quinta-feira, 4 de abril de 2024

O homem que descobriu a dimensão da eternidade através da música

Um gratificante passeio musical e histórico na vida e obra de Afredo da Rocha Viana Fiho, Pixiguinha, que viveu no período de 1897 a 1973, considerado um dos ícones e um dos pais da MPB, assim pode ser definido o filme “Pixinguinha, um homem carinhoso”, dirigido a quatro mãos por Denise Saraceni e Alan Fiterman. O filme também explora as coincidências históricas do seu nascimento em 23 de abril, dia de São Jorge e com relação à sua morte num sábado de Carnaval, no interior da Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, o que metafóricamente seria o seu primeiro passo para a sua santificação. O filme narra a vida do menino negro e de família humilde, que descobre a sua vocação musical e inicia uma escalada ao sucesso como compositor, arranjador, maestro, flautista e saxofonista. O roteiro inclui uma viagem à França em companhia dos Oito Batutas, que difundiram no continente europeu o samba e o choro no período de avanço do jazz e do ragtime, primeiro gênero musical autêntico norte-americano, que conquistava com sua sonoridade e ritmo uma dimensão global. A viagem à Europa também marca a descoberta do amor pelo músico brasileiro que nos legou composições como Carinhoso, Glória, Lamentos, Um a Zero e o antológico Urubu. “Pixinguinha : um homem carinhoso” não só procura traçar a trajetória do artista, interpretado com esmero por Seu Jorge, bem como os seus dramas existenciais, a paixão pela mulher Betti (Taís Araújo), a adoção de um garoto, além das dificuldades de um músico para quitar dívidas com a casa própria ou tendo de se desfazer de um carro para quitar débitos pessoais num período de decadência. O filme trata superficiamente do envolvimento de Pixiguinha com o álcool e sobre os motivos que o levaram a trocar a flauta pelo saxofone. Um outro destaque fica para a sequência final do fime mostrando o que ocorreu logo após a morte de Pixinguinha, homenageado pela banda de Ipanema, cujos integrantes se concentraram em frente a Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, onde estava o corpo do artista, cantando Carinhoso. Essa é uma tradição carnavalesca que tem se repetido ao longo dos anos. A obra retrata as dificuldades de ascensão de um artista negro numa sociedade racialmente dividida e também entre ricos e pobres sem acesso à incusão social, que copiava os ditames e os modelos da Europa e Estados Unidos. Pixiguinha destaca a contribuição da cutura negra à MPB e a integração cutural através da arte, em especia à musica. Cabe destaque a peformances antólogicas do flautista Pixiguinha em Carinhoso, considerada como uma espécie de hino popular brasieiro e que ganhou uma dimensão internacional. Em sintese, “Pixiguinha : um homem carinhoso” resgata o legado musical de um artista imortal, que transitou do samba para o maxixe, o choro, passando pelo jazz e pela bossa nova singrando rumo à eternidade. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : Pixinguinha : um homem carinhoso Direção : Denise Saraceni e Allan Fiterman Roteiro : Daniela Dias e Denise Saraceni Elenco: Seu Jorge, Taís Araújo, Miton Gonçalves, Danio Ferreira, Jhama. Tuca Andrade, Pretinho da Serrinha e Ângelo Fávio Fotografia : Jean Benoit Crepon Música : Cristovão Barros Gênero : Musical / Drama 2021 1 hora e 41 minutos Brasil Cor

terça-feira, 19 de março de 2024

Uma experiência radical na busca da inguagem e da forma para uma outra dimensão do terror

Considerado um trabalho experimental inovador, o canadense “Skinamarink: Canção de Ninar”, dirigido e roteirizado por Kyle Edward Ball, tem toda a ação num ritmo vagaroso e apresenta uma estrutura narrativa fragmentada, com contornos impressionistas a partir das imagens difusas ou do contraste de sombras e luzes, o que aponta para a busca de uma nova linguagem e de uma nova forma para o filme de terror. O filme também é uma incursão no universo do suspense e da fantasia através de uma abordagem inovadora no gênero, mas que se tornou viral circulando através do Reddit, TikTok e do YouTube após ser exibido em festivais de cinema na segunda metade de 2022, ano do seu lançamento no mercado global. A narrativa envolve dois irmãos, Kaylee (Dale Rose Tetreaut), de seis anos, e Kevin (Lucas Paul), de quatro, que acordam numa manhã de 1995 e descobrem que os pais simplesmente sumiram. Em paralelo, como complicador, todas as portas e janelas de casa – um prédio com dois andares e um porão - desapareceram. No meio de imagens difusas, como num fime amador, uma das crianças pergunta a um amigo invisível se ele está se escondendo e conta lentamente até três. Sem imagens de personagens, como ocorre em quase todo o fime, emerge a voz do pai (Ross Paul) narrando no telefone um suposto acidente domestico, dizendo que o filho caiu e bateu a cabeça. Já a criança chama várias vezes pelo pai, mas sem resposta. A televisão é ligada e começa a exibir antigas fitas de vídeo com desenhos animados, em paralelo fatos estranhos começam a ocorrer no interior do imóvel. Uma das crianças diz que não consegue dormir com as luzes acesas. Em seguida Kaylee chama Kevin e pergunta se não está na hora de levantar. Os dois começam a procurar pelos pais e uma voz feminina explica que ele pode ter saído com a mamãe. Kaylee diz que não quer falar sobre a mãe. Ao mesmo tempo coisas misteriosas começam a ocorrer com desaparecimento de objetos diversos no interior do imóvel, como por exemplo o vaso sanitário. No andar superior luzes acendem e apagam, enquanto uma voz masculina diz à menina para que suba as escadas, ela obedece e não vê nada depois de orientada para olhar até debaixo da cama. Uma voz materna diz a Keylee e a Kevin, que ela e o pai o amam. Depois, a mesma mulher manda Kaylee fechar os ohos e em seguida manda a menina voltar para o andar inferior. Ela leva suco para o irmão, enquanto os objetos são movidos diante a televisão. A dúvida para o espectador é se existe alguém na casa ou se há uma força sobrenatural atuando e cuidando das crianças. O fato é que“Skinamarink” compartilha uma série de semelhanças com o cinema impressionista. Nele há o uso inovador de recursos visuais e sonoros para criar uma atmosfera de medo e desconforto, a partir do contraste de luzes e sombras, o que reforça a sua estrutrura experimental e inovadora complementada pela ausência visual dos personagens, como foco na participação de vozes difusas, deixando fluir a imaginação do espectador. Numa outra sequência, Kevin é chamado pela voz misteriosa a ir para o porão. E Kaylee, com medo, chama pelo irmão e diz que está se sentindo estranha. Emerge a imagem difusa de uma muher e o som de passos correndo pea casa, enquanto só brinquedos das crfianas são desarrumados, uma outra voz diz a Kevin para que durma. Nesse interim, os binquedos voltam para a sala e a voz do homem informa que ele quer brincar. Kevin chora e desperta ofegamte quando é acordado pela voz, que lhe diz que pode fazer quaquer coisa, demonstrando sua força e poder sobrenatural. A voz diz a Kaylee não o obedeceu e lhe disse que preferia ficar com o pai, por isso ele tapou a sua boca . Depois, o homem chama Kevin e promete protegê-lo. Num registro, 572 dias após o início do drama, os brinquedos se acumulam na parede e no teto, Kevin chama Keylee e pergunta se algo alegra ao misterioso personagem que o manda dormir, mas não responde quando perguntado pela criança qual o seu nome. Esse hiato tempo informado no fime pode oferecer várias explicações numa anáise para o espectador. A primeira seria a possibiidade de que Kevin havia entrado em coma após cair da escada num acidente doméstico. Nesse interim, o que se passa no fime e que o assustaram e à sua irmã seriam as experiências no subconsciente da criança durante o coma, quando as pessoas ouvem e têm em muitos casos consciência do que se passa no seu entorno. Outra visão implicita, seria a de que uma entidade sobrenatural estaria atuando na casa e poderia manipular o tempo e o espaço afetando vidas humanas e mudando inclusive a essência das coisas, muito além das leis da própria física. Assim, o período de tempo da narrativa representa o tempo que passou entre o desaparecimento do pai de Kevin e o momento em que ele vê a sua face difusa, ou seja, quando acorda do coma. O nome do filme “Skinamarink”, que não tem nem significado espeecífico e nem tradução para o português, pega como referência uma canção de ninar que se tornou muito popular no início do século XX nos Estados Unidos e que foi escrita para uma produção da Broadway, “The Echo”, apresentada em 1910. Na versão brasileira o título “Skinamarink: Canção de Ninar”, evoca uma canção de ninar que foi transformada num pesadelo que transita entre o real e o sobrenatural. Como obra experimental, se observa em “Skinamarink”a construção de uma história minimalista que associa os múltiplos contrastes entre a ausência de personagens, com sons do ambiente e imagens difusas entre luzes e sombras, o que nos remete a sequências nostálgicas e a filmes amadores. Tudo isso gera uma atmosfera instigante, que deixa os espectadores desorientados e desconectados sobre o próprio enredo da história com as suas multiplas alternativas, o que dificulta a compreensão da obra e deve alertar sobre os múltiplos caminhos da arte e da invenção ou não. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : Skinamarink / Skinamarink : Canção de Ninar Direção e roteiro : Kyle Edward Ball Elenco : Lucas Paul, Dali Rose Tetreault, Ross Paul e Jaime Hill Fotografia : Jamie Mcrae Origem : Canadá 2022

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

O humor eterno de um trapalhão que transitou no samba, na televisão e no cinema

O humor eterno de um trapalhão que transitou no samba, televisão e no cinema Para quem não estava macetando no Carnaval e nem preocupado com o apocalipse ou mesmo o arrebatamento do juízo final, uma opção de lazer com humor e samba ficou para o documentário “Mussum, o Filme do Cacildis”(2018), exibido pelo Cine Brasil e biográfico “Mussum, o Filmis”(2023), no TV Brasil Play, que pode ser acessado através de streaming. O primeiro, foi um documentário narrado por Lázaro Ramos, assinado por Suzanna Lira, que dirigiu Torre das Donzelas e Clara Estrela e o segundo, de Silvio Guindane, a partir de um livro do escritor e roteirista Juliano Barreto. Em essência, “Mussum, um Filme do Cacildis”, é um documentário sobre a vida e a carreira do humorista e sambista Antônio Carlos Bernardo Gomes, mais conhecido como Mussum, que morreu aos 53 anos após um transplante de coração. O filme começa com uma explicação didática sobre forever, que em inglês significa para sempre e que dá a dimensão eterna de um artista. Mas forevis, da linguagem mussunica com seus is nos finais das palavras, é outra coisa, definindo inclusive uma parte retrofuricular do corpo que a terra há de comer. Como artista Mussum foi humorista e sambista, destacando-se um dos integrantes do grupo Os Trapalhões, que fez muito sucesso na televisão brasileira nas décadas de 1970 e 1980, falando a linguagem do povo e mostrando Didi, como um nordestino sofrido e esperto; Dedé, como um galã da periferia; Zacarias, um mineirinho caipira e Mussum, como um malandro mangueirense e um carioca do morro. Ele também foi vocalista do grupo Os Originais do Samba, que misturava samba e humor em suas músicas, como a do antológico assassinato do camarão. “Mussum, um Filme do Cacildis” é narrado com depoimentos de familiares, amigos e colegas de trabalho de Mussum, além de imagens de arquivo e cenas de seus filmes e programas. O filme também revela uma outra face do artista: o lado mais sério e engajado de Mussum, que lutou contra o racismo e a desigualdade social, usando o humor como uma forma de resistência e de afirmação da sua identidade negra. Baseado no livro “Mussum Forévis – Samba, Mé e Trapalhões”, de Juliano Barreto, que assina o roteiro de “Mussum, o Filmis” (1923), dirigido por Silvio Guindane e estrelado por Aílton Graça como Mussum. O filme, premiado no 51º Ferstival de Cinema de Gramado, abocanhando seis prêmios e uma menão honrosa – como melhor filme, melhor ator, melhor atriz e melhor ator coadjuvante, além da melhor trilha musical e melhor filme no júri popular- narrando a trajetória do artista desde a infância pobre, sua formação escolar, carreira miitar, sua ligação com a Mangueira, o Flamengo e o sucesso de Antônio Carlos Bernardes Gomes, integrante do grupo Os Originais do Samba e de Os Trapalhões. O filme resgata a sua trajetória como sambista e passista, além de gags do humorista e cenas antológicas dos Trapalhões na televisão e no cinema, registrando a participação arttística de Carlinhos do Reco-Reco rebatizado como Mussum por Grande Otelo. Também mostra a sua relação com a mãe Malvina (Cacau Protásio) e com os seis filhos, revelando como um menino do morro chegou ao estrealato e hoje refulge com seu humor na eternidade através do cinema e dos livros.(Kleber Torres) Ficha técnica : Título : Mussum, o filmis Direção : Silvio Guindane Roteiro : Juliano Barreto Elenco : Ailton Graça,Vanderlei Bernardino,Neusa Borges, Gero Camilo, Jeniffer Dias, Késia Estácio, Cinara Leal, Thawan Lucas, Yuri Marçal, Cacau Protásio,Felipe Rocha, Hugo Germano, Gustavo Nader, Christiano Torreão Diretor de Fotografia : Nonato Estrela Música : Max Castro Colorido 2022 Brasil

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

As metáforas e símbolos da luta pela vida em um mundo distópico

As metáforas e símbolos da luta pela vida em um mundo distópico Como nos filmes policiais do tipo noir, com uma atmosfera sombria, ambientação urbana, temática criminal e anti-heróis, a história de “Blade Runner – O Caçador de Andróides”(1982), de Ridey Scott, considerado um clássico da ficção científica, é narrada na terceira pessoa, a partir do ponto de vista de Rick Deckard (Harrison Ford). Ele é um caçador de andróides convocado para recolhimento, ou seja, eliminação sumária de quatro replicantes mais avançados, do tipo Nexus 6, considerados de útima geração, que escaparam de uma colônia espacial, cometeram uma série de assassinatos e voltaram para a Terra em busca do seu criador. O filme discute através de metáforas, diálogos instigantes e símbolos em profusão a questão da vida e a essência do medo, além de revelar as incertezas existenciais do amanhã e da própria morte. Blade Runner também revela o ponto de vista de Roy Batty (Rutger Hauer), um dos villões icônicos do cinema, que lidera os replicantes na busca para encontrar o seu criador para tentar prolongar a sua vida útil, que tem a duração limitada a um período médio de quatro anos. Mostrando como cenário uma Los Angeles futurista e decadente, a partir de novembro de 2019, o filme une técnicas expressionistas acentuadas pelo contraste entre luzes e sombras, tendo como pano de fundo uma atmosfera sombria, complementada com uma trilha sonora de música eletrônica de Vangelis, com uma mistura jazz, sintetizadores e elementos neoclássicos. O filme, baseado na novela “Do Androids Dream of Eletric Sheep” (Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas”, de Philip K. Dick, sobre um futuro distópico em que humanos convivem com replicantes num mundo caótico e em decadência apesar dos avanços e dos recursos tecnológicos disponíveis. Bade Runner não só utiliza efeitos fotográficos especiais, como também revela uma série de símbolos e metáforas que podem servir de pistas ao espectador para a compreensão da obra e mesmo com relação a mensagens e temas específicos, a exemplo do olho que emerge nas sequências iniciais ou mesmo do unicórnio, da chuva e os origamis. Tudo começa quando um ser humano artificial (replicante) detido pela polícia, Leon (Brion James) se rebela num teste de rotina e mata o seu examinador, que faz uma série de perguntas encadeadas para checar suas reações e identificar se o mesmo seria ou não, um ser humano. A crime faz com que o detetive Rick Deckard, um velho caçador de andróides, seja convocado por um oficial de polícia para a caça de um grupo de quatro replicantes que estão à solta nas ruas de Los Angeles, depois de sequestrarem uma nave que ia a uma colônia espacial, matando todos os passageiros e tripulantes. O poicial destaca para Deckard que quem não é da polícia, é da escória e estaria fora do sistema. Ele também apresenta os dossiês com informações do líder da rebelião Roy Batty, bem como de Leon, de Zhora (Joanna Cassidy), criados para trabalhos cansativos na mineração, não adequados aos humanos e Pris (Daryl Hannah), projetada como um modelo básico e prazer. No preparo para sua nova missão, Rick Deckard entrevista Rachel (Sean Young), uma suposta repicante, que questiona ao policial se ele não havia cometido erros ao confundir humanos com andróides. O teste em si envolve uma série de 20 a 30 perguntas com referências cruzadas, que devem ser respondidas de forma simples e objetiva. Ele acaba suspeitando que Raquel não seja, talvez, uma replicante, mas a dúvida fica no ar. Na tentativa de chegar ao seu criador, Roy encontra um técnico que produz os olhos dos replicantes e este lhe indica J.F.Sebastian (William Sanderson), especialista em robótica da Tyrell, empresa fabricante de andróides em laboratório e que opera em escala industrial. Ao mesmo tempo, Rick Deckard localiza Pris numa casa noturna, a quem se apresenta como integrante de uma comissão de investigação de assuntos éticos, ou seja, assédio moral, mas acaba matando-a com um tiro nas costas após uma perseguição nas ruas de LA. Observado em ação por Leon, o policial acaba atacado por ele dizendo: “acorde, é hora de morrer”. Leon fala sobre a essência do medo e, depois de uma luta intensa, acaba morto por Rick Deckard. Já Sebastian, que sofre da síndrome de Maqtusaém, a qual provoca o seu envelhecimento precoce, constata, no seu encontro com Roy e Zhora, que eles são diferentes e perfeitos, uma caracteristica do Nexus 6, a útima geração de replicantes. Roy lhe explica que eles não são computadores criados em laboratórios, mas seres vivos que querem a duração de suas vidas ampliadas e ele o leva ao desenvolvedor do projeto com quem joga xadrez online regularmente. No encontro com Roy, o doutor Eldon Tyrell, cientista responsável pela produção de andróides e lider do grupo empresarial que leva o seu sobrenome, pergunta qual é o problema que aflige ao replicante que responde: “a morte. Eu quero viver”. O cientista contrargumenta mostrando que o código genético não pode ser corrigido e os riscos decorrentes deste procedimento, o que envolve um debate acadêmico, observando: “você foi feito da melhor forma possível. Você é o fiho pródigo, é o prêmio... comemore o seu tempo. Você fez coisas extraordinárias, aproveite a vida”. Num gesto edipiano, Roy acaba cegando com as mãos e matando ao seu criador. Na sequência,Rick Deckard acaba eliminando Zhora e enfrenta a Roy numa luta violenta, mas decisiva. Inexplicavelmente, num lampejo humano, o replicante que confessa ter visto coisa que os humanos não acreditariam, acaba salvando o policial evitando que o mesmo caísse do prédio onde lutavam e acaba morrendo devido à extinção do seu ciclo de vida. Deckard conta quer não sabe porque foi salvo pelo andróide, talvez o seja porque ele amou a vida que queria viver. Talvez suspeitando que também seja um replicante, ele acaba indagando sobre quem é, para onde vai, ou quanto tempo de vida tem, mas lamentando, ser uma pena que ele (Roy) não vai viver, mas afinal, quem vive? Ao reencontrar com Raquel, ela questiona Deckard que se fugisse para o norte, ela seria seguida pelo policial ao que o mesmo respondeu: “não, porque você salvou a minha vida...Mas alguém iria”. Ela também indaga sobre os arquivos existentes sobre ela, com data de oigem, morfologia e outros dados pessoais, ao que o policial responde que são informações confidenciais. Ele também comenta que adora música e não sabia que ela tocava. Mesmo retrantando um mundo distópico e sombrio, Blade Ruinner tem na primeira das muitas cópias conhecidas um final feliz, com o policial e Raquel fugindo para uma terra bafejada pelo sol. Em tempo: quando os dois estão deixando LA, Deckard acha um origami de unicórnio, o que reforça a dúvida no ar de que ele também seja um replicante. Os críticos consideram que existem pelo menos três versões básicas do filme : a versão dos produtores, que foi aos cinemas em 1982; a versão do diretor, que foi lançada dez anos depois, e a versão final, editada pelo próprio Ridley Scott em 2007, com a sua versão pessoal. Mas ao que consta existem sete versões ao ongo do tempo. Ao espectador, cabe observar que cada versão apresenta diferenças pontuais na narração, mas, no final das contas e em essência, as mudanças de alguns detalhes da história não alteram a narrativa e o enredo, mostrando que existem diversas formas para narração e que são infinitos os limites da criação ou mesmo para fruição de uma obra de arte. Em 2017, o filme ganhou uma sequência Blade Runner 2049, dirigida por Denis Villeneuve e estrelada por Ryan Gosling e o próprio Harrison Ford, já envelhecido, 30 anos após o início da distopia e revelando um novo olhar sobre o caçador de andróides, quando o policial encarregado de caçar e eliminar replicantes levanta novas pistas sobre um segredo que pode mudar o destino da humanidade ou da própria história. Em essência, Blade Runner nos alerta sobre o futuro e os avanços tecnológicos, em função dos perigos do consumismo exagerado, da exploração intensiva dos recursos naturais e com o aumento da desigualdade social, gerando concentração da renda. O fime mostra uma Los Angeles poluída, superpovoada e violenta, onde os animais estão em extintos e as pessoas vivem em condições precárias. O filme também envolve um debate existencial sobre a função de ser e estar (vivo) num mundo com seus contrastes e circunstâncias, ampliando o debate sobre o que nos torna humanos e o que nos diferencia dos andróides, que não têm uma história de vida e ganham referenciais históricos através de informações fotográficas de outros viventes, que foram simplesmente implantadas em suas memórias. Blade Runner também nos faz refletir sobre o valor da vida e o respeito pelo outro, e quem sabe, sobre o amor ao próximo ou mesmo ao distante quando a trama envolve seres humanos e andróides, isso nnum tempo em que a inteligência artificial ganha vida, assume protagonismos e dá novos contornos a este vasto universo com todas as possibilidades. Todo este conjunto de fatores complexos nos convida a pensar sobre o papel da tecnologia e as suas consequências, afinal, neste contexto a memória, a história e a linguagem são construídas, manipuladas e fragmentadas, podendo ser implantadas ou simpesmente deletadas, colocando em cheque a própria realidade e a existência de cada um de nós como seres efêmeros e transitórios. (Kleber Torres) Ficha técnica : Título : Blade Runner (Bade Runner – O Caçador de Andróides) Direção : Ridley Scott Roteiro : Hampton Fancher e David Peoples Elenco : Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, M. Emmet Walsh, Daryl Hannah, William Sanderson, Brion James, Rian Gosling, Joe Turkel, Joanna Cassidy Diretor de fotografia : Jordan Cronemweth Visual Futurista : Syd Mead Supervisão de efeitos fotográficos especiais: Douglas Trumbull e Richard Yoricich Music : Vangelies Origem : Estados Unidos e Hong Kong Colorido 2 h e 3 minutos 1982

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O que fazer quando o tempo se transforma num bem de consumo?

O tempo é o bem mais precioso do universo e esta é uma das lições do filme “O Destino de Júpiter” (Jupiter Ascending), uma obra de ficção científica, aventura e ação intergalática dirigido e roteirizado pelas irmãs Lily e Lana Wachowski, que também assinaram a série Matrix, considerado um dos maiores clássicos sci-fi da história do cinema. O enredo tem como foco a história de Júpiter Jones (Mila Kunis), que leva o nome do mais belo planeta do sistema solar, filha de uma família de origem russa, que vive modestamente como uma empregada doméstica em Chicago, nos Estados Unidos e, é ao mesmo tempo, numa espécie de universo paralelo, descendente de uma linhagem nobre interestelar, o que a coloca como sucessora natural do trono como presumível Rainha do Universo. No início do filme, a personagem se autodefine como uma alienígena em situação irregular – o que seria uma espécie de imigrante sem passaporte -, nascida sob o signo de leão, com Jupiter a 23 graus, o que a torna destinada à grandeza. Ao tentar conseguir dinheiro vendendo óvulos numa clínica para a compra de um telescópio similar ao de seu pai, uma astrônomo amador que morreu durante um assalto ao tentar proteger o equipamento, ela recebe a proteção de Caine Wise (Channing Tatum), um ex-militar alterado geneticamente que tem por missão protegê-la a todo custo e levá-la para assumir seu lugar de direito em outro planeta fora do sistema solar. Wise explica a Júpiter que a terra não é o único planeta habitável no universo e que há vida inteligente na galáxia. Ele explica ainda, que a raça humana foi desenvolvida em outro planeta há um bilhão de anos e a Terra foi semeada pela Indústria Abrasax, controlada por uma família do mesmo nome, há cerca de 100 mil anos gerando uma nova era da genética, um processo continuo de manipulação de gens em que as células danificadas são substituídas por novas, o que torna o planeta dos terráqueos uma parte mínima de uma indústria ampla e complexa de genes que opera numa escala interplanetária. Fica evidente no filme, que só há um recurso fundamental que vale a pena lutar e morrer: o tempo, que aparece como o bem mais precioso numa dimensão universal. “O Destino de Júpiter” embute em sua essência uma crítica ao consumismo da nossa civlização e à posse de bens , o que leva o espectador a refletir sobre hábitos de consumo e a valorização de posse de recursos materiais. A obra também discute sobre a questão do poder político e econômico, bem como das comunidades, grupos com interesses difusos, corporações, a família ou mesmo o bem-estar coletivo, sem deixar de lado a essência dos valores e da transvalorização. “O Destino de Júpiter” evidencia ainda questionamentos sobre a burocracia – crítica implícita para a posse da nova Rainha do Universo – negociada através de um advogado ciborgue, que também faz referências à corrupção que estaria fora do seu escopo. Há ainda referências ao papel da mulher na sociedade, mesmo quando uma proletária que faz limpeza de sanitários se descobre herdeira de uma linhagem nobre intergalática, o que coloca em pauta questões como as mudanças sociais e o enfrentamento de desafios e mesmo da adversidade. Tudo isso também passa pela exploração econômica através dos monopólios e pela desigualdade para promoção de uma efetiva justiça social, o que coloca na agenda do processo temas como a coragem e a resiliência do indivíduo na eterna luta pela sobrevivência dos seres vivos. De certa forma o filme compartilha algumas semelhanças com “Matrix”, uma outra obra assinada pelas irmãs Wachowski, uma vez que ambos exploram o fato de que a realidade como a conhecemos pode ser uma ilusão controlada por forças poderosas. Nos dois filmes os personagens centrais são pessoas comuns como Neo, um programador de computadores escolhido para libertar a humanidade num universo controlado por máquinas e Júpiter, uma faxineira que acaba arrebatada para um universo paralelo por ser uma reencarnação de uma rainha intergalática. Ambos têm uma missão especial no universo e um destino transcendente. Outro ponto em comum nos dois filmes é a crítica política aos sistemas dominantes. Em “Matrix” a humanidade é submetida ao domínio de máquinas através de uma realidade virtual, o que gera uma revolução, enquanto no caso de “O Destino de Júpiter” o planeta foi terraformado para suportar um ecossistema com seres vivos como parte de uma grande indústria cósmica, que operam ativos genéticos de homens e animais. Há que atribua ao filme – que é rico em efeitos especiais e lutas espaciais - influência parcial da “Odisseia”, de Homero, um clássico da literatura universal, tendo como referência as peripécias de Ulisses na Grécia Antiga ou com o conto de fadas francês “A Bela e a Fera”, de Gabriellle-Suzanne Barbot, o que é desacreditado por alguns críticos, os quais também não veem similaridade entre os mesmos. São risíveis alguns diálogos que escapam ao humor refinado, como por exemplo, quando a rainha se declara apaixonada pelo seu protetor, o qual tem no seu DNA gens de cachorros, um animal que diz amar. Em outra cena, o tabelião da corte estelar dá os parabéns e pêsames à nova rainha, prevendo as possivelmente dificuldades que iria enfrentar no confronto com os Abrasax: Balem ( Eddie Redmayne), Titus (Douglas Booth) e Kalique (Toppence Middleton), que formam uma família disfuncional e com estratégias conflitantes no controle dos seus negócios monopolistas. O próprio Titus diz em determinado momento, que gosta das próprias mentiras que conta. Em essência, ao criar vidas e destruí-las em função de interesses econômicos, a família e conglomerado Abrasax define como prioridade de negócio a geração e maximização de lucros, como acontece com os demais empreendimentos econômicos. Eles ensinam também com relação ao consumo, que viver é consumir e os seres humanos são consumidores vorazes vivendo num mundo e num universo em que os recursos naturais são escassos, inclusive o tempo, que aparentemente estaria fora deste contexto por não ter uma essência física como os minerais, a água e o ar, que se transformam em capital inclusive especulativo. Mas seria está a única regra e solução da equação do jogo da vida? (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending) Direção e Roteiro : Lily Wachowsky e Lana Wachowsky Elenco : Mila Kunis, Channing Tattum, Sean Bean, Doona Bae, Nikki Amuka-Bird, Maria Doyle Kennedy, Christina Cole, Eddie Redmayne, Douglas Booth, Tuppence Middleton, Frog Stone, Arion Bakare, Ramon Tikaram e Nicholas Newman Fotografia: John Toll Música: Michael Giacchino Edição: Alexander Berner Efeitos visuais : Dan Glass 2015 Estados Unidos 2h07minutos