sexta-feira, 23 de abril de 2021

Quando a loucura vai muito além da contracultura



 

Considerado como  um dos  marcos referenciais da “Nouvelle Vague”, movimento de contestatório de cineastas franceses que produziam nos anos 50 e 60 do século passado filmes de baixo custo e de contracultura, o Pierrot le Fou (O Demônio das Onze Horas) é uma produção franco-italiana, de 1965, dirigida por Jean-Luc Goddard, que produziu o roteiro a partir do romance Obsession, de Lionel White. A obra é considerada um cult movie e foi exibida recentemente pelo Telecine como parte dos festejos dos 125 anos do cinema.

Tudo começa quando o professor Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo), que ensinava espanhol e era um leitor assíduo, daqueles que leem até na banheira, vivia desiludido e insatisfeito com a vida pequeno-burguesa que levava. Depois de perder o emprego num  canal de televisão, ele é convidado pela sua mulher italiana para uma festa com amigos e que poderia sinalizar para um novo emprego, com a volta ao mercado de trabalho.

O casal contrata uma babá, Marianne (Ana Karina) para cuidar dos seus filhos durante o evento. Mas, insatisfeito com a festa, Griffon toma um carro emprestado e volta sozinho para casa, onde a bela e jovem babá tenta seduzi-lo. Os dois deixam o local e vão para um apartamento inacabado, onde se envolvem num assassinato, depois e em fuga, eles roubam um carro que deixam mergulhado no Mediterrâneo, no sul da costa francesa.

A partir daí a dupla se envolve numa série de incidentes e ações muitas vezes surreais tendo algumas delas como referência textos de livros sobre arte e filosofia. Ele também escreve um poema concreto, que se intercala com os textos e cenas do filme. Os dois também se envolvem com guerrilheiros, terroristas e traficantes de armas, com Griffon sendo chamado por diversos codinomes pela amante.

O filme, que tem a ver com a proposta glauberiana de uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, termina de forma bizarra e até inesperada como uma explosão de metáforas, o que permite várias releituras, ilações e análises mais diversas para o espectador.(Kleber Torres(

 

Ficha técnica:

Título : O Diabo das Onze Horas (Pierrot le Fou)

Direção e roteiro:  Jean-Luc Goddard

Elenco : Jean-Paul Belmond,  Anna Karina, Graziella Galvani,

Gênero : Drama

Música : Antoine Duhame e Boris Bassiak

Direção de fotografia : Raoul Coutard

Origem : França-Itália

1965

115 minutos


sábado, 10 de abril de 2021

O vinculo nem sempre sutil entre o poder e o crime organizado



 

Il Divo – la spettacolare vita de Giulio Andreotti  é um filme biográfico que traça a trajetória  política do primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti, interpretado por Toni Servillo, um dos líderes da Democracia Cristã, indicado sete vezes para a presidência do conselho de ministros e outras 25 para integrar o ministério. Tudo começa partir de sua última eleição em 1992 e revela as ligações de Andreotti com o crime organizado inclusive promovendo assassinatos políticos, como o que resultou na morte do jornalista Mino Pecorelli, em 1979 um dos seus críticos mais ferozes.

Ele manteve um grupo de seguidores fieis e sua vinculação com a máfia foi revelada através de depoimentos e denúncias  de diversos mafiosos presos como Tommaso Buscetta (Gaetano Balisteri),  que foi preso no Brasil em 1983 e cujas informações causaram prejuízos para a Cosa Nostra na Itália e nos Estados Unidos, onde morreu 17 anos depois.

O filme que tem uma narrativa lenta também revela  um suposto encontro de Andreotti, que era chamado pelos seus críticos de O Divo, Primeira Letra do Alfabeto, Corcunda, Raposo, Salamandra, Moloch, Papa Negro, Homem das Trevas e Belzebu, com o chefe Totó Riina citado nos vários processos do ex-primeiro ministro italiano, que chegou a ser absolvido em alguns deles por falta de provas.

A história relata o período compreendido desde a restauração da democracia italiana  no pós-guerra, entre 1946 e 1992,  com sua indicação por sete vezes para a chefia do governo italiano e para composições ministeriais. Giulio Andreotti aparece como um político hábil, articulado e de comportamento heterodoxo, indo sempre à Igreja, mas usando práticas escusas para se manter no poder a qualquer preço até mesmo com o custo de vidas humanas.

Il Divo revela a ação da loja maçônica P2, que atuava nos bastidores do poder em conjunto com a Democracia Crista, que teve entre as suas peças chaves Amintore Fanfani, Giulio Andreotti e Aldo Moro, executado depois de permanecer 55 dias em poder da Brigada Vermelha   e que em cartas escritas no cativeiro, denunciava as práticas heterodoxas da DC.

Para exemplificar a sua capacidade de sobrevivência Andreotti conta no filme, que um médico lhe deu seis meses de vida e ao retornar para nova consulta, quem tinha falecido foi o médico. No filme, ele sai à noite andando em companhia de seguranças pelas ruas de Roma para verificar in loco pichações que o denunciavam por massacres e conspirações. Ele também ia a igreja regularmente durante a madrugada e foi comparado pelo pároco que o recebeu, com o primeiro ministro Alcide de Gasperi. “que falava com Deus, enquanto ele falava com os padres,” justificando ironicamente que fazia assim porque os padres votam.

Ele também dizia que não acreditava no acaso, mas na vontade de Deus e não se queixava dos críticos, porque considerava que tinha um senso de humor, mas tinha também em seu poder um grade arquivo dos aliados e desafetos. Andreotti destacava ainda que “a ironia é a melhor forma de cura para não morrer, mas as curas para os que vão morrer são atrozes”.  

 

Isolado e abandonado por aliados que também respondiam a processos por corrupção, ele se defende no julgamento dizendo que os seus acusadores “não fazem ideia sobre os delitos que tive cometer para garantir o bem-estar e o desenvolvimento do país durante muitos anos. Eu fui o poder e vivi a monstruosa invisível contradição de perpetrar o mal para garantir o bem estar coletivo”, com um custo de 236 mortos e 817 feridos em diversos incidentes numa estratégia de tensão a  de sobrevivência com o uso da força, da violência e da intimidação. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Il Divo – la spettacolare vita de Giulio Andreotti  / O Divo

Diretor e Roteirista : Paolo Sorrentino

Elenco : Toni Servillo, Ana Bonaiuto, Flávio Bucci, Carlo Bucciroso, Piera Degli Esposti, Paolo Graziosi, Giulio Bosetti, Massimo Popolizio, Giorgio Colangeli,  Alberto Cracco, Lorenzo Gioielli e Gaetano Balistreri

Música : Teho Teardo

Cinematografia : Luca Bigazzi

120 minutos

sábado, 3 de abril de 2021

Uma biografia em P & B do pior cineasta do mundo

  

 

 


  

Rodado em preto e branco, o filme Ed Wood,  dirigido por Tim Burton faz uma biografia de Edward Davis Wood Júnior, ator, diretor e produtor de Glen or Glenda, Jailbait, Bride of Monster (A Noiva do Monstro) e Plano 9 do Espaço Sideral, considerado pela crítica o pior diretor de todos os tempos, um título que lhe foi outorgado oficialmente após a sua morte. O filme teve o roteiro  baseado no livro Nightmare of Ecstasy : Life and arte of Edward D. Wood Jr, de Rudolph Grey e que foi um fracasso de bilheteria, com um custo em 1994 de US$ 18 milhões de dólares, mas rendendo aos produtores menos de um terço do valor investido no projeto.

No filme Ed Wood é um produtor e diretor de filmes eróticos, de terror e de ficção científica, nem sempre nesta ordem, interpretado por Johnny Depp, numa excelente reconstrução de um complexo personagem,  que também se travestia vestindo roupas femininas e usava a criatividade e o jeitinho para enfrentar as eternas limitações financeiras na produção de seus filmes, bem como no uso de efeitos especiais. Wood usava os recursos mais heterodoxos e que acabavam com resultados risíveis para os espectadores.

Wood reuniu, nos anos 50, um grupo de artistas como a Vampira (Lisa Marie) e o vidente Criswell (Jeffrey Jones) que o seguiam e participavam dos seus filmes ao lado de Bela Lugosi (Martin Landau), ator de mais de uma centena de filmes, que havia interpretado o conde Drácula,  já em final de carreira, viciado em morfina e em decadência.

O filme faz um cruzamento entre a trajetória de Ed Wood, que morreu pobre, com problemas de depressão e alcoolismo em 1978. A biografia cinematográfica  conquistou dois Óscares com Martin Landau como melhor ator coadjuvante pela sua interpretação  de Bela Lugosi e com Rick Baker com a sua equipe na categoria melhor maquiagem em 1995.

O filme além de narrar as trajetórias de Ed Wood e de Bela Lugosi nos últimos anos de sua vida,  também faz um contraponto entre o pior cineasta que se compara sempre e acaba tendo um encontro casual em um bar com Orson Wells (Vincent D’Onofrio), autor do antológico Cidadão Kane, com quem dialoga sobre os dramas de um diretor sempre em confronto com os produtores, que cobram resultados pelos seus investimentos.

A biografia cinematográfica de Ed Wood também revela sua ligação com o cross-dressing, ou seja, o hábito de vestir roupas femininas como a drag  Shirley, que foi seu alter ego nos seus últimos anos de vida e segundo o próprio, sem nenhuma conotação homossexual pois sentia atração pelas pessoas do sexo oposto ao seu. O filme merece ser visto e enriquece o acervo de informações e conhecimento para os cinéfilos, que vão conhecer os bastidores do cinema que nem sempre é colorido e muito menos glamuroso. (Kleber Torres)  

 

 

 

Ficha técnica :

Título : Ed Wood

Diretor : Tim Burton

Roteiro : Tim Burton, Scott Alexander e Larry Karaszewski

Elenco : Johnny Deep, Martin Landau, Sara Jessica Parker, Patrícia Artquette, Jeffrey Jones, E.D. Spradlin, Vincent D’Onofrio, Lisa Mariue e Bill Murray

Música : Howatrd Shore

Cinematografista :Stefan Czapsky

Gênero : Drama e biografia

EUA

1994

127 minutos