domingo, 27 de setembro de 2020

A história do sax ou quando o Diabo foge dos detalhes ou da cruz




Dizem que o Diabo está nos detalhes, mas o documentário  The Devil’s Horn (O Chifre do Diabo), baseado no romance The Devil’s Horn: The Story of the Saxophone, de Noisy Novelty a King of Cool de Michael Segell, vai muito além destes limites e nos revela a história por trás do saxofone, um instrumento que imita a voz e o riso humanos, mas sempre foi ridiculizado ou considerado um instrumento de Satanás pela sua forma sinuosa de chifre. O sax foi proibido pelos nazistas e pelos comunistas , mas,  segundo a lenda, foi condenado até por um papa, como se houvesse uma maldição infernal em torno desse instrumento que ganhou destaque no universo musical do século XX.

 

O documentário começa falando sobre alquimia, feitiçaria, ou mesmo da criação infernal de um inventor louco, Adolphe Sax, influenciado por um sonho em que os demônios dançavam e invocavam o Diabo. Ele era um excêntrico  artesão acústico belga, que sobreviveu a doenças, acidentes, envenenamento, inclusive a um câncer tratado e curado por um certo doutor Noir, um misterioso charlatão e  escapou até  a atentados ou a um incêndio criminoso da sua fábrica por parte de seus concorrentes na fabricação de instrumentos.

 

O inventor acabou falindo e indo trabalhar em Paris, onde morreu pobre, trabalhando como assistente de palco em teatros e desenvolvendo inventos de grande porte. Hoje, ele é venerado em sua terra natal, Dinat, onde há um museu do saxofone e teve o seu bicentenário festejado em 2013, com um concerto com 200 saxofonistas, reunindo músicos de todo o mundo.


No filme  tudo gira em torno do saxofone, um cilindro sinuoso de latão, que emite o som mais profundamente humano, que é a voz e se transformou em sinônimo de música no século XX, como um instrumento em que o músico tem de escolher o caminho de cada nota e o caminho da sua alma. O sax teve uma larga  influência no jazz, no rock e nas casas noturnas do século passado tendo como expoentes Charles Parker (The Bird), Lester Young e John Coltrane.

 

O documentário dirigido por Larry Weinstein rastreia a história o instrumento desde o seu excêntrico criador belga, e que somente 10 anos depois do Sax completar o primeiro protótipo do saxofone em 1843, o chifre brilhante tinha alcançado os Estados Unidos e toda a Europa. Com ele, a música jamais voltaria a ser a mesma, atraindo artistas famosos e reconhecidos internacionalmente, como Benny Carter, Sonny Rollins, Lee Konitz, Branford Marsalis e outros nomes.

 

A história do instrumento fascinante e que enfeitiça as pessoas foi enriquecida no documentário por depoimentos como o de Jimmy Heat, com quase 90 anos, que fez parte de uma geração de gigantes e teve como mentor outro monstro do jazz Dizzy Gillespie. Ele tem fotos com Charles Parker, a quem considerava um gênio  que levou o exército do jazz para o futuro; John Coltrane e Stan Getz, que foi preso tentando roubar para poder comprar heroína. Outro músico, Sidney Bechet acabou na cadeia depois de se envolver num tiroteio O próprio Heat conta que abusou do uso de substâncias psicotrópicas, foi viciado em heroína e se curou depois de quase cinco anos de prisão numa penitenciária federal.

 

O músico considera que apesar do lado trágico do saxofone, profissionais que tocavam outros instrumentos também viveram seus dramas e tragédias pessoais. Mas pegar um sax é para um dos entrevistados no filme como enfrentar um adversário assustador: “alguns perdem a vida, outros a alma e alguns o mundo ao qual pertenciam”. Um dos casos é o de Guiseppi Logan, que foi um músico promissor nos anos 60, com um disco de sucesso lançado aos 34 anos, e acabou preso, se envolveu com drogas e depois, se tornou um morador de rua abrigado na velhice em um asilo de indigentes

 

O sax também permite aos artistas uma abordagem multisônica e com espaço promissor no campo da música experimental, com músicos usando os mesmos recursos do sistema de respiração circular com o ar entrando pelo nariz, passando pelos pulmões e saindo através da boca. Um músico define tocar sax algo como se o Espírito Santo entrasse na pessoa. O instrumento também integrou o universo do rock antes da chegada da guitarra elétrica, sendo usado até em conjuntos punks, como The Sonics, que perdeu o saxofonista Rob Lind, que se alistou como piloto da Força Aérea para lutar no Vietnã e agora, 40 anos depois voltou a tocar.

 

O compositor clássico Hector Berlióz, que foi contemporâneo de Adolphe Sax, deixou na sua Danação do Fausto, duas linhas para o saxofone e que nunca foi escrita. O instrumento custou a ser incorporado ao universo da música clássica e um mecânico do mundo do motociclismo deixou tudo para fabricar boquilhas para artistas famosos, enquanto o búlgaro Yuri Yunakov, de origem cigana, deixou o país onde foi perseguido pelo regime comunista e vive em Nova York, trabalhando como motorista de taxi e tocando sax numa casa noturna, para ele o sax é o instrumento e o diabo são as pessoas. Já o pastor Vennard Johnson, que curou a asma com a ajuda de um sax, é hoje considerado o melhor saxofonista de música gospel, instrumento que usa para exorcizar demônios e para pregar a  palavra de Deus.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

 

Título: The Devil’s Horn (O Chifre do Diabo)

Direção : Larry Weinstein

Roteiro : David Martin, David New e Michael Segall

Música : Aaron Davis

Cinematografistas : John M. Tran

Gênero : Documentário

80 minutos

2016

sábado, 26 de setembro de 2020

Um farol iluminado por narrativas superpostas e violência


 

Rodado em preto e branco, com lentes de 35 milímetros, o filme O Farol (The Lighthouse), dirigido pelo cineasta Robert Eggers, foi lançado no Festival de Cannes de 2019 e bem recebido pela crítica. No filme, considerado de terror psicológico, o diretor que estreou com A Bruxa, em 2015, considerado uma das melhores obras cinematográficas da década passada, nos oferece uma série de narrativas complexas e superposta para a relação conflituosa entre dois homens com a missão de operar um farol oceânico numa ilha remota e açoitada por fortes tempestades, que a deixam isolada.

A obra também pode ser uma metáfora da luta pelo poder e até de uma relação homossexual mal resolvida, o que fica implícito em alguns diálogos. No filme,  dois homens do mar entre os quais veterano Thomas Wake (Willem Dafoe) e o novato Ephraim Winslow (Robert Pattinson) são encarregados de zelar pela manutenção e operação de um farol em uma ilha distante.

O isolamento aparece como eixo detonador do conflito entre os dois personagens que entram num confronto aberto, num ritmo crescente e desgastante, acentuado pelas diferenças  hierárquicas e pelo próprio tédio das rotinas cotidianas, colocando em xeque a relação entre os dois personagens com suas idiossincrasias, ou seja, os componentes particulares das respectivas personalidades de cada um dos contendores.

A tensão começa quando Wake define o controle da operação do farol, dizendo ao novato para que cuide das suas obrigações, envolvendo os serviços gerais de limpeza e manutenção, porque “a luz é minha”. E durante a noite, ele se trancava e ficava nu na parte superior da torre do farol até o início da manhã seguinte.  É dele também o frequente brinde antes das bebedeiras: “se o anjo da morte com enorme desalento fizer do oceano nosso leito, Deus ouvindo as ondas rolantes salvará as nossas almas suplicantes,” um moto incorporado ao dicionário do seu antagonista.

 

É dele também a assertiva de que o tédio transforma os homens em vilões e por isso o único remédio é a bebida. A narrativa ganha densidade com a sua explicação de que o último faroleiro foi embora, depois, informando que ele morreu depois de enlouquecer. Ephraim Winslow  suspeita que o faroleiro tenha matado o seu antecessor depois de encontrar um corpo em decomposição ao limpar o sistema de esgotos do farol.

 

O ritmo do filme é lento, pois está centrado majoritariamente nos diálogos e disputas entre os dois personagens com discussões frequentes e recorrentes, acentuadas por impropérios. O roteiro inclui ainda o aparecimento de uma sereia (Valeria Karäman) e poucos coadjuvantes, transmitindo ao espectador e em preto e branco, a mesma angustia e frustrações vivenciadas pelo jovem faroleiro, com a sua rotina das tarefas braçais, agravadas pela precariedade do prédio onde funciona o farol, com uma cozinha e espaço para refeições, além do pequeno alojamento com camas, mas com acesso privativo de Wake, que pode significar despertar, levantar  ou acordar, para a torre,

 

O conflito faz ainda aflorar os segredos e dramas dos personagens. Ele pode embutir uma relação homossexual, que se manifesta no nível do diáologo entre os personagens, além de revelar que Winslow seria na verdade Thomas Howard, que o matara assumindo a identidade da vítima e era também um onanista contumaz. Assim, nada melhor a para um fugitivo da polícia do que trabalhar num lugar remoto, sem polícia e longe dos rigores da lei, um caminho aberto para a impunidade. O filme também induz a imaginar Winslow/Howard seja um psicopata sempre pronto a fazer uma nova vítima.

 

Em compensação,  fica para o espectador outra hipótese também sugestiva: a de que Wake teria matado o seu colega faroleiro e tentaria naturalmente, eliminar o mais novo ajudante, de quem faz uma avaliação negativa da sua produtividade e competência, sugerindo em anotações o cancelamento do pagamento do seu salário. O Farol  induz ainda a um questionamento  sobre a sanidade e loucura do personagem, que tem o seu mundo particular na torre de iluminação do farol um espaço restrito aos seus auxiliares. Mas, o que ele realmente faz  a cada noite durante o seu turno isolado de trabalho na torre do farol?

 

Em que pese o conflito entre os  personagens dispares, os dois jantam juntos a luz de velas, dançam, bebem com frequência – até mesmo o querosene dos geradores -, enfrentam tempestades e as incertezas de cada dia, como a não chegada do barco de suprimentos em decorrência de tempestades no mar. Wake ensina ao aprendiz que matar gaivotas dá azar enquanto o seu antagonista insinua que não aceitou o emprego para ser uma dona de casa e destaca que como qualquer um trabalhador, quer se estabelecer e ganhar o seu salário.

 

Wake quer saber o que trouxe  Winsolow/Howard até o farol e diz que o mar é o único cenário que quer para si mesmo: “sou o faroleiro e casado com este farol”, diz com uma ponta de orgulho. Ele também ensina ao auxiliar que dá azar matar gaivotas, pois elas guardam as almas dos marinheiros que se entregaram  ao criador.

 

Uma das sequências relevantes do filme é a sua descrição do escorbuto – um tema abordado por Luiz Vaz de Camões em Os Lusíadas-, doença que se manifesta pela  fraqueza e cansaço inicial do paciente, mas que em seu estado mais grave afeta as gengivas e faz o doente perder os dentes por falta de vitimina C.

 

O conflito entre os dois personagens se agudiza no decorrer no filme e Wake faz ver a Winslow/Howartd, de que “esta rocha – o local onde estão – é uma invenção da sua cabeça” ou seja, que nada é real e que o farol seria um sonho, uma abstração ou mesmo algo sobrenatural.

 

O roteiro assinado conjuntamente  pelo diretor e seu irmão Max Eggers, ganha sabor e intensidade com os diálogos em inglês arcaico, uma concessão histórica ao tempo referenciado no enredo, com uso do jargão próprio dos marinheiros, o que dá um tom clássico para o filme como obra preparada para o terror e em que a ficção se contrapõe com a realidade.

 

Em O Farol é rompido o tênue fio invisível que separa a sanidade da loucura, mas trazendo no seu bojo a morte banalizada pelo mal ou por qualquer fator meramente acidental como uma queda abrupta, num filme também com um gosto de coisas e fatos sobrenaturais, que se manifesta nos sonhos dos personagens e às vezes nos seus atos insanos. Neste sentido, nada é o que parece ser(Kleber Torres).

 

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Ficha técnica

Título : O Farol (The Lighthouse)

Direção : Robert Eggers

Roteiro : Robert e Max Eggers

Elenco : Robert Pattinson,  Willliam Dafoe, Valeria Karäman, Longan Hawkes e  Shaun Clarke

Cinematografista : Jarin Blaschke

Música : Mark Korven

109 minutos

Estados Unidos

2019

sábado, 19 de setembro de 2020

O que faz um Dom Quixote diante do prenúncio do fim do mundo

 


 

Diferentemente da história de Pedro Malasartes no seu enfrentamento com a morte, mas com um jetinho tipicamente brasileiro,  a compreensão do filme sueco Det sjunde inseglet (O Sétimo Selo), escrito e dirigido por Ingmar Bergman, a partir de uma peça teatral do mesmo autor, envolve uma grande metáfora escatológica e existencial.O filme tem como referências a peste negra que assolou a Europa na Idade Média, matando parte da população e com uma brutalidade comparável aos rastros da Segunda Guerra Mundial, encerrada onze anos antes do filme rodado em 1956, e que dizimou mais de 80 milhões de vidas, nos induzindo a indagações e reflexões sobre a vida, a morte, o amor e a própria existência de Deus diante de um mundo desigual, injusto e ilógico.

Ambientado historicamente num período  apocalíptico medieval, o Sétimo Selo nos coloca não só diante às aflições do mundo, como também no universo do clássico Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, ao reunir os caminhos de um  cavaleiro que retornou das cruzadas, mas faz questionamentos sobre o sagrado e a finitude da vida; enquanto o seu fiel escudeiro, um homem simples e rude, com uma visão pragmática de um mundo que não precisa de respostas prontas e acabadas, por isso mesmo  enfrenta sem medo a própria morte, que seria um desdobramento racional de uma  vida  simplesmente  transitória.

O filme tem ainda como referência o Apocalipse, com a história um livro selado com sete selos e em que  a abertura de cada um destes deles implica num malefício sobre a humanidade. O enredo cita o capítulo oitavo, no versículo primeiro,  “quando enfim, abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu durante cerca de meia hora”. E tudo começa numa praia deserta, quando um cavaleiro cruzado Antonius Block (Max von Sydow) aparece deitado e um tabuleiro de xadrez estilizado é invadido pelas ondas derrubando as peças na areia.

Neste cenário, o cavaleiro tem o seu primeiro encontro com a morte (Bengt Ekerot), dizendo-lhe que o tem acompanhado por muito tempo e como resposta, sabendo da proximidade do seu fim, ele a desafia para uma partida de xadrez. Na aposta, caso saia vitorioso, a velha senhora o deixaria em paz.

No jogo, a morte fica com as pretas, faz um lance inicial e depois, segue seu caminho acompanhando  um outro cavaleiro condenado à vida eterna. Ao mesmo tempo Block continua  seu trajeto com o escudeiro Jöns (Gunnar Björnstrand), que ao encontrar um morto em fase de esqueletização, observa como quem conhece o humor negro, que o mesmo sabe onde por certo  fica a taverna mais próxima.

Na sequência seguinte, o ator Joff (Nils Poppe), integrante  de uma trupe de teatro mambembe, participa de uma apresentação numa pequena aldeia medieval e constata, pelas reações do público,  que o povo do lugar parece que não gosta de arte. Nesse ínterim,  cavaleiro e seu escudeiro  chegam também à vila onde num tempo de guerras e epidemias um artesão pinta uma estranha dança da morte.

No caso do cavaleiro Block, que retornava de uma cruzada, ele voltava para casa com o coração vazio, como o mesmo espelho que reflete o seu rosto: “minha própria imagem me causa repulsa e me dá medo”, diz numa divagação existencial, como um homem priosioneiro das suas fantasias e fobias. Ainda como homem, ele quer o conhecimento e que Deus lhe estenda a mão, mostrando a sua face e falando com ele.

Block joga xadrez com a morte, sabendo que ela tem táticas inteligentes e ele sonha poder vencê-la com uma jogada com apoio de  bispos e cavalos, bem como buscando uma saída para o vazio existencial que o afeta e circunda. No contraponto do cavaleiro, o seu escudeiro Jöns  tem uma outra visão do mundo bebe, vai à taverna , despreza a morte e zomba da divindade, deixando em segundo plano as questões metafísicas.

Ao mesmo tempo cidade é invadida por uma espécie de procissão pedindo clemência para conter o avanço da epidemia e a população antes indiferente ao teatro mambembe, para e se ajoelha contrita diante dos devotos. Um dos participantes da procissão comenta que “Deus está nos castigando em silêncio”.

Um outro personagem diz que vê a morte se aproximando, enquanto um terceiro, retruca apocalítico  dizendo: “vocês não entendem seus idiotas, pois todos vão morrer”, e o grupo continua sua caminhada carregando também uma pesada cruz de madeira.

Jöns assiste a tudo indiferente, comentado que: “eles  acham que as pessoas acreditam nisso” , enquanto um homem na taberna lamenta que a peste está em toda parte e as pessoas morrendo como moscas : “Não consigo vender nada”, diz um dos homens, enquanto a mulher que servia aos fregueses da taverna arremata o diálogo dizendo que é chegado o juízo final”È o fim do mundo e que ninguém ousa dizer”.

O cavaleiro Block acredita que as pessoas se preocupam demais, e lembra da sua mulher, para quem fazia versos e não quer esquecer o momento de paz que encontrou momentaneamente ao lado do ator Joff e sua mulher Mia (Bibi Anderson), com quem divide morangos com leite num papo descontraído.  

Em seguida,  ele reencontra com a morte que o esperava e pergunta se ele vai escoltar a família de Jof, o que inclui a mulher e o filho pequeno, enquanto o ferreiro da vila procura a mulher que fugira com um dos atores da trupe, embrenhando-se pela floresta,

Consolado pelo cavaleiro Jöns, para quem o amor é a pior das pestes, mas a única que não mata a ninguém, o ferreiro Ake Fridell parece choroso e sonha com a volta da companheira, mesmo informado de que o amor é luxuria,  intrigas, traições e tolices, mas, se tudo é imperfeito neste mundo, o amor seria perfeito na sua imperfeição.

O ferreiro encontra a mulher em companhia do amante na floresta e mesmo assim, tenta com sucesso a reconciliação. Para evitar uma agressão possível do ferreiro, o dublê de ator e amante simula uma morte cenográfica teatral se suicidando com um golpe de faca no peito, mas quando fica só e sobe numa arvore para dormir é surpeendido com a chegada da morte inevitável, que serra o tronco da árvore provocando a sua queda e um final trágico.

Na floresta, o grupo formado pelo cavaleiro, escudeiro e atores mambembes encontra um grupo de soldados que levam presa uma feiticeira condenada à morte e em cujos olhos Block vê muito medo. Ela acaba queimada numa fogueira no meio da mata.

Num novo encontro com a morte para a continuação do jogo, Block é questionado sobre quando vai parar de fazer perguntas. E ele responde: “Nunca”. A morte, para quem nada e ninguém lhe escapa,  também ceifa a vida de um doente de peste que gritava que não queria morrer. Block convida a morte para terminar a disputa e o seu encontro com a velha senhora é percebido por Joff.

A morte anuncia o xeque mate, que marcaria o final da partida, mas o deixa anunciando um novo encontro em que o levaria e aos seus amigos, enquanto Block questiona sobre os seus segredos recônditos e essência. A morte o segue e começa uma tempestade violenta e com muitos raios, no momento em que o cavaleiro e seus acompanhantes reencontram a sua mulher, a quem diz que está cansado.

A morte pergunta se ele se arrependeu de ter ido para a guerra e Block responde : “nunca me arrependo de nada”. Em essência, o Sétimo Selo não tem respostas e nem certezas, mesmo quando  todos os aspectos da fé são questionados, pois não há uma distinção definitiva entre o bem e mal e nem sobre o certo e o errado, enquanto  homens aparecem pregando, cantando, teatralizando e punindo em nome de coisas metafísicas ou não.

Em tempo, um  personagem transversal que sempre permeia as ações para falar em nome de Deus e da religiosidade,  é o mesmo ladrão que roubava jóias dos mortos e que liderava a procissão de flagelados. Ele também teria sido a pessoa que  convenceu o cavaleiro a partir para a cruzada, dez anos antes da sua volta para a morte definitiva, evidenciando que há mais coisas entre Deus, o Diabo e a morte mesmo fora da terra do sol glauberiano e distante das terras tropicais de Pedro Malasartes,  com todas suas artes e manhas. (Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

Título : Det sjunde inseglet (O Sétimo Selo)

Direção e Roteiro : Ingmar Bergman

Elenco  : Max Von Sidow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Poppe, Bibi Anderson, Inga Landgré, Ake Fridell, Inga Gill, Erik Strandmark, Bertil Anderberg e Gunnel Lindblom

Cinematografista : Gunnar Fischer

Música : Erik Nordgren

1956

Suécia

210 minutos

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O enigmático mapa infernal de Sandro Botticelli

 


 

 

O canal Arte 1 exibiu o documentário "O Inferno de Botticelli", que resgata a história de Sandro Felipepi (1445/1510),  um dos mais expressivos artistas da Renascença um período compreendido entre meados do século XIV e o fim do século XVI, que ficou conhecido com Sandro Botticelli.  O filme trata de um dos seus projetos mais importantes e que ocupou dez dos seus 65 anos de vida: a criteriosa ilustração da Divina Comédia, uma obra prima do escritor Dante Alihgieri, um poema épico sobre uma visita do escritor ao Inferno, Purgatório e Paraíso.

Cada parte da obra é dividida didaticamente em 33 cantos, com mais um a título de introdução, somando 100 cantos, número que significaria a perfeição da perfeição fechando um ciclo completo. Além do próprio Dante, que é um dos personagens centrais da obra, outros três têm participação decisiva nesta viagem entre os quais o poeta Virgílio, guiando a visita ao inferno e purgatório; Beatriz –a musa do autor – orientando uma viagem  ao paraíso terrestre e São Bernardo, guiando a peregrinação nas esferas celestes.

Inferno revela curiosidades sobre o processo criativo e os elementos que compõem as imagens de Botticelli, cujos registros estão divididos entre a biblioteca do Vaticano e o Museu de Berlim, na Alemanha. O filme nos leva a uma instigante viagem aos nove círculos do inferno para revelar os segredos de uma obra de arte que intrigou muitos artistas e intelectuais, como Ron Howard e Dan Brown, que escreveu um romance sobre o inferno, uma metáfora do nosso tempo, tendo como pano de fundo questões como a superpopulação da terra, transumanismo e o risco de uma epidemia global ou de um escatológico ataque de terrorismo biológico.

No inferno de Dante e que foi retratado por Boticelli, os lugares mais sombrios são reservados àqueles que se mantiverem neutros em tempo de crise moral, o que também vale para os nossos dias. O filme revela ainda, que por trás dos muros do Vaticano está um mundo de segredos, inclusive com a preservação  parte do acervo do Mapa do Inferno de Boticelli, que escapa com suas cores e formas ao limitado olhar humano suscetível de ilusões ou enganos.

Botticelli nos leva também a uma reflexão sobre a visão do tempo e espaço, numa obra que permanece atual em termos estéticos e que enriquece a Divina Comédia de Dante Alighieri, mostrando as faces da beleza, da tristeza e o sofrimento dos danados. O próprio Botticelli admitia que era um artista e tinha um olhar mais acurado e penetrante que as pessoas comuns para completar: “dei a arte o meu esboço da eternidade, oferecendo uma percepção da perdição e da danação infernais.”

O filme fala dos 120 pergaminhos  -10 dos quais considerados perdidos até agora e que podem estar em mãos de algum colecionador - do artista plástico numa sequencia  que percorre a longa jornada  dos nove círculos do inferno, passando pelo limbo dos não batizados (Pagãos), pelo Vale dos Ventos (Luxúria), pelo Lago de Lama (Gula), pela Colinas Rochosas (Ganância), o Rio Estige (Ira), o Dite (Dis), Cemitério de Fogo (Heresia), Vale do Flegatonte (Violência), o Malebolge (Fraude) e o nono circulo, sobre o Lago do Cocite (Traição), considerado o mais grave dos pecados dantescos.

Outra  proposta do filme dirigido e roteirizado por Ralph Loop, é que não se sabe se existe um fim para as coisas e talvez haja uma transição para uma outra realidade, mesmo com o resgate de uma das obras mais importantes da Renascença, como o trabalho de Botticelli ao visualizar as palavras impressas, transformando-as em imagens para construção de um guia completo do inferno e que serviu de roteiro para a ideia que temos do inferno para os cristãos.

Um dado revelado pelo filme, é que depois de sua morte, Sandro Boticelli foi esquecido  por cerca de 350 anos e seu nome voltou à tona do cenário artístico mundial no século XIX, através do leilão do acervo do Palácio Hamilton, na Escócia e na Inglaterra. Quando o duque de Hamilton e de Brandon, em dificuldades financeiras, leiloou por 80 mil libras, o equivalente a dez milhões de euros nos dias atuais, as ilustrações do inferno construída por um dos maiores artistas renascentistas e  que hoje, é considerado um superstar e ainda recebe em seu túmulo bilhetes de fãs e admiradores, que nos legou uma arte impactante e muito complexa, pois suas figuras parecem em movimento e reúnem perspectivas inovadoras.

Sandro Botticelli também revelou ao mundo a beleza de Simonetta Vespucci, considerada a mulher mais bela de sua época e que aparece num imagem frontal sensual, seminua, com parte dos seios à mostra. O artista também nos revelou no nono círculo deste seu mapa infernal a preocupação com a salvação dos seus pecados e um dos anjos aparece num dos quadros desta fase com uma tabela pedindo perdão para Botticelli, que vivia o seu inferno pessoal, mas nos legou sobretudo a sua arte, imortalizando a beleza para todos nós. Em tempo: seus restos mortais e de sua musa estão sepultados na na Igreja de Todos os Santos (Chiesa di Ognissanti), em Florença,(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

 

Título : O Inferno de Botticelli

Direção e Roteiro : Ralph Loop 

Cinematografista : Tobias Rupp

Inglaterra, França, Alemanha e Itália

90 minutos

sábado, 5 de setembro de 2020

A magia caótica do Ted Bundy das finanças

 



 

Comparado metaforicamente com o Ted Bandy  (Theodore Robert Bundy um notório assassino em série americano que sequestrou, estuprou e matou 36 mulheres jovens na década de 1970, mas as autoridades acreditam que o número de assassinatos seja superior a 100 mortes), o que nunca aceitou, o empresário Bernie Madoff, ex-presidente e fundador da Nasdaq,  foi o pivô central de um rombo de US$ 100 bilhões no mercado financeiro americano, o que provocou uma espécie de terremoto com dimensões globais. A quebrada pirâmide  deixou milionários empobrecidos, provocou mortes e suicídios.

 

O filme The Wizard of Lies (O Mago das Mentiras) parte da premissa de uma entrevista do Bernie Madoff (Robert de Niro), à jornalista Diana Henriques, sobre a quebra de um fundo dirigido pelo empresário, que operou por décadas uma espécie de pirâmide no mercado financeiro. O golpe foi desmascarado pelo consultor financeiro Henry Marko Polo, ao analisar o gráfico da  performance do fundo, que  tinha uma direção única, sempre para cima, sem nenhuma variação uma tendência que fugia à lógica do sistema financeiro e das bolsas.

 

Ele apontou as evidências de irregularidades para a SEC (U.S. Securities and Exchange Commission) do mercado americano, que se omitiu e não investigou a denúncia  e nem ao Depository Trust & Clearing Corporation ( DTCC ) que monitora a pós-negociação dos serviços financeiros, a compensação e liquidação para os mercados. Madoff, num rasgo de arrependimento diz no filme que preferiria que o mundo acabasse, lembrando como exemplo o atentado do 11 de setembro, que deixou a Wall Strret num alerta vermelho.

 

A fraude era conhecida do operador de Madoff, que ocupava um andar na sede da sua empresa, com acesso restrito até aos  funcionários  e familiares, mas que vinha fazendo água com frequentes retiradas de clientes com saques crescentes nos seus saldos. Ele chegou a pedir um aporte de mais de US$ 250 milhões a um investidor que tinha mais de US$ 300 milhões aplicados no fundo piramidal.

 

Na entrevista, Madoff diz que chegou a cogitar em suicídio, porque achava que ele que foi venerado no mercado, e agora, era  odiado por todos. Comparou a quebra da sua empresa com a segunda feira negra de 19 de outubro de 1987, quando as bolsas sofreram uma queda de 22,6% somente comparável com a quebra da bolsa em 1929. Entre as suas vitimas estavam uma mulher lembrando que era milionária e ficou pobre, um outro cliente se suicídou e uma viúva cliente do fundo acreditava que Madoff iria cuidar de tudo. Mesmo na crise, o financista rejeitou um investimento de R$ 100 milhões de um cliente potencial, mas pediu ao mesmo US$ 400 milhões, sabendo segundo o seu operador, que a m* toda já estava no ventilador.

 

A quebra do fundo encerra um histórico de mais de 20 anos de fraudes contábeis. Em casa, Madoff nervoso, discute com a neta de oito anos, que lhe fez uma pergunta sobre a Wall Street. Um dos seus filhos descobre que o seu pai, o homem que lhe orientou e ensinou sobre o certo e o errado, era um criminoso, dizendo que queria a sua vida de volta.

 

A mulher Ruth divaga lembrando que Bernie Madoff  era a sua vida e a memória de uma vida inteira, que viu passar confortável e luxuosamente. Madoff, por seu turno, assume ao ser detido culpa pela fraude de segurança, em companhia de investimento e  e-mail, assumindo tudo como culpado em todos os quesitos.

 

Como ele se declarou culpado de todos os crimes, não teve mais direito à presunção de inocência. Como ele tinha condições de fugir e dinheiro em caixa, sua liberdade foi revogada e Bernie Madoff transferido para uma prisão de segurança máxima. No presídio,  a mulher conta que na tentativa de recuperar os ativos, os agentes do governo queriam leiloar até as suas roupas íntimas e que em função das dificuldades vai morar com uma irmã, que também perdeu tudo investindo com o seu marido : “estou me sentindo uma idiota”, confessa a mulher ao refletir sobre o esquema ponzi,  que era

a pirâmide engendrada por Madoff.

 

Em sua casa, após o escândalo, as coisas também não iam tão bem ao ser perguntada por uma visita se estava tudo bem Ruth Madoff (Michelle Pfeiffer) respondeu laconicamente : “já esteve melhor”. Ela também teve o atendimento rejeitado pelo cabeleireiro cinco estrelas que frequentava e confessou ter se arrependido de não ter feito nada na vida:”minha vida é só arrependimento, arrependimento e arrependimento”, lamentou, Ela também preservou suas joias, única coisa de valor que a ação do governo não confiscou.

 

No filme, que tem o sabor de um documentário, estão incluídos depoimentos das vítimas e nele, Bernie Madoff  divulga uma carta pedindo perdão aos investidores lesados, mas acaba condenado a 150 anos de prisão, o equivalente a 1.800 meses de cadeia. No tribunal, o público aplaudiu, mas um investidor deixou uma pergunta pairando no ar: “e o meu dinheiro?” Um repórter que cobria o caso também questionou o que aconteceria se Madoff tivesse morrido.

 

Na ação visando a reparação das perdas e a recuperação dos ativos, ficou definido o leilão de todos os bens da família e da empresa corretora de valores, entre os quais uma casa de praia de USn$ 9 milhões, além de uma cobertura em Manhatthan, no valor de US$ 8 milhões. As ações incluíram uma outra casa de praia em Palm Beach, de US$ 7,2 milhões, além de um Mercedes Benz, iates, lanchas e objetos domésticos. Também foram recuperados US$ 1,5 bilhão nas contas bancárias da empresa fraudadora.

 

Ruth Madoff foi condenada a devolver US$ 44 milhões os filhos Mark e Andrew outros US$ 127 milhões. Mark pratica suicídio depois de mandar uma mensagem para a mulher. Andrew, que faz tratamento de um câncer acaba morrendo em setembro de 2014, e diz num depoimento pessoal,:que é difícil contar a sua história e da família quando há milhares de vitimas, “já omeu pai morreu para mim”.  

 

Madoff, que não se considerava um sociopata,  ficou irritado na prisão quando um jornalista o comparou e Ted Bundy, “isso acontece porque a mídia me transformou no vilão da Wall Street.” Já a história do psicopata assassino ao qual foi comprado, também chegou às telas do cinema no filme Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile (A Irresistível face do Mal), em 2019, no final, os dois são filmes são sucesso de público e de muita polêmica, mostrando a vida multifacetada de personagens que pairam  acima do bem e do mal. (Kleber Torres)

Ficha técnica

Título : The Wizard of Lies (O Mago das Mentiras)

Direção : Barry Levinson

Roteiro : Sam Levinson, John Burnham e Samuel Baum

Elenco : Robert de Niro, Diana B. Henriques,  Nathan Darrow, Alessandro Nivola, Mechael Kostroff, Kathrine Narducci, Michelle Pfeiffer, Steve Coulter, David Lipman, Kelly Au Coin e Don Castro

Fotografia :  Elgil Bryld

Música : Evgueni e Sacha Galperini

2017

1 h 33 minutos

 

 


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Cinelab: um reality show sobre a correria que ninguém vê nos bastidores do cinema

 



Criatividade e muito trabalho é o que define o reality show Cinelab Aprendiz,  produzido pela Boutique Filmes e exibido pelo Syfy, com a participação de 15 concorrentes a cineastas divididos em três equipes na disputa pelo prêmio da temporada 2020. O programa, produzido em episódios de 25 minutos, também revela truques e efeitos especiais usados na produção de curtas-metragens, que têm de tudo para agradar e  encantar os cinéfilos.

 Em sua edição de 2020, o Cinelab traz algumas novidades na dinâmica  dos grupos e  muita ação entre os competidores, que fazem produções de  sequências e curtas metragens minimalistas em meio a muita disputa, numa luta contra o tempo e a falta de recursos. As equipes são  monitoradas e julgadas  por Kapel Furman, Armando Fonseca e Raphael Borghi,  que sugerem como exercício e desafios para os competidores a  reprodução de cenas de ação com tiroteios, amputações de membros,  perseguição de carros, explosões, terremotos e ataques zumbis, sempre com muito  sangue em profusão e obedecendo a duas exigência:  curta duração e orçamento de baixo custo.

O primeiro episódio foi marcado por amputações de membros e até esguichos de sangue com o uso de extintores de incêndio.  No final de cada desafio, um dos  aprendizes acaba deletado do grupo com pior desempenho, o que não diminui a disputa e nem arrefece o animo dos competidores, que seguem com muita correria, trabalho, esforço pessoal e discussão entre os participantes, complementadas por orientações e críticas contundentes dos mentores,  que cobram muita ação, uso de efeitos especiais e empenho para a superação dos desafios.

Num episódio, as equipes do reality show  foram desafiadas para a filmagem de um terremoto, um efeito comum nos filmes de catástrofe, em que os aspirantes a cineastas competem na disputa de efeitos especiais, com direito a explosão, ferimentos nas vítimas e até um curto circuito na rede elétrica. Num outro, o desafio foi a produção do efeito especial de uma pessoa que morre  congelada, o que necessita de caprichos da equipe de maquiagem e até disparo de  uma arma de fogo para fechar a sequência, com direito ao derrame até de sangue azul.