domingo, 2 de abril de 2023
Matrix e as opções no inevitável confronto real ou virtual entre homens e máquinas
Enquanto as máquinas derrotadas após o combate inicial de Matrix estão preparando uma grande ofensiva mobilizando um exército de 250 mil robôs contra Zion (uma referência metafórica ao Sião, uma fortaleza próxima de Jerusalém conquistada por Davi, que havia derrotado ao gigante Golias) e podem alcançá-la em alguns dias, Neo/Thomas A. Anderson (Keanu Reeves) continua vivendo na nau espacial Nabucodonosor (que tem o nome do rei da Babilônia, o qual libertou a Assiria e foi o construtor dos lendários Jardins Suspensos da Babilônia), que opera como um dos centros de resistência a um governo opressor num mundo distópico.
Na nave, Neo convive no mundo real lado de Morpheus (Laurence Fishburne), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Link (Harold Parrineau), um novo e misterioso tripulante incorporado ao grupo da resistência. Esta é em síntese a sinopse de Matrix Reload(2003), segundo filme da exitosa série Matrix, com direção e roteiro das irmãs Lili e Lana Wachowski e que resultou em filmes, livros, gibis e jogos de ação ambientados na ficção científica ampliado pelas fronteiras fluídas da invenção e da cultura pop.
Em função da ameaça de uma invasão Iminente de Zion, a Nabucodonosor é ordenada pelo Oráculo a voltar para proteger a cidade, onde, além de integrar o sistema de defesa, sua tripulação participará de uma reunião que definirá as estratégias de luta para salvar a humanidade de uma possível extinção.
No retorno, Neo, que considera que há tanta coisa no que não compreende, entra em contato com o Conselheiro Humano (Anthony Zerbe) depois de recebido como herói pela população de Zion. Os dois discutem sobre como seria o controle do sistema cujo acesso só era possível através de entradas indiretas aos programadores e hackers. Também ficou evidenciado no diálogo, que a função do conselheiro seria, teoricamente, a de proteger aquilo que é mais importante para a segurança do próprio sistema.
Neo acredita, na sua concepção, que o próprio Oráculo a quem também consultava seria um programa oriundo do mundo das máquinas e que, mesmo assim, ainda seria confiável para ele. O Oráculo deixa a opção para escolha do próprio Neo, fazendo prevalecer o livre arbítrio, mas, lembrando que ele está ali para fazer o que tem de ser feito, com olhos voltados para o futuro, uma vez que existem programas funcionando por toda a parte, às vezes invisíveis, mas fazendo sempre aquilo para o qual foram criados e até hackeando outros programas num grande rede de proporções infinitas.
Assim, o Oráculo recomenda a Neo que vá ao coração da máquina central – mainframe e influa na sua operação: “até porque você está olhando para um mundo atemporal. Você terá de fazer a escolha, até porque você é o escolhido e vai evitar que Zion sucumba”.
Ele orienta que Neo precisa encontrar o Chaveiro, o homem que poderá abrir todos os caminhos para acesso ao coração do sistema e que é mantido prisioneiro pelo Merovingio(Lambert Wilson), cujo nome se associa historicamente no mundo real a uma dinastia franca que governou a Gália, onde hoje estão localizadas a Bélgica e a Franca e sua mulher, a bela Persephone (Mônica Bellucci). O vate também revela que em essência os homens querem o poder e buscam sempre cada vez mais poder, numa espécie de escalada crescente.
Após a consulta com o Oráculo, ele é abordado pelo Agente Smith (Hugo Weaving), perguntando se senhor Anderson/Neo havia recebido a encomenda e complementa: “o que aconteceu, aconteceu por uma razão. Eu o matei, senhor Anderson e o senhor me destruiu”. Os dois também discutem sobre a questão da liberdade e da sua essência, uma questão humana, bem como a finalidade para o qual foram criados.
O próprio Neo acaba enfrentando numa sequência de luta com técnicas aperfeiçoadas de kung fu e recheada de efeitos especiais, uma multiplicidade de agentes Smiths, que se sucedem infinitamente e se definem simplesmente como: “eu,..eu,....eu,...e eu também”. O que leva a Trinity a recomendar a Neo que saia dali da Matrix para não morrer novamente e retornar à segurança real na .Nabucodonosor.
Em seguida, liderados por Morpheus, Neo e Trinity vão até os domínios do Merovíngio, que mantem cativo o Chaveiro (Randal Duk kim), num encontro virtual. O interlocutor fala francês, que considera o idioma ideal para xingar e se define um traficante de informações. Para ele, existe uma única verdade, que provoca a reação e o efeito, o que se relaciona com os próprios algoritmos de um computador onde cada linha do programa tem um novo efeito inclusive através de loops.
Para o Merovingio, a verdade é que estamos fora do controle, mas, de alguma forma, somos todos vítimas da casualidade num mundo de acasos: “Tomei vinho demais, causa; tenho de urinar, efeito. Há sempre uma causa e um efeito,” concluiu, Para libertar o Chaveiro. Persefone trai o marido que lhe é infiel com outras mulheres, mas cobra um beijo de Neo e diz referindo-se a Trinity que a inveja pelo seu amor, “mas uma coisa assim não é para durar”, diz referindo-se à temporalidade da vida humana.
Após a libertação do Chaveiro há uma reação violenta do sistema em Matrix e Neo acaba atacado e metralhado, mas apara as balas como se tivesse um escudo protetor invisível, o que repete uma sequencia do filme anterior Matrix (1999). Ele também luta contra os prepostos do sistema que tentam evitar e impedir a fuga. O Merovíngio conta que sobreviveu aos seus antecessores e vai sobrevier ainda mais, enquanto Morpheus, Trinity e o Chaveiro escapam de um atentado e são perseguidos pela polícia e pelo sistema de segurança de Matrix.
Na fuga, o Chaveiro é o alvo principal da perseguição que envolve policiais, agentes do governo e dois homens de capas claras, os gêmeos virtuais, que acrescentam mais um ingrediente de violência em dobro ao roteiro. Bandidos e mocinhos usam diversos carros, caminhões e motos Ducati de alta potencia, mas mesmo assim, o Chaveiro consegue levar Neo a um prédio que tem um andar especial, o 65º, sem acesso de elevadores ou escadas, o qual funciona como centro do sistema e com uma estação de força própria, que lhe garante o suprimento de energia para as máquinas sem acessibilidade aos humanos.
O homem diz que o acesso ao sistema só será possível através do escolhido, que seria a única pessoa capaz de abrir a porta de acesso ao sistema num corredor imenso, cheio de entradas e muito iluminado. Sincronizando as ações, Morpheus programa ataque para meia noite e lembra ao grupo que nada acontece ao acaso.
Já o agente Smith volta a atividade insana de perseguição a Neo, a quem diz num diálogo rápido: “sempre estou a sua espera, senhor Anderson”, como se antecipasse as suas ações e fazendo aparecer simultaneamente na tela seus muitos eus, os quais se multiplicam no enfrentamento do seu antagonista sem sequências ajustadas pelo computador.
Neste interim, o Chaveiro aponta a porta que os levará para casa. Neo a abre e então tudo se ilumina, ele entra e encontra sentado numa poltrona cercada por telas de computadores ao Arquiteto (Helmut Bakaitin), o criador de Matrix. O homem tem ao seu redor milhares de telas com imagens de Neo, a quem explica os fundamentos de Matrix, destacando que a vida é um salto de uma programação virtual assimétrica: “ Matrix tem mais tempo que você imagina e hoje, já estamos na sexta versão, com as correções de anomalias sistêmicas”, o que indica o seu contínuo aprimoramento.
Neo acredita que a saída para o dilema está na escolha acertada e o arquiteto lhe explica que “você está aqui porque Zion será destruída e a função escolhida retornará á fonte”. Ele destaca ainda, que o novo projeto de Matrix em andamento será retomado com a seleção de 23 indivíduos sobreviventes, 16 mulheres e sete homens que serão utilizados para a reconstrução e repovoamento de Zion, mas em compensação, uma falha qualquer geraria a extinção da raça humana.
O arquiteto diz ainda que Neo/Anderson não estaria preparado para aceitar a morte das pessoas e lhe ensina que existem duas portas: uma que seria a de salvação de Zion e outra para Matrix, lembrando que a esperança é a essência da ilusão humana, mas sendo simultaneamente a causa da maior força e da maior fraqueza do homem como ser transitório e passageiro no mundo real e finito.
Nesse mesmo tempo, em outra sequência em paralelo, Trinity enfrenta agentes do governo e acaba mortalmente ferida em Matrix, onde penetrou desobedecendo uma ordem de Neo que lhe havia pedido para que ela se mantivesse desplugada na nave Nabucodonosor, evitando riscos desnecessários à sua segurança. Ao vê-la ferida mortalmente, Neo tenta salvá-la virtualmente em Matriux, extraindo a bala com as mãos e sussurrando ao seu ouvido que “não posso deixar vc morrer, porque te amo demais”. E Trinity revive.
Mesmo salvado a sua amada, Neo tem outro problema a resolver, até porque ele sabe que se nada de concreto for feito, a cidadela de Zion será destruída em 24horas pelo exército de máquinas. Então, uma bomba explode na Nabucodonosor, indicando que as maquinas estão chegando e obrigando a Neo a agir para tentar contê-las.
No final da batalha cinco naus com seres humanos foram destruídas e há um sobrevivente, que seria possivelmente o Link, o qual transita entre o mundo real e o universo virtual de Matrix, o que garante a continuidade da luta e de uma historia que fala do amor, da vida, da solidariedade, da morte e da existência de um mundo paralelo, inteiramente virtual se impondo muito acima do real. A ameaça se reforça agora, na terceira década do século XXI, com as preocupações éticas e morais sobre o avanço tecnológico e da inteligência artificial, o que para alguns representa uma ameaça à sobrevivência do homem e à sua integridade.
O filme mostra que saga continua com novos desdobramentos e se Matrix (1999) inclui referências filosóficas, politicas e culturais, as questões míticas são ampliadas nos diálogos e sequências de Reloaded(2003), conferindo a Neo uma dimensão cada vez mais messiânica. Ele emerge neste cenário como possível salvador da humanidade ou do que resta dela num mundo cada vez mais tecnologicizado e mecânico, contando com a ajuda do Oráculo, do Conselheiro Humano e do Chaveiro, que o conduz ao coração do mainframe do sistema com as suas multiplicidades e paradoxos a ele relacionados, isso num mundo distópico governado por máquinas.
Na construção da série e seus desdobramentos, as cineastas Lana e Lili Wachosi projetam Zion de certa forma como a antítese do paraíso. Elas revelam uma cidade subterrânea, o que coloca o espectador diante da Caverna de Platão ou do Hades retratado por Dante, na Divina Comédia, como substrato das imagens de um mundo inferior, ameaçado por máquinas e androides. Zion emerge também como uma esperança e centro de resistência num mundo distópico, em que os seres humanos enfrentam um sistema opressor operado por máquinas sem sentimentos, mas com chances de vitória através do amor, do conhecimento e da capacidade de luta.
O desenvolvimento da trama nas duas versões de Matrix também faz com que Neo reflita sobre a sua condição humana e virtual, bem como sobre as ações no confronto entre o mundo real do Thomas A. Anderson, um simples programador de computador e do hacker, que passa a questionar até mesmo a dimensão da sua existência física ou digital, e mesmo quanto ao alcance das suas ações como o escolhido e um predestinado pelo Oráculo ou como ser meramente mortal, finito. Mas qual função que cabe ao espectador neste processo diante da acelerada revolução dos recursos e da tecnologia digital, que chega ao 5G, ao ChatGPT e tudo o mais?(Kleber Torres)
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Ficha técnica:
Título : Matrix Reloaded
Direção e roteiro: Lana e Lili Wachowski
Elenco : Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Jada Pinkett Smith, Gloria Foster, Harold Parrineau, Monica Belucci, Henri J.Lennix, Lambert Wilson, Randal Duk Kim, Anthony Zerbe. Helmut Bakaitis, Neil Rayment e Adrian Rayment.
Direção de fotografia : Bill Pope
Efeitos especiais : John Gaeta
Coreografo de luta : Yuen Woo-Ping
Música : Don Davis
Gênero : Ação, ficção científica e suspense
Estados Unidos/Austrália
138 minutos
2003
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