quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O que fazer quando o tempo se transforma num bem de consumo?

O tempo é o bem mais precioso do universo e esta é uma das lições do filme “O Destino de Júpiter” (Jupiter Ascending), uma obra de ficção científica, aventura e ação intergalática dirigido e roteirizado pelas irmãs Lily e Lana Wachowski, que também assinaram a série Matrix, considerado um dos maiores clássicos sci-fi da história do cinema. O enredo tem como foco a história de Júpiter Jones (Mila Kunis), que leva o nome do mais belo planeta do sistema solar, filha de uma família de origem russa, que vive modestamente como uma empregada doméstica em Chicago, nos Estados Unidos e, é ao mesmo tempo, numa espécie de universo paralelo, descendente de uma linhagem nobre interestelar, o que a coloca como sucessora natural do trono como presumível Rainha do Universo. No início do filme, a personagem se autodefine como uma alienígena em situação irregular – o que seria uma espécie de imigrante sem passaporte -, nascida sob o signo de leão, com Jupiter a 23 graus, o que a torna destinada à grandeza. Ao tentar conseguir dinheiro vendendo óvulos numa clínica para a compra de um telescópio similar ao de seu pai, uma astrônomo amador que morreu durante um assalto ao tentar proteger o equipamento, ela recebe a proteção de Caine Wise (Channing Tatum), um ex-militar alterado geneticamente que tem por missão protegê-la a todo custo e levá-la para assumir seu lugar de direito em outro planeta fora do sistema solar. Wise explica a Júpiter que a terra não é o único planeta habitável no universo e que há vida inteligente na galáxia. Ele explica ainda, que a raça humana foi desenvolvida em outro planeta há um bilhão de anos e a Terra foi semeada pela Indústria Abrasax, controlada por uma família do mesmo nome, há cerca de 100 mil anos gerando uma nova era da genética, um processo continuo de manipulação de gens em que as células danificadas são substituídas por novas, o que torna o planeta dos terráqueos uma parte mínima de uma indústria ampla e complexa de genes que opera numa escala interplanetária. Fica evidente no filme, que só há um recurso fundamental que vale a pena lutar e morrer: o tempo, que aparece como o bem mais precioso numa dimensão universal. “O Destino de Júpiter” embute em sua essência uma crítica ao consumismo da nossa civlização e à posse de bens , o que leva o espectador a refletir sobre hábitos de consumo e a valorização de posse de recursos materiais. A obra também discute sobre a questão do poder político e econômico, bem como das comunidades, grupos com interesses difusos, corporações, a família ou mesmo o bem-estar coletivo, sem deixar de lado a essência dos valores e da transvalorização. “O Destino de Júpiter” evidencia ainda questionamentos sobre a burocracia – crítica implícita para a posse da nova Rainha do Universo – negociada através de um advogado ciborgue, que também faz referências à corrupção que estaria fora do seu escopo. Há ainda referências ao papel da mulher na sociedade, mesmo quando uma proletária que faz limpeza de sanitários se descobre herdeira de uma linhagem nobre intergalática, o que coloca em pauta questões como as mudanças sociais e o enfrentamento de desafios e mesmo da adversidade. Tudo isso também passa pela exploração econômica através dos monopólios e pela desigualdade para promoção de uma efetiva justiça social, o que coloca na agenda do processo temas como a coragem e a resiliência do indivíduo na eterna luta pela sobrevivência dos seres vivos. De certa forma o filme compartilha algumas semelhanças com “Matrix”, uma outra obra assinada pelas irmãs Wachowski, uma vez que ambos exploram o fato de que a realidade como a conhecemos pode ser uma ilusão controlada por forças poderosas. Nos dois filmes os personagens centrais são pessoas comuns como Neo, um programador de computadores escolhido para libertar a humanidade num universo controlado por máquinas e Júpiter, uma faxineira que acaba arrebatada para um universo paralelo por ser uma reencarnação de uma rainha intergalática. Ambos têm uma missão especial no universo e um destino transcendente. Outro ponto em comum nos dois filmes é a crítica política aos sistemas dominantes. Em “Matrix” a humanidade é submetida ao domínio de máquinas através de uma realidade virtual, o que gera uma revolução, enquanto no caso de “O Destino de Júpiter” o planeta foi terraformado para suportar um ecossistema com seres vivos como parte de uma grande indústria cósmica, que operam ativos genéticos de homens e animais. Há que atribua ao filme – que é rico em efeitos especiais e lutas espaciais - influência parcial da “Odisseia”, de Homero, um clássico da literatura universal, tendo como referência as peripécias de Ulisses na Grécia Antiga ou com o conto de fadas francês “A Bela e a Fera”, de Gabriellle-Suzanne Barbot, o que é desacreditado por alguns críticos, os quais também não veem similaridade entre os mesmos. São risíveis alguns diálogos que escapam ao humor refinado, como por exemplo, quando a rainha se declara apaixonada pelo seu protetor, o qual tem no seu DNA gens de cachorros, um animal que diz amar. Em outra cena, o tabelião da corte estelar dá os parabéns e pêsames à nova rainha, prevendo as possivelmente dificuldades que iria enfrentar no confronto com os Abrasax: Balem ( Eddie Redmayne), Titus (Douglas Booth) e Kalique (Toppence Middleton), que formam uma família disfuncional e com estratégias conflitantes no controle dos seus negócios monopolistas. O próprio Titus diz em determinado momento, que gosta das próprias mentiras que conta. Em essência, ao criar vidas e destruí-las em função de interesses econômicos, a família e conglomerado Abrasax define como prioridade de negócio a geração e maximização de lucros, como acontece com os demais empreendimentos econômicos. Eles ensinam também com relação ao consumo, que viver é consumir e os seres humanos são consumidores vorazes vivendo num mundo e num universo em que os recursos naturais são escassos, inclusive o tempo, que aparentemente estaria fora deste contexto por não ter uma essência física como os minerais, a água e o ar, que se transformam em capital inclusive especulativo. Mas seria está a única regra e solução da equação do jogo da vida? (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending) Direção e Roteiro : Lily Wachowsky e Lana Wachowsky Elenco : Mila Kunis, Channing Tattum, Sean Bean, Doona Bae, Nikki Amuka-Bird, Maria Doyle Kennedy, Christina Cole, Eddie Redmayne, Douglas Booth, Tuppence Middleton, Frog Stone, Arion Bakare, Ramon Tikaram e Nicholas Newman Fotografia: John Toll Música: Michael Giacchino Edição: Alexander Berner Efeitos visuais : Dan Glass 2015 Estados Unidos 2h07minutos