhos. Ele reúne referencias filosóficas e religiosas, com citações referentes aos livros Simulacros e Simulações, de Jean Baudrillard; Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e à Alegoria da Caverna, de Platão, além de resgatar lutas de kung-fu e de inovar em técnicas cinematográficas, inclusive em termos de efeitos especiais. Tudo começa quando Thomas A. Anderson (Keanu Reeves) trabalha normalmente durante o dia como programador de uma empresa de tecnologia da informação e à noite, se transforma em Neo, um hacker que rouba dados estratégicos. Ele invade sistemas de computadores, cometendo crimes cibernéticos, uma atividade ilegal e contraria ao sistema político vigente, o qual controla informações e a vida da população com um forte aparato repressivo apoiado por um suporte tecnológico. Anderson/Neo vivia questionando sobre o que "O que é a Matrix?" e acaba recebendo um recado lacônico e enigmático pelo computador: “Matrix pegou você!”, o que o acaba levando aos caminhos de Morpheus (Laurence Fishburne), um personagem enigmático, o qual atua nos bastidores e usa a rede de computadores para enfrentar um governo autoritário, comandado por máquinas pensantes, as quais utilizam recursos da inteligência artificial para dominar a população humana mantida em hibernação. O sistema utiliza o calor dos seus corpos como fonte alimentadora de energia para os seus sistemas digitais, os quais operam conectando em tempo real o mundo real e o virtual habitado por avatares e complementado com os recursos da realidade aumentada. Depois de capturado por agentes do sistema e que investigavam as suas atividades consideradas subversivas, Neo se recusa em cooperar com seus captores, que o libertam após implantarem no seu um software eletrônico de vigilância para poderem monitorar os seus passos e chegarem a Morpheus. Posto em liberdade, Neo é contatado por Trinity (Carrie-Anne Moss), uma hacker atuante, que extrai o equipamento de monitoramento e o estimula a procurar a verdade sobre a Matrix, que está em todo o lugar e em tudo. Ela também o leva até Morpheus, considerado terrorista pelo governo e como o homem mais perigoso que existe. Morpheus mostra para Neo que ele tem duas opções: voltar a sua vida como Thomas Anderson e se omitir diante do sistema ou descobrir o que é a Matrix, que está em toda parte ou mesmo quando se faz qualquer coisa, e conclui: “não se pode explicar o que a Matrix, é preciso que se veja por si mesmo, o que se parece com o país de Alice no País das Maravilhas,“ numa alusão à obra de Lewis Carroll. Ele conclui perguntando se Neo já teve algum sonho que parecesse real e diz que ele é bem vindo ao mundo real, até porque Matrix é controle absoluto, formatando um mundo irreal controlado por computadores. Em síntese, Matrix é o sistema com toda a sua complexidade e poder. Neo aceita a segunda opção e toma um comprimido vermelho. Depois, ele desperta desorientado no tempo e no espaço, fragilizado, num e completamente sem pelos, com uma série de fios entranhados na sua pele ligados a cabos. Neo acaba ejetado da máquina e é resgatado por Morpheus e Trinity, que o transportam até a nave Nebuchadnezzar, onde é apresentado à equipe que trabalha em oposição ao sistema e trabalha no enfrentamento de Matriux. Morpheus revela a Neo que o mundo que ele conhece simplesmente não existe: é parte de uma simulação interativa neural, a que chamam de Matrix, um conceito muito parecido como o do multiverso, um conceito hodierno, que extrapola os limites da realidade objetiva. Ele também fala sobre a profecia de que um dia surgirá o Escolhido, que passaria a liderar a resistência e derrotar as máquinas num confronto decisivo. Para Morpheus, Neo seria esse homem predestinado e o alerta sobre os riscos desta luta, uma vez que a morte dentro da Matrix também leva de forma inexorável, à morte no mundo real. Por fim, Neo é levado para uma consulta ao Oráculo, que funciona como uma espécie de guia religioso com previsões que podem ajudar a encontrar o caminho e que orientam inclusive para os caminhos do autoconhecimento. No prognostico, ele diz que apesar de Neo ter o dom, ele não é o Escolhido mas, diz que em breve, um evento fará com que escolha entre sua vida e a de Morpheus. O evento previsto na consulta oracular foi a prisão de Morpheus, que passou a ser torturado pelo agente Smith (Hugo Weaving), um robô com forma humana e que considera o homem um predador tão danoso quanto um vírus, e outros prepostos do governo, os quais se vestem de forma similar aos homens de preto, uma lenda sobre uma agência secreta que monitora no mundo real a ação dos alienígenas na terra. Nos diálogos com Morpheus, o agente Smith tenta colher informações sobre o movimento antigoverno e também discute com ele sobre conceitos filosóficos como a diferença entre conhecer e trilhar um determinado caminho. Em companhia de Trinity, Neo traça uma estratégia para libertar o seu orientador, inclusive matando guardas no edifício do governo onde Morpheus estava preso e usando inclusive um helicóptero. Mas, enquanto Morpheus e Trinity fazem seu retorno ao mundo real após o exitoso ataque, Neo tenta escapar com eles, mas acaba enfrentando num duelo mortal ao agente Smith numa luta acirrada, ele acaba atingido mortalmente pelo antagonista. Ao ver a morte de Neo na Matrix, Trinity diz no ouvido: “Você não pode estar morto, porque eu o amo" . Com estas palavras Neo ressuscita e volta a enfrentar os agentes do governo, esquivando-se veloz dos tiros e revelando suas novas capacidades de combate, como a de parar as balas no ar, um efeito especial inovador no filme, que ficou conhecido como “bullet time”, em que embora o disparo do projétil ocorra em câmera lenta, ao mesmo tempo em que do ponto de vista do observador tudo parece ocorrer numa velocidade normal. Ao decifrar os códigos de Matrix e entrar na linguagem da máquina, Neo decifra os segredos do sistema –establhisment- e deixa uma mensagem de esperança para o futuro, destacando a importância luta por um mundo sem regras e livre, onde tudo é possível. Assim, o que haverá depois, no futuro, cabe a cada um decidir fazendo valer as prerrogativas do livre arbítrio e porque não da própria democracia, no seu sentido amplo e irrestrito.(Kleber Torres) Ficha técnica Título : Matrix Direção e roteiro: Andy e Larry Wachowski Elenco : Keanu Reeves, Lawrence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Joe Pantolino, Gloria Foster, Marcus Chong e Paul Goddard Música: Don Davis Direção Fotografia : Bill Pope Edição: Zach Staenberg Gênero : Ficção Estados Unidos Duração: 135 minutos 1999

quinta-feira, 23 de março de 2023

Uma dramédia instigante e anárquica com humor britânico

Anárquica e instigante, assim pode ser definida a dramédia – que uma espécie de drama e comédia - O Duque (The Duke) , filme dirigido com competência pelo experiente Roger Michell, que nos legou Um lugar chamado Notting Hill(1999), Amor para sempre(2004) e Vênus (2006). A obra é baseada na história real do motorista de ônibus sexagenário, Kempton Burton, que executou em 1961, o furto do quadro do Duque de Wellington, pintado por Francisco Goya, o qual estava exposto na Galeria Nacional, em Londres. O objetivo desta ação criminosa era cobrar do governo inglês melhor política e assistência aos idosos, o que incluía o acesso gratuito à televisão, sem necessidade do TV License. O filme é instigante e revela Kempton Bunton (Jim, Broadbent), como um homem simples, autodidata, que se rebela com a falta de atenção das autoridades para os idosos e por isso rouba a obra de arte em exposição em um museu britânico. Para devolver o quadro, ele começa a enviar cartas ao governo cobrando melhorias para a população dos idosos no Reino Unido, os textos são analisados por uma especialista que constrói o perfil do criminoso, como pessoa com participação ativa na comunidade e com mais de 50 anos. Um dos destaques do filme é a interpretação de Jim Broadbent, ganhador de um Oscar, em Iris (2001) e que atuou em Moulin Rouge e em filmes da série Harry Poter, como ArquyimeistreAmbrose e Helen Mirren(Dotrothy Bunton), que também conquistou um Oscar (2007), em A Rainha (The Queen), como Elizabeth II. Mirren interpreta a mulher de Bunton, uma senhora idosa, com os pés no chão e que acompanha com preocupação a trajetória do marido, que também foi preso anteriormente ao roubo por não pagar a taxa de televisão cobrada pelo governo inglês. Na prisão, ele escreveu várias peças teatrais que enviava sem sucesso a editoras e à própria televisão governamental. Bunton não só escrevia cartas cobrando assistência aos idosos, como acabou demitido de uma padaria comunitária por defender um asiático que era discriminado pelo chefe, citando Mahatma Gandhi. O filme tem dois pontos altos: o julgamento, em que ele se diz inocente das acusações, despertando a participação do público no recinto e acaba sendo absolvido pelos jurados, além do uso de uma cena do Satânico Dr. No (1962) . o primeiro filme de 007, com Sean Connery, que aparece numa cena de O Duque, com o quadro roubado. Quatro anos depois de absolvido, Kempton Button escreve uma carta à promotoria confessando o roubo e devolvendo a obra, sendo preso por três meses em função do desaparecimento da moldura da tela e escreve mais uma peça teatral. Ele morreu sem ter nenhuma obra publicada e nem encenada nos palcos britânicos, já a TV License , imposto obrigatório cobrado pelo governo inglês para quem tem televisão em casa, somente foi tornada gratuita para idosos com mais de 74 anos e com desconto para pessoas registradas como deficientes visuais, agora, no século XXI. Ficha técnica Título : O Duque (The Duke) Direção : Roger Michell Roteiro: Richard Bean e Clive Coleman Elenco : Jim Broadbent, Helen Mirren, Jake Whitehead, Ann Maxwell Martin, Fion Whitehead, Aimeé Kelly, Craig Craney, Simon Hubbard, Machael Adams, Cinematografia : Mike Elei Direção de Arte: Adam Tomlinson Música : George Fenton Duração : 96 minutos Reino Unido 2021