sábado, 21 de fevereiro de 2015

A Canção de Baal e a Contracultura





Na pretensiosa Canção de Baal (2007),  inspirada na obra do teatrólogo  alemão Bertolt Brecht (1898-1956), que aparece no inicio e no final do filme depondo diante do Comitê de Atividades Antiamericanas (House Un-American Activities Committe), durante o período do mccarthismo nos Estados Unidos, Helena Ignez, estreia seu primeiro longa metragem com uma incursão no universo da contracultura. O filme de 77 minutos tem como referências o texto brechtiano, o qual coincide com a comprovação da teoria da relatividade de Einstein e um conjunto anárquico de personagens envolvidos com a música, a bebida, sexo, drogas e a própria vida.
                     O filme se desenrola como uma experiência estética de ruptura entre o real e a ficção, tendo como referencia um personagem Baal (Carlos Careqa), um artista ou um demônio, para quem cada vicio tem a sua serventia, que surge como um músico e poeta ambulante,  destacando que não há nada para se entender, mas apenas e unicamente sentimentos.
                     Ele é convidado pelo mecenas  Meck para um jantar  em sua homenagem, no qual  escandaliza os anfitriões e convivas com a sua linguagem solta, desbocada, sarcasmo e uma excessiva liberalidade. O artista também deixa implícito  ainda, que quando se entende uma história, é porque ela foi mal contada.
             Em síntese a Canção de Baal foge à linguagem  narrativa convencional, se somando à proposta de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, promovendo em contrapartida  um estranhamento no espectador, que vai um busca de referencias nos fragmentos das sequências aleatórias na montagem de um verdadeiro quebra cabeças. Uma delas coincide com a visita de Einstein ao Brasil.  Einstein e Brecht tiveram um ponto em comum: um foi revolucionário da arte ao se opor ao Nazismo e ao defender o socialismo e o outro com as mudanças de paradigmas da ciência com a lei da relatividade e a física quântica, igualmente contrário à belicosidade de Hitler e dos seus asseclas.  
             O filme também reúne em sua pluralidade e polifonia as diferentes manifestações artísticas unindo  a linguagem da  literatura, ao teatro, à poesia e ao próprio cinema, bem como à música – clássica como as Bachianas  ou popular, inclusive ao rap-, que se fundem à  fotografia e filosofia tendo como eixo transversal  a própria metalinguagem cinematográfica de Helena Ignez, que reflete na sua obra a convivência  com cineastas como Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e Júlio Breassane.
             Canção de Baal também tem referencias ambientais e foi rodado numa fazenda de café no interior paulista, no meio da Mata Atlântica e faz criticas  também à devastação das florestas e o avanço utilitarista da economia de consumo. Em sua visão hedonista e  ao mesmo tempo niilista, Baal vê o amor entre o céu e o chão e bebe no estrume da vida e do mundo, por considerar que Deus se esqueceu do homem e que vivemos um tempo de assassinos e de violência exacerbada.
             Por isso mesmo o poeta e cantador  ambulante questiona o porque de fazer versos, mas sabe que a vida ganha outro sentido e serventia quando nos curvamos sobre as mulheres e anuncia: “enquanto não tiver minha cota de bebida não haverá poesia”.  A sua poesia também é rica em palavrões e rimas de duplo e multiplos sentidos.
             Para ele, que é cantador de cabaré e poeta, amante de uma milionária e gigôlo, a vida é a vaca que você coloca no rio para atrair as piranhas visando deixar a boiada passar. Ele também determina que faça-se a luz, mas ela o ofusca e não deixa que revele a sua alma. O filme termina com uma frase de Einstein: “A razão pura é  a intuição”.  
              O filme inteiramente anárquico é inspirado na peça de Brecht intitulada Baal (1918), que coincide com o ano da comprovação da teoria da relatividade através de fotografias de uma eclipse total do sol. O projeto  de Helena Ignez envolve não apenas o trabalho do elenco, bem como a participação publico não apenas na  fruição da obra, como também na sua percepção e nas suas diversas leituras que transitam do significado ao significante numa trajetória de mão dupla, talvez como no princípio do caos. (Kleber Torres)
Ficha técnica:
Titulo : Canção de Baal
Direção e Roteiro : Helena Ignes
Elenco: Carlos Careqa, Beth Goulart, Simone Spoladore, Djin Sganzerla, Carlos Fugueredo e Felipe Karnnenberg

Ano : 2007