domingo, 12 de fevereiro de 2017

Canibalismo no vale tudo da luta pela sobrevivência




A verdadeira história que serviu de inspiração para  clássico  Moby Dick, do genial  Herman Melville, considerado uma das obras de referência na literatura universal e que também serviu de base para o roteiro do filme “No Coração do Mar (In the Heart of the Sea)” lançado em 2015, com excelentes efeitos especiais,  é o livro No Coração do Mar cujo titulo original em inglês é  “In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex”  do historiador americano Nathaniel Philbrick.  Ele retoma a história real a partir de uma série de levantamentos de dados sobre os  detalhes da tragédia do navio baleeiro Essex,  afundado  em 1820 depois de  abalroado por uma baleia  no Oceano Pacifico.
O filme resgata a trágica  viagem da baleeira e os seus  desdobramentos, especialmente no que diz respeito ao destino dos tripulantes, que tentaram sobreviver ao naufrágio da embarcação em botes com poucos mantimentos e quase sem água, chegando a praticar canibalismo, Tudo isso ocorreu depois que uma baleia branca de grande porte, com alabastro e mais de 30 metros de comprimento, não apenas afundou a embarcação como perseguiu  os sobreviventes numa espécie de vingança, que seria comum aos seres considerados  ‘inteligentes’ como os humanos.
 "No Coração do Mar"  começa com o escritor Melville, que acaba virando personagem da historiam,  buscando entrevistar um dos sobreviventes do Essex, Thomas Nickerson (Brendan Gleeson)  que evita falar sobre a tragédia marítima. Ele guarda  um segredo dos sobreviventes sobre a prática do canibalismo durante os 90 dias em que ficaram à deriva no mar, sem mantimentos.
Os náufragos enfrentam o que seria uma tempestade perfeita, com condições climáticas adversas, fome, medo e desespero, fatores associados que os  levaram a rever valores e as condições da própria existência humana e os conceitos do mundo civilizado. Thomas que vive bêbado diz no primeiro momento que só vai falar quando for preciso.
Em seguida, Melville, para quebrar a resistência do entrevistado, conta que também embarcou uma vez em uma baleeira e acaba dobrando o marujo,   um homem idoso, que considera que a história do Essex é a história de dois homens antagônicos entre si: o capitão George Pollard (Benjamin Walker), sem experiência no mar e que descende de uma estirpe de marinheiros e o seu primeiro imediato Owen Chase (Chris Hemsworth), um marujo experiente,que  almeja ser capitão e quer  superar a meta traçada por seu empregador processando dois mil barris de óleo na sua volta a Nantucket, seu porto de origem.
Com uma tripulação que composta por marujos experientes e muitos marinheiros de primeira viagem, que têm dificuldades para içar velas, o imediato   coloca em dúvida a competência dos tripulantes, inclusive Henry Coffin (Frank Dillane) embarcado  por ser  primo do capitão George Pollard, como a do próprio capitão que manda içar velas durante uma tempestade. Vale lembrar que superstições à parte, Coffins, em inglês significa caixão de defunto.
Eles navegam por 12 meses na caça de baleias e o relacionamento antagônico entre o capitão e o  imediato piora cada vez mais. Num porto do pacifico, ele descobrem um marujo maltrapilho Clemente de Palaez, que fala do afundamento do navio Santa Maria por uma baleia, mas tudo muda quando se deparam com uma ameaça imprevista:  uma gigantesca baleia branca que irá lutar por sua sobrevivência e acabará atacando o navio Essex e acaba perseguindo de forma sanguinolenta à sua tripulação.
À deriva em três pequenos botes os sobreviventes da tragédia se abrigam numa ilha deserta. Ali, encontram restos de náufragos mortos e que não conseguiram sair por falta de socorro. O capitão filosofa sobre o privilégio de saber sobre a própria morte futura sem chances de sobrevivência e é desafiado pelo imediato para um acerto de contas, acreditando que o que estavam passando em condições adversas era por ter ofendido a Deus com a sua arrogância.
A tripulação volta ao mar e deixa três homens mais fracos na ilha para um futuro resgate, depois de 40 dias à deriva. Em seguida um dos três  barcos que retoma a viagem desaparece. Nas duas embarcações restantes,  com a morte de um dos tripulantes que seria jogado ao mar, o imediato lembra: “nenhum marinheiro em são consciência descarta o que poderia salvá-lo”.
Thomas Nickerson, que vive em companhia da mulher em uma casa modesta, conta com detalhes que os tripulantes prepararam o corpo do morto separando as partes moles (órgãos), depois desossaram os mesmos e  separaram braços e pernas, fechando o corpo e jogando os restos mortais no mar. Primeiro, eles comiam o coração dos mortos e depois fígado, rins e por fim a carne.
Ele confessa que guardou este segredo macabro por décadas e não teria coragem nem mesmo de contar à mulher, “que por certo não me amaria sabendo das abominações que cometi”. A mulher nega e diz que a força do jovem que o alimentou ainda  vive em Thomas na sua velhice. 
No mar, ele conta que os sobreviventes sorteavam quem iria viver ou morrer para a continuidade da viagem macabra e assim, um dos marujos se suicida para não matar o capitão.
O grupo acaba encontrando um porto depois de 90 dias à deriva. Eles chegam à Más Afuera, no Chile, onde recebem roupas, água e alimentos, que têm dificuldade de digerir e só três meses depois chegam em casa, no Nantucket Harbor, onde desembarcam em 21 de junho de 1921. Ali foram recebidos como assombrações, mas ninguém nada questionou sobre a prática de canibalismo, embora parecesse que todos sabiam do enredo desta história trágica.
O capitão e o imediato foram ouvidos pelas autoridades náuticas, que engendraram uma outra história que não a de um navio afundado por uma baleia, mas de uma nau que encalhou no vasto oceano, para tentar receber com facilidade o seguro com uma estória pelo menos verossímil, no que foram contestados pelos dois oficiais que mantiveram a versão real dos fatos.
No fim, o capitão George Pollard voltou ao mar e tentou se vingar da baleia branca como o capitão Ahab, de Moby Dicjk, com sua perna de pau, mas acabou duas vezes amaldiçoado, desta vez com o navio encalhado num oceano longínquo. Já o imediato Owen volta ao mar, não mais numa baleeira, mas como capitão da marinha mercante.
No fim fica a lição do velho Hermann Melville no filme ao falar  “da coragem para ir  onde você não quer ir”, numa obra de ficção e ao mesmo tempo numa história com base na realidade e que as vezes é mais áspera e pior que a ficção.(Kleber Torres) 



Ficha técnica

Título: No Coração do Mar (In the Heart of the Sea)
Direção: Ron Howard
Roteiro: Charles Leavitt, Rick Jaffa e Amanda Silver, baseado em No Coração do Mar, de Nathaniel Philbrick
Elenco: Chris Hemsworth, Benjamin Walker, Cillian Murphym Tom Holland, Ben Whishaw, Brendan Gleeson e Michelle Fairley
Gênero: Drama
Música : Roque Baños
Direção de arte: Neal Callow, Dean Clegg, Nick Gottschalk, Christian Huband e Niall Moroney

Cinematografia: Anthony Dod Mantle