Diferentemente da
história de Pedro Malasartes no seu enfrentamento com a morte, mas com um jetinho
tipicamente brasileiro, a compreensão do
filme sueco Det sjunde inseglet (O Sétimo Selo),
escrito
e dirigido por Ingmar Bergman, a partir de uma peça teatral do mesmo autor, envolve
uma grande metáfora escatológica e existencial.O filme tem como referências a
peste negra que assolou a Europa na Idade Média, matando parte da população e com
uma brutalidade comparável aos rastros da Segunda Guerra Mundial, encerrada
onze anos antes do filme rodado em 1956, e que dizimou mais de 80 milhões de
vidas, nos induzindo a indagações e reflexões sobre a vida, a morte, o amor e a
própria existência de Deus diante de um mundo desigual, injusto e ilógico.
Ambientado historicamente num período apocalíptico medieval, o Sétimo Selo nos coloca não só diante às aflições do
mundo, como também no universo do clássico Dom Quixote, de Miguel de Cervantes,
ao reunir os caminhos de um cavaleiro
que retornou das cruzadas, mas faz questionamentos sobre o sagrado e a finitude
da vida; enquanto o seu fiel escudeiro, um homem simples e rude, com uma visão
pragmática de um mundo que não precisa de respostas prontas e acabadas, por
isso mesmo enfrenta sem medo a própria
morte, que seria um desdobramento racional de uma vida simplesmente transitória.
O filme tem ainda como referência o Apocalipse, com
a história um livro selado
com sete selos e em que a abertura de
cada um destes deles implica num malefício sobre a humanidade. O enredo cita o capítulo oitavo,
no versículo primeiro, “quando enfim,
abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu durante cerca de meia hora”. E tudo
começa numa praia deserta, quando um cavaleiro cruzado Antonius Block (Max von
Sydow) aparece deitado e um tabuleiro de xadrez estilizado é invadido pelas
ondas derrubando as peças na areia.
Neste cenário, o
cavaleiro tem o seu primeiro encontro com a morte (Bengt Ekerot),
dizendo-lhe que o tem acompanhado por muito tempo e como resposta, sabendo da
proximidade do seu fim, ele a desafia para uma partida de xadrez. Na aposta, caso
saia vitorioso, a velha senhora o deixaria em paz.
No jogo, a morte fica com as pretas,
faz um lance inicial e depois, segue seu caminho acompanhando um outro cavaleiro condenado à vida eterna. Ao
mesmo tempo Block continua seu trajeto
com o escudeiro Jöns (Gunnar Björnstrand), que ao encontrar um morto em fase de
esqueletização, observa como quem conhece o humor negro, que o mesmo sabe onde
por certo fica a taverna mais próxima.
Na sequência seguinte, o ator Joff
(Nils Poppe), integrante de uma trupe de
teatro mambembe, participa de uma apresentação numa pequena aldeia medieval e
constata, pelas reações do público, que
o povo do lugar parece que não gosta de arte. Nesse ínterim, cavaleiro e seu escudeiro chegam também à vila onde num tempo de
guerras e epidemias um artesão pinta uma estranha dança da morte.
No caso do cavaleiro Block, que
retornava de uma cruzada, ele voltava para casa com o coração vazio, como o
mesmo espelho que reflete o seu rosto: “minha própria imagem me causa repulsa e
me dá medo”, diz numa divagação existencial, como um homem priosioneiro das
suas fantasias e fobias. Ainda como homem, ele quer o conhecimento e que Deus
lhe estenda a mão, mostrando a sua face e falando com ele.
Block joga xadrez com a morte, sabendo
que ela tem táticas inteligentes e ele sonha poder vencê-la com uma jogada com
apoio de bispos e cavalos, bem como
buscando uma saída para o vazio existencial que o afeta e circunda. No
contraponto do cavaleiro, o seu escudeiro Jöns
tem uma outra visão do mundo bebe, vai à taverna , despreza a morte e
zomba da divindade, deixando em segundo plano as questões metafísicas.
Ao mesmo tempo cidade é invadida por
uma espécie de procissão pedindo clemência para conter o avanço da epidemia e a
população antes indiferente ao teatro mambembe, para e se ajoelha contrita diante
dos devotos. Um dos participantes da procissão comenta que “Deus está nos
castigando em silêncio”.
Um outro personagem diz que vê a morte
se aproximando, enquanto um terceiro, retruca apocalítico dizendo: “vocês não entendem seus idiotas,
pois todos vão morrer”, e o grupo continua sua caminhada carregando também uma
pesada cruz de madeira.
Jöns assiste a tudo indiferente, comentado
que: “eles acham que as pessoas
acreditam nisso” , enquanto um homem na taberna lamenta que a peste está em
toda parte e as pessoas morrendo como moscas : “Não consigo vender nada”, diz
um dos homens, enquanto a mulher que servia aos fregueses da taverna arremata o
diálogo dizendo que é chegado o juízo final”È o fim do mundo e que ninguém ousa
dizer”.
O cavaleiro Block acredita que as
pessoas se preocupam demais, e lembra da sua mulher, para quem fazia versos e não
quer esquecer o momento de paz que encontrou momentaneamente ao lado do ator
Joff e sua mulher Mia (Bibi Anderson), com quem divide morangos com leite num
papo descontraído.
Em seguida, ele reencontra com a morte que o esperava e
pergunta se ele vai escoltar a família de Jof, o que inclui a mulher e o filho
pequeno, enquanto o ferreiro da vila procura a mulher que fugira com um dos
atores da trupe, embrenhando-se pela floresta,
Consolado pelo cavaleiro Jöns, para
quem o amor é a pior das pestes, mas a única que não mata a ninguém, o ferreiro
Ake Fridell parece choroso e sonha com a volta da companheira, mesmo informado
de que o amor é luxuria, intrigas,
traições e tolices, mas, se tudo é imperfeito neste mundo, o amor seria
perfeito na sua imperfeição.
O ferreiro encontra a mulher em companhia
do amante na floresta e mesmo assim, tenta com sucesso a reconciliação. Para
evitar uma agressão possível do ferreiro, o dublê de ator e amante simula uma
morte cenográfica teatral se suicidando com um golpe de faca no peito, mas
quando fica só e sobe numa arvore para dormir é surpeendido com a chegada da
morte inevitável, que serra o tronco da árvore provocando a sua queda e um
final trágico.
Na floresta, o grupo formado pelo
cavaleiro, escudeiro e atores mambembes encontra um grupo de soldados que levam
presa uma feiticeira condenada à morte e em cujos olhos Block vê muito medo.
Ela acaba queimada numa fogueira no meio da mata.
Num novo encontro com a morte para a
continuação do jogo, Block é questionado sobre quando vai parar de fazer
perguntas. E ele responde: “Nunca”. A morte, para quem nada e ninguém lhe
escapa, também ceifa a vida de um doente
de peste que gritava que não queria morrer. Block convida a morte para terminar
a disputa e o seu encontro com a velha senhora é percebido por Joff.
A morte anuncia o xeque mate, que
marcaria o final da partida, mas o deixa anunciando um novo encontro em que o
levaria e aos seus amigos, enquanto Block questiona sobre os seus segredos recônditos
e essência. A morte o segue e começa uma tempestade violenta e com muitos
raios, no momento em que o cavaleiro e seus acompanhantes reencontram a sua
mulher, a quem diz que está cansado.
A morte pergunta se ele se arrependeu
de ter ido para a guerra e Block responde : “nunca me arrependo de nada”. Em essência, o Sétimo Selo não
tem respostas e nem certezas, mesmo quando todos os aspectos da fé são questionados, pois
não há uma distinção definitiva entre o bem e mal e nem sobre o certo e o
errado, enquanto homens aparecem
pregando, cantando, teatralizando e punindo em nome de coisas metafísicas ou
não.
Em tempo, um personagem transversal que sempre permeia as
ações para falar em nome de Deus e da religiosidade, é o mesmo ladrão que roubava jóias dos mortos
e que liderava a procissão de flagelados. Ele também teria sido a pessoa que convenceu o cavaleiro a partir para a cruzada,
dez anos antes da sua volta para a morte definitiva, evidenciando que há mais
coisas entre Deus, o Diabo e a morte mesmo fora da terra do sol glauberiano e
distante das terras tropicais de Pedro Malasartes, com todas suas artes e manhas. (Kleber
Torres)
Ficha
técnica
Título : Det
sjunde inseglet (O Sétimo Selo)
Direção
e Roteiro : Ingmar Bergman
Elenco
: Max Von Sidow, Gunnar Björnstrand, Bengt
Ekerot, Nils Poppe, Bibi Anderson, Inga Landgré, Ake Fridell, Inga Gill, Erik
Strandmark, Bertil Anderberg e Gunnel Lindblom
Cinematografista :
Gunnar Fischer
Música : Erik Nordgren
1956
Suécia
210 minutos
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