A história de todas as ditaduras é sempre a mesma, com a
construção de um regime totalitário, que tem como base o autoritarismo, o medo,
a opressão da população indefesa e o culto à personalidade do tirano, o que se
reflete em estátuas, cartazes e retratos distribuídos em profusão por todos os
rincões de um país, integrando o cenário das casas, lojas, barbearias e mesmo
dos bordeis. Estes também são os ingredientes do filme O Presidente, uma
coprodução franco-britânica-georgiana, dirigido pelo cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, que também assina
"Gabbeh" e "Kandahar".
Tudo começa quando após um golpe de Estado, o Presidente
interpretado por Mikheil Gomiashvili, foge com o seu neto de cinco anos (Dachi Orvelashvili), com quem vivia juntamente
com familiares em um imponente palácio, passando a andar pelo país que governou
disfarçado de músico de rua, uma oportunidade para conhecer de perto a situação do povo que
governou por tantos anos com mão de ferro, gerando um clima de pobreza e insatisfação
generalizada.
O governante foi deposto por um golpe de estado
patrocinado por políticos e militares que conviviam no seu entorno, transformando-se
de aliados em seus adversários mortais que iniciam uma caçada sem quartel, e
tudo ocorre no justo momento em que ele dá uma aula de autoritarismo ao neto,
quando determina que todas as luzes da cidade, menos as do palácio onde vivem
se apaguem.
Em seguida, ele determina ao operador que obedeça as
ordens do neto, que brinca o jogo do poder mandando as luzes se apagarem e
depois acenderem, mas sem retorno, quando após instantes, o silêncio e a
escuridão da noite foram quebrados por tiros e explosões de bombas em toda a
cidade.
Diante da queda iminente, o ditador cuida de embarcar todos os membros da família que fogem de avião
para outro país, optando por ficar
juntamente com o neto, uma companhia inseparável e que veste uma farda igual à
sua, para comandar a reação do seu exército já dividido, quando acaba perdendo
o seu segurança pessoal baleado numa troca de tiros com rebeldes, ficando o
corpo na sua limousine blindada, que logo depois é abandonada.
Diante de uma nação inteira revoltada e mobilizada
pela sua captura, os dois iniciam uma fuga roubando uma moto e depois sob anonimato,
tentam cruzar o país para chegar ao
litoral onde possivelmente embarcariam para o exílio em um porto seguro,
passando por uma série de circunstancias adversas.
Esta louca escapada tem como contrapartida o noticiário
do rádio, que fala das buscas empreendidas por soldados em veículos de combate,
trens e helicópteros, bem como do aumento do prêmio pela cabeça do ditador, que
no filme é tratado como presidente e que chega a ser cotada em US$ 1 milhão.
O fato é que sem dinheiro em mãos e sem amigos a quem
recorrer, os dois passam a viver de esmolas
e de favores, misturando-se com gente
que toda a vida oprimiu durante o período da ditadura. Nesta viagem os dois
passam no salão de um barbeiro onde o velho corta o cabelo e os dois mudam de
roupa, depois incursionam por uma pedreira onde meninos e mulheres são a mão de
obra barata e explorada, depois passam por um lupanar onde a única prostituta
foi seguidamente estuprada pelos soldados que aderiram a revolução, mostrando
que a mudança do regime não implica na mudança da violência da opressão
ganhando uma outra forma e medida. Na casa o retrato do ditador na parede é
alvejado por um soldado revolucionário.
Os dois fugitivos também se misturam a pastores, simulam
ser espantalhos vestindo as suas roupas e depois se misturam a um grupo de
ex-presos políticos estropiados pela tortura nos cárceres do governo do ex-presidente,
a quem um dos companheiros de viagem que levava nas costas confessa ter matado
o seu filho e sua mulher.
O filme revela ainda que a repressão destrói vidas e
esperanças, como a do ex-preso político que volta para a mulher amada depois de
cinco anos nos cárceres da ditadura e a encontra casada e com filhos, optando então
pelo suicídio sugerido em imagens com o uso de um forcado curvo.
O Presidente nos revela por trás dos dramas humanos dos
personagens, uma história trágica sobre a violência, o abuso do poder, a
corrupção e a vingança das vitimas anônimas, como a noiva estuprada pelos
soldados no dia do casamento quando viajava em companhia do marido e que acaba
executada pelos seus algozes.
O roteiro também deixa evidente uma contradição, pois, os
mesmos soldados que querem matar o presidente e o neto são os mesmos que o
serviam no poder e abre espaço para o debate da questão sobre valores e
direitos humanos, até porque se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe
absolutamente transformando até o que seria talvez uma comédia de humor negro numa
tragédia.(Kleber Torres)
Ficha técnica:
Título: O Presidente
Direção : Mohsen Makhmalbaf
Roteiro: Mohsen Makhmalbaf e
Marzieh Mashkini
Elenco : Mikheil Gomiashvili, Dachi
Orvelashvili, Tomike Bziava
Produção : Vova Kacharava, Sam
Taylor, Mike Downet
Idioma : Georgiano
Ano: 2015
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