sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O que há por trás da Igreja Oculta


O History Channel voltou a exibir novamente este ano a série A Igreja Oculta, com oito episódios, que têm como foco uma revisão sobre a história da Igreja Apostólica Romana, evidenciando de forma critica, que muitas das mensagens de Jesus têm sido mal interpretadas ao longo dos séculos. A série também investiga os interesses ocultos de grupos por trás dessas mudanças que têm implicações políticas, sociais e econômicas. A série, que foi montada como um documentário, com entrevistas e depoimentos, também analisa o papel de Jesus, Maria, dos apóstolos e dos vários papas ao longo de uma história de dois milênios, assim como os mais recentes escândalos como a eclosão de casos de pedofilia que geraram indenizações milionárias, além dos abusos como os da inquisição, incluindo renúncias de papas e publicações de documentos secretos do Vaticano, entre outros fatores. A série também revela as mentiras, engodos evidentes, regras e proibições utilizadas para criar e manter o poder do comando do clero e a manipulação dos recursos do banco do Vaticano, além dos interesses de grupos econômicos até a eleição do Papa Francisco, que se propõe a mudar as regras do jogo com uma igreja voltada para os mais pobres e carentes. Um dos capítulos da série mostra que Jesus criou uma Igreja voltada para os desvalidos, unindo homens e mulheres de fé. Fala ainda do processo da escolha dos apóstolos entre pescadores e homens com suas dúvidas e fraquezas humanas, que aceitaram divulgar e pregar as palavras de Jesus. Também mostra que ao longo do tempo a Igreja perdeu fieis no mundo e na America Latina em particular. No Brasil nos anos 80 do século passado 90% da população era católica e que hoje este total foi reduzido para 53%, com um avanço dos grupos evangélicos e de outras religiões. O episódio fala ainda da concentração das riquezas, da polarização dos recursos em mãos de 1% da população e das contradições do mundo globalizado, o que se contrapõe agora com a proposta de ajuda aos pobres, marginalizados, crianças, mulheres e idosos, que estão à margem do processo econômico. Historicamente, a série revela ainda, que muitos apóstolos e fieis foram mortos e crucificados pelos romanos, lembrando que dos 120 seguidores inicialmente arregimentados por Jesus, 72 se tornam discípulos, entre os quais 12 deles foram capacitados para o trabalho apostólico. A série questiona até que ponto a Igreja pregou o amor ao próximo e a solidariedade, bem como o quanto ela se afastou deste objetivo primordial de Jesus. Nos fala ainda da escolha de Jorge Mario Bergolio, como um Papa Francisco que defende uma igreja pobre para os pobres, resgatando assim aquela que seria a proposta inicial de Jesus pois, “não quero príncipes para a Igreja”, defendendo uma igreja inclusiva, afastada da riqueza e do poder. A Igreja Oculta nos leva a refletir sobre uma instituição que vive uma grande mudança se afastando da perspectiva anticomunista e de convivência com os poderosos de plantão para uma espécie de marxismo adequado às circunstâncias latinomericanas. A série cita como exemplos o trabalho de bispos como Samuel Ruiz , no México e o padre Camilo Torres, que preconizava a mudança através de ação e se ligou á guerrilha, incorporando a violência como um complemento da ação social. A Teologia da Libertação teve ainda a participação de Carlos Mojica, um padre que acabou assassinado e Leonardo Boff. O fato é que tudo isso nos leva a uma reflexão profunda sobre as diferentes messagens de Cristo e também dos documentos apócrifos da própria Biblia, os evangelhos proibidos, que foi revista e reeditada. O problema é até que ponto o Papa Francisco se insere neste cenário global e o que muda depois dele, em função do jogo de poderes antagônicos na própria Igreja e que se revelam ao longo do tempo através de avanços e retrocessos políticos e sociais para que a história não se repita como farsa ou tragédia.(Kleber Torres)

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Os vestígios alienados da solidão e do desamor


O filme “Vestígios do Dia” (The Remains of the Day) foi produzido a partir de um romance do escritor nipo-britânico Kazuo Ishiguro, que acaba de conquistar o Nobel de Literatura. Ele aparece como uma oportunidade de introdução para quem quer conhecer os trabalhos do também autor de “When we were orphans”, “The Unconsoled” e “The Artist of The Floating World” e “A Pale View of Hills), hoje mundialmente conhecido e respeitado graças a um prêmio de dimensão global e que lhe rendeu US$ 1,1 milhão. Como livro, “Vestígios do Dia” foi premiado com o Man Booker Prize for Fiction em 1989 e como filme, tem a seu crédito o desempenho antológico do mordomo James Stevens (Anthony Hopkins), um homem solitário, que se aliena através da dedicação ao trabalho, o que o distancia até mesmo do pai no momento da sua morte e que joga na lata do lixo os sentimentos como o afeto, o amor, o companheirismo e a solidariedade. Este conjunto de fatores também o torna indiferente e omisso em relação às simpatias do seu primeiro patrão pelo nazismo. Tudo começa com um homem idoso, o próprio Stevens, que inicia uma viagem pela Inglaterra em direção ao litoral num veículo luxuoso. Ele foi por décadas o mordomo-chefe de Darlington Hall, uma casa de campo famosa, onde se reuniam figuras expressivas da vida política e econômica da Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Agora, com esta viagem, o mordomo tentava resgatar os elos de afeto perdidos em função do trabalho que o absorvia em tempo integral. O fato é que Stevens sacrificou sua vida pessoal por vários anos na busca do reconhecimento da sua competência como um profissional discreto, que evitava emitir opiniões sobre política ou decisões governamentais, mesmo reprimindo os seus sentimentos pessoais que lhe dariam uma dimensão humana, transmitindo ao uma frieza e um distanciamento que na verdade não faziam parte da sua personalidade. Em sua viagem, Stevens pretende reencontrar Sally Kenton (Emma Thompson), que ele não vê há muito tempo e tinha sido governanta em Darlington, por quem nutria mesmo sem demonstrar uma certa afetividade. Ele pensa que talvez ela possa ser persuadida a retomar a sua antiga posição, trabalhando para o novo proprietário de Darlington, um congressista americano aposentado John Farraday, mas no fundo ele também sonhava em encontrar uma companheira para o final da sua vida. Sally, fora apaixonada por ele e acabou se afastando depois de esbarrar ma sua frieza impenetrável e de ser pedida em casamento por um colega de trabalho Benn, a quem aprendeu a amar depois, na velhice, com uma filha criada e que agora esperava o primeiro filho. Certa vez, quando ainda trabalhava em Darlington e mostrar interesse por um livro que Stevens tinha nas mãos, ele simplesmente explicou que era para melhorar o seu conhecimento e pediu asperamente “não interrompa os poucos momentos que tenho para eu”. O filme esbarra na lentidão, que é compensado pelo desempenho de Hopkins e Thompson, com seus dramas humanos e pessoais de quem serve a um sistema impessoal e anódino que a tudo absorve e devora. (KLeber Torres) Ficha técnica: Titulo : Vestígios do Dia (The Remains of the Day) Direção: James Ivory Elenco: Anthony Hopkins (James Stevens), Emma Thompson(Miss kenton), James Fox e Christopher Reeve Gêneros Drama, Romance Nacionalidades EUA, Reino Unido 1993

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Quando o ser ou não ser passa a ser uma questão de humor

A comédia “Sou ou Não Sou”, dirigida por Alan Johnson, em 1983, tem como referência o Ser ou Não Ser, a primeira cena do terceiro ato do Hamlet, uma obra prima de William Shakespeare e que neste caso foi adaptada para uma comédia de humor negro. O filme tem como pano de fundo a invasão da Polônia pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e a caça implacável da Gestapo aos lideres da resistência. No filme, o ator Frederick Bronski (Mel Brooks) apresenta Pérolas de Hamlet no teatro de Varsóvia, enquanto sua sedutora esposa e companheira de palco, a bela Anna (Anne Bancroft), recebe nos camarins um jovem piloto (Tim Matheson). Mas tudo quando a Trupe Teatral de Bronski é movilizada para enganar os invasores nazistas e assim salvar os integrantes da resistência das garras da Gestapo juntamente com o piloto que voltou do exílio para lutar em seu país, impedido a ação de um espião nazista que fugira da Inglaterra. A consequência da invasão alemã se reflete na vida da população polonesa e de Bronski, considerado o maior interprete de Shakespeare na Polônia, que por falta de gasolina tem de usar o seu luxuoso Rolls-Royce puxado por um cavalo, enquanto sua casa foi utilizada como alojamento para o comandante nazista, que o obriga a se transferir com a mulher para a espelunca de um ator da sua troupe. O seu hospedeiro passou a usar um triângulo no peito, sinal que distinguia os homossexuais e dizia com ironia que estava na moda, como também os judeus usarem estrelas amarelas coladas no peito, o que os distinguia do resto da população da Polônia ocupada. No teatro, havia também um cartaz dizendo que apesar das aparências, ainda estava funcionando e onde Bronski continuava apresentando o seu solilóquio shakespeareano. A trama envolve também um espião nazista, o professor Siletsky, que tem a lista com os nomes dos militantes da resistência para repassar ao serviço secreto alemão, mas acaba morrendo depois de sequestrado pela troupe de Bronski, que o substitui colaborador do exército alemão, o qual privava da amizade de Hitler, fazendo a sua maior performance mas que ninguém assistiu, mesmo quando confrontado com o morto. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título: Sou ou Não Sou (To Be or Not to Be) Direção: Alan Johnson Elenco: Mal Brooks, Anne Bancroft, Tim Matheson, Jose Ferrer, Charles Durning e Christopher Lloyd Música: John Morris Ano : 1983

Aliados tem o mesmo cenário mas não repete o sucesso de Casablanca




Tendo como cenário Casablanca, que dá o titulo de um filme antológico com o mesmo nome dirigido por Michael Curtiz, em 1942, que envolve um drama romântico e de espionagem durante a Segunda Guerra, envolvendo nazistas contra franceses e ingleses,  Aliados (Allied), de 2017, surgiu como uma proposta ambiciosa e referências históricas ao seu antecessor, contando com a direção de Robert Zemeckis e reunindo um elenco de primeira linha com Brad Pitt, Marion Cotillard e Jared Harris. O filme não surpreende ao espectador e se perde na lentidão narrativa caindo no vazio.
Zemick, que tem a seu crédito filmes de sucesso como Forrest Gump, De Volta pro Futuro e O Náufrago, selecionou um elenco de atores  de peso para  um filme romântico e de ação,  que tem como pano de fundo o desenrolar da Segunda Guerra, com o envolvimento de ações militares e de espionagem. Tudo começa quando o piloto e espião canadense Max Vatan (Brad Pitt) desce de paraquedas no deserto e vai para Casablanca, no Marrocos, com o objetivo assassinar o embaixador nazista.
Nesta empreitada, ele tem como parceira a bela e irrequieta guerrilheira francesa Marienne Beausejour (Marion Cotillard)  a quem não conhecia e por quem acaba se apaixonando,  casando e tendo uma filha.  Os dois realizam o atentado numa festa na embaixada alemã e ao que se depreende no desenrolar do filme, é que a execução agradaria ao próprio Hitler, que nos bastidores pretendia se livrar do embaixador germânico e assim teria facilitado a ação dos agentes aliados, com uma infiltrada na ação.
Em realidade, Beausejour é uma espiã nazista e que foi colocada em lugar de uma guerrilheira da resistência francesa executada pela Gestapo. Extrovertida, muito bonita e sensual Marianne tem trânsito livre na  sociedade de Casablanca, que também era um centro de espionagem onde agiam espiões aliados e nazistas.
Assim, depois do atentado bem sucedido, o casal vai para a Inglaterra, onde Vatan continua atuando no serviço de informações da RAF, enquanto a mulher se dedica a cuidar da  casa e da filha, uma postura conflitante com a da guerrilheira francesa que tocava piano e cantou a Marselhesa desafiando oficiais nazistas.
Em função do vazamento de informações militares confidenciais, Vatan começa a ser investigado pelo serviço secreto sob pena de ser executado, juntamente com sua mulher, por espionagem, uma vez que sinais de rádio eram emitidos do bairro onde o casal morava e o referencial da emissão seria uma mulher, a qual seria uma suposta agente alemã.
A partir daí o piloto começa a investigar a companheira colocando em risco a sua carreira, num filme em que os ambientes e cenários fazem referências claras a Casablanca, mas se perde no vazio pela previsibilidade e por não conseguir prender o espectador, inclusive com poucas ações bélicas, uma delas com um bombardeiro alemão caindo nos fundos da casa do casal, que recebia amigos para uma festa. O filme termina com a morte da espiã que faz a opção pelo suicídio num aeroporto, que também é o cenário do final de Casablanca, que ao contrário do seu sucessor, ficou em definitivo na história do cinema.(Kleber Torres)

Ficha técnica

Título: Aliados (Allied)
Dreção: Robert Zemeckis
Roteiro : Steven Knight
Elenco :  Brad Pitt, Marion Cotillard, Jared Harris, Matthew Goode, Lizzi Caplab, Anton Lesser e  Camille Cottin
EUA

2017

domingo, 15 de outubro de 2017

As confissões de quem luta contra a solidão, o fracasso e o tempo



 As Confissões de Schmidt mostram a história de um homem, Warren Schmidt (Jack Nicholson)  que se aposenta depois dos 60 anos, no meio de homenagens que não significam nada na sua essência para ele, uma vez que  serviu ao sistema – uma empresa de seguros – e não leva nenhuma recordação do trabalho. Ele demonstra esta insatisfação ao deixar na festa a própria mulher que o acompanhava e os amigos, alguns deles inconvenientes, para tomar vodca sozinho no bar.
Além de ter de  lidar com a aposentadoria, uma coisa para a qual muitas pessoas não estão preparadas, uma vez que mudam as suas referências cotidianas e de amizades, ele também se defronta com a morte repentina da mulher com quem conviveu por mais de 40 anos. Assim, Schmidt começa a refletir sobre o seu passado e um futuro cheio de incertezas, que se ampliam com a terceira idade e seus problemas inexoráveis.
Neste ínterim, ele segue rumo ao Nebraska onde pretende  ajudar no casamento de sua filha Jeannie (Hope Davis), que não foi à festa de sua aposentadoria, com Randall (Dermot Mulroney), um vendedor de camas d'água. O problema para o recém aposentado e viúvo é que os novos passos parecem incertos e sujeitos a erros,  fazendo com que ele acredite que o fim de sua vida será igual ao seu passado, que vê como um grande fiasco no trabalho e no casamento.
Tudo muda quando Schmidt decide se corresponder com um jovem garoto da Tanzânia, Ndujo, a quem passa a patrocinar os estudos pagando cerca de R$ 2 por dia, o equivalente a 73 centavos de dólar. Em suas longas cartas ao garoto Warren fala da sua experiência de vida e da expectativa com a chegada da velhice, “porque quando me olho no espelho vejo rugas nos meus olhos, pelos caindo no pescoço e nos ouvidos”.
O aposentado também analisa criticamente a sua relação com a mulher falecida e os custos do sepultamento, lembrando que a filha ficou noiva de um babaca. A preocupação do velho Schmidt  é com quem vai cuidar dele, que tem um relacionamento difícil com a filha e de quem ficou ainda mais distante. Ele fala das possibilidades da morte e das 73% de chances de morrer em cinco anos, daí a necessidade de estabelecer e pelo menos manter uma rotina existencial.
Mas o filme não é pessimista. Schmidt  defende com otimismo, que o jovem valorize a vida enquanto vida ainda a tem e  como parte da sua reinvenção pessoal, ele  parte para viagens à casa onde nasceu, cujo terreno virou parte de um shopping center. Também esteve na Universidade do Kansas onde estudou e de onde não tem mais referencias, complementado com uma espécie de tour turístico em um camping, onde a mulher de um vizinho o considera um homem triste e raivoso. Como resposta ele a beija na boca e sai do trailer do casal, enquanto o marido fora comprar mais cerveja os deixando a sós.
O Warren Scmidt nos leva a refletir sobre três coisas: que diferença há em mudar de vida para alguém? O que melhorou no mundo por minha causa? E por fim, ele admite o fracasso como marido, trabalhador e mesmo como pai, quando vê que a filha está se casando com um pateta.
O filme conquistou dois Glos de Ouro e foi indicado para dois Oscars graças ao desempenho de Jack Nicholson e de Kathy Bates, além da competente direção de Alexander Payne, que nos conduz por um caminho áspero a uma trajetória existencial, mostrando que apesar dos dramas humanos, nem tudo está perdido, nem mesmo a visão social como o apoio e a amizade do idoso pelo jovem Ndugu, uma esperança no amanhã, pois, afinal, nem tudo está perdido.(Kleber Torres)



Ficha técnica
As Confissões de Schmidt (About Schmidt)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Louis Begley
Elenco: Jack Nicholson , Kathy Bates , Hope Davis , Dermot Mulroney , June Squibb , Howard Hesseman , Connie Ray
País: EUA
Gênero : Drama
Duração: 125 min.

2002

sábado, 14 de outubro de 2017

O poder absoluto que corrompe além de todos os limites




A história de todas as ditaduras é sempre a mesma, com a construção de um regime totalitário, que tem como base o autoritarismo, o medo, a opressão da população indefesa e o culto à personalidade do tirano, o que se reflete em estátuas, cartazes e retratos distribuídos em profusão por todos os rincões de um país, integrando o cenário das casas, lojas, barbearias e mesmo dos bordeis. Estes também são os ingredientes do filme O Presidente, uma coprodução franco-britânica-georgiana, dirigido pelo cineasta iraniano  Mohsen Makhmalbaf, que também assina "Gabbeh" e "Kandahar".
Tudo começa quando após um golpe de Estado, o Presidente interpretado por Mikheil Gomiashvili, foge com o seu neto de cinco anos  (Dachi Orvelashvili), com quem vivia juntamente com familiares em um imponente palácio, passando a andar pelo país que governou disfarçado de músico de rua, uma oportunidade para  conhecer de perto a situação do povo que governou por tantos anos com mão de ferro, gerando um clima de pobreza e insatisfação generalizada.
O governante foi deposto por um golpe de estado patrocinado por políticos e militares que conviviam no seu entorno, transformando-se de aliados em seus adversários mortais que iniciam uma caçada sem quartel, e tudo ocorre no justo momento em que ele dá uma aula de autoritarismo ao neto, quando determina que todas as luzes da cidade, menos as do palácio onde vivem se apaguem.
Em seguida, ele determina ao operador que obedeça as ordens do neto, que brinca o jogo do poder mandando as luzes se apagarem e depois acenderem, mas sem retorno, quando após instantes, o silêncio e a escuridão da noite foram quebrados por tiros e explosões de bombas em toda a cidade.
Diante da queda iminente, o ditador cuida de embarcar  todos os membros da família que fogem de avião para  outro país, optando por ficar juntamente com o neto, uma companhia inseparável e que veste uma farda igual à sua, para comandar a reação do seu exército já dividido, quando acaba perdendo o seu segurança pessoal baleado numa troca de tiros com rebeldes, ficando o corpo na sua limousine blindada, que logo depois é abandonada.
Diante de uma nação inteira revoltada     e mobilizada pela sua captura, os dois iniciam uma  fuga roubando uma moto e depois sob anonimato, tentam cruzar o  país para chegar ao litoral onde possivelmente embarcariam para o exílio em um porto seguro, passando por uma série de circunstancias adversas.
Esta louca escapada tem como contrapartida o noticiário do rádio, que fala das buscas empreendidas por soldados em veículos de combate, trens e helicópteros, bem como do aumento do prêmio pela cabeça do ditador, que no filme é tratado como presidente e que chega a ser cotada em US$ 1 milhão.
O fato é que sem dinheiro em mãos e sem amigos a quem recorrer, os dois passam  a viver de esmolas e de favores,  misturando-se com gente que toda a vida oprimiu durante o período da ditadura. Nesta viagem os dois passam no salão de um barbeiro onde o velho corta o cabelo e os dois mudam de roupa, depois incursionam por uma pedreira onde meninos e mulheres são a mão de obra barata e explorada, depois passam por um lupanar onde a única prostituta foi seguidamente estuprada pelos soldados que aderiram a revolução, mostrando que a mudança do regime não implica na mudança da violência da opressão ganhando uma outra forma e medida. Na casa o retrato do ditador na parede é alvejado por um soldado revolucionário.
Os dois fugitivos também se misturam a pastores, simulam ser espantalhos vestindo as suas roupas e depois se misturam a um grupo de ex-presos políticos estropiados pela tortura nos cárceres do governo do ex-presidente, a quem um dos companheiros de viagem que levava nas costas confessa ter matado o seu filho e sua mulher.
O filme revela ainda que a repressão destrói vidas e esperanças, como a do ex-preso político que volta para a mulher amada depois de cinco anos nos cárceres da ditadura e a encontra casada e com filhos, optando então pelo suicídio sugerido em imagens com o uso de um forcado curvo.
O Presidente nos revela por trás dos dramas humanos dos personagens, uma história trágica sobre a violência, o abuso do poder, a corrupção e a vingança das vitimas anônimas, como a noiva estuprada pelos soldados no dia do casamento quando viajava em companhia do marido e que acaba executada pelos seus algozes.
O roteiro também deixa evidente uma contradição, pois, os mesmos soldados que querem matar o presidente e o neto são os mesmos que o serviam no poder e abre espaço para o debate da questão sobre valores e direitos humanos, até porque se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente transformando até o que seria talvez uma comédia de humor negro numa tragédia.(Kleber Torres)

Ficha técnica:

Título: O Presidente
Direção : Mohsen Makhmalbaf
Roteiro: Mohsen Makhmalbaf e Marzieh Mashkini
Elenco : Mikheil Gomiashvili, Dachi Orvelashvili, Tomike Bziava
Produção : Vova Kacharava, Sam Taylor, Mike Downet
Idioma : Georgiano

Ano: 2015

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Uma reflexão sobre a vida e questões muito além da solidão e do tédio



A questão da velhice, da solidão, da falta de amor, o tédio cotidiano e a pobreza formam  o tema central do filme Manglehorn, que conta a história de Angelo Mangelhorn (Al Pacino), um chaveiro recluso e solitário que vive no  Texas, onde passa o tempo escrevendo cartas de amor para a sua ex-mulher e  distante  do seu filho Jacob, um empresário bem sucedido e que atua no mercado financeiro.
A rotina de Menglehorn é previsível, ele dissipa  os seus dias monotonamente  na loja e oficina ou atendendo clientes, cuidando do seu gato ou  escrevendo cartas de amor sem receber respostas na caixa do correio, que  pelo desuso e abandono acaba abrigando uma colmeia em formação de abelhas.
A sua rotina previsível e cansativa é rompida sempre às sextas feiras, quando vai ao banco, onde é atendido pela caixa Dawn (Holly Hunter), uma mulher muito mais jovem que ele e também uma pessoa solitária em busca de amor e carinho.
Os dois acabam se encontrando em jantares e visitas, mas tudo cai por terra  quando em um jantar do casal ele tece loas a sua ex-mulher, por quem manifesta um grande encantamento, perdendo assim a chance de transformar o encontro com Dawn num namoro e assim, construir uma futura paixão, assim, ele volta ao seu universo limitado pela solidão, descrença e falta de perspectivas, coisas de quem perde a dimensão do tempo e não acredita no amanhã como explica o personagem num dos monólogos muitos ao longo do filme.
O diretor Gordon Green faz a opção correta  no personagem interpretado Pacino, um ator experiente e que mostra a construção gradativa do homem  socialmente desinteressado e agressivo Angelo Manglehorn, como um ex-treinador de uma equipe escolar de futebol americano. Do relacionamento com ex-alunos e com um filho ficam pistas sobre o crescente isolamento do personagem, de quem as pessoas também se afastaram quando entrou em decadência. 
Em termos didáticos, o diretor usa de forma ampla  fusões de imagens e sequências que revelam as reflexões do personagem sobre a vida e a solidão, mostrando ao mesmo tempo o outro lado da moeda, ou seja, um personagem romântico que sonha na reconquista do amor perdido, que se dissipou no tempo, vivendo em companhia de um gato em quem investe suas poupanças numa cirurgia complicada.
O filme é construído em partes distintas e que se somam: de um lado, o monólogo interior de Pacino que tenta avaliar a dimensão e extensão do seu isolamento ou questionar sobre a sua vida. Há ainda uma cantoria de um cliente e uma funcionária do banco onde Down trabalha e que fala de questões como o amor na sua essência e na fé, isso sem falar nas intervenções de um mímico que surge alegoricamente em várias ocasiões inclusive no final.
Cabem  ainda no filme os diálogos de Menglehorn com o filho a quem chama de tubarão e que o procura quando investigado por supostos crimes no mercado financeiro, a quem pode oferecer apenas o sofá cama na sala modesta e suja da casa onde vive.
O filho, que teve os bens bloqueados, queria palavras de apoio e lembra que não tem com quem falar ou pedir conselhos. Para Menglehorn quando escolhemos esta vida não temos ninguém, pois no mundo é cada um por si. Ele lembra por experiência própria  que nos momentos de crise e de dificuldades   ou na decadência ninguém nem mesmo atende ao telefone e o que é mais grave, “você acaba invisível, nós somos invisíveis”. 
Mas Angelo Manglehorn também tem seus momentos de resiliência e isso é lembrado pelo filho, pois quando irritado, o personagem central quebrou tudo em casa e sem agredi-lo. Cita ainda que ao voltar da escola a casa estava em ordem, a televisão quebrada substituída e o pai apenas comentou que teve uma manhã difícil, mas sem lamentações. Essa capacidade de reconstrução, o Menglehorn tenta numa reaproximação com Down, afinal sempre há espaço e condições para recomeçarmos e até terminarmos alguma coisa antes da morte que é inevitável. (Kleber Torres)

Ficha técnica

Título : Manglehorn
Direção: David Gordon Green
Roteiro: Paul Logan
Elenco: Al Pacino , Holly Hunter , Chris Messina , Harmony Korine
Música : David Wingo
Duração: 97 min
País

2014