domingo, 12 de dezembro de 2021

O homem que melhorou a música da igreja e inventou o jazz


 


Um show de Louis Armstrong (Reno Wilson) no Suburban Garden, em 1931, na primeira vez em que um negro tocava ao vivo na rádio  WSNB,  em New Orleans, na Louisiana, serve de contraponto para a narrativa de  Bolden - A Sensação do Jazz,  a cinebiografia do primeiro rei do  trompete,  Buddy Bolden (Gary Carr), que ouve a apresentação num dos cubículos do mesmo sanatório estadual onde veio a falecer em 4 de novembro do mesmo ano.  A história revela uma vida trágica, marcada pela pobreza, pela loucura e pelo abandono.

O filme que intercala cenas da apresentação de Satchmo, uma alusão à boca grande de Armstrong, com flashbacks da vida de Bolden, também revela como pano de fundo o contexto social e político turbulento no início do século 20, inclusive as relações raciais conflituosas entre brancos e negros explorados numa sociedade com grandes desníveis sociais.

Bolden = A Sensação do Jazz começa com uma informação: “sabemos pouco sobre Buddy Bolden,  que nasceu em 1877 e foi o inventor do jazz”. No início do show em que o apresentador branco sai do palco para não anunciar negro nenhum, Armstrong dedica a apresentação aos brancos que o assistem na casa noturna lotada e aos irmãos negros que estavam no lado de fora, formando uma verdadeira multidão para ouvir o programa transmitido ao vivo pela emissora de rádio.

Considerado como um rei do trompete, Bolden foi o  primeiro cornetista de Nova Orleans no tempo do ragtime, e um  precursor do jazz,  responsável por revolucionar o cenário musical nos estados Unidos e no mundo.  O filme mostra Bolden desde a infância deitado quieto no chão da fábrica têxtil onde sua mãe trabalhava, com o olhar perdido no vazio, o mesmo olhar do homem maduro deitado no catre do hospício onde findou os seus dias.

O filme também fala de Nora (Yaya da Costa), a  sua mulher e da sua mãe curiosa que perguntou sobre o que o músico fazia para viver e que teve como resposta: “eu melhoro a música da igreja”. Dono de um dom único e de uma genialidade no domínio do instrumento, Bolden tocava trompete mais alto que qualquer um outro músico do seu tempo e geração, mas acabou explorado pelo seu inescrupuloso empresário Bartley (Erik LaRay Harvey), que numa jogada de marketing, faz o músico saltar de paraquedas de um balão tocando alto sua corneta para chamar a atenção do público para um show da sua banda num parque público .

Bartley também fazia acordos com  empresários brancos na armação de embates entre lutadores de rua, com apostas e resultados combinados. Bolden, que tocava no Traseiro Fedido, uma casa de prostituição, onde Nora nunca foi, certa vez deixou o salão de dança e foi tocar no telhado visando chamar a atenção dos vizinhos e dos dançarinos que deixaram o salão e foram vê-lo da rua. O filme revela que apesar das poucas informações sobre a vida de uma lenda do jazz,  para quem na música o importante é que todos se comuniquem, formando um casamento entre o músico e o ouvinte, há uma história possível de ser contada ou imaginada.

Bolden que não sabia ler partituras e nem escrevia sua música, compunha sempre ao vivo, de improviso  no palco e como um criador, achava que as vezes é até melhor não tocar nada,  até que foi convidado a gravar numa espécie primitiva de cilindro metálico. Ele considerava que as pessoas ouviam a sua música, mas ele era invisível, assim, ele acaba envolvido com a venda e o consumo de drogas, que comprometem ainda mais a sua saúde mental, então, começa a faltar compromissos e é cada vez mais pressionado pelo empresário e pelos donos de casas noturnas que querem compensação dos prejuízos com as apresentações não realizadas. Também acaba tendo problemas com uma overdose e acha na sua loucura e paranoia, que tiraram as válvulas  e  botões do seu instrumento deixando-o impedido de tocar.

A sua internação ocorre quando ele provoca um incidente fora do salão onde apresentava, em que até policiais acabam feridos. No sanatório, quando não estava agitado, ele ficava deitado e indiferente a tudo, numa espécie de letargia, com a mesma expressão que tinha na infância. Como lunático indigente, Bolden  era considerado segundo um dos relatórios do manicômio como um perigo para si mesmo e outros.

Em tempo: o show de jazz de Armstrong e as apresentações antológicas do Buddy Bolden com a sua banda são um espetáculo à parte no filme e que pagam com juros o valor do ingresso, mas não atenuam o drama e nem  a tragédia pessoal de um gênio que lutava contra a pobreza, a discriminação e a loucura provocando a sua invisibilidade e até  morte antecipada aos 54 anos.   (Kleber Torres)

 

 

Ficha Técnica

Título: Bolden! / Bolden – A Sensação do Jazz

Direção : Dan Pritzker

Roteiro : Dan Pritzker e David Rothscild

Elenco : Gary Carr, Erik LaRay Harvey, Yaya da Costa, Reno Wilson, Karimah Westbrook, Jo Nell Kennedy, Robert Ri’chard, Serena Reeder

Trilha Sonora – Mark Ishan

108 minutos

sábado, 16 de outubro de 2021

Um alerta de ficção que poderia ter preparado o mundo para a covid-19


 

 

Antecipando os cenários da pandemia provocada pela covid-19,  que registrou até agora em outubro de 2021 um total de 220 milhões de casos e mais de 4,55 milhões de mortes no mundo, das quais 601 mil no Brasil, o filme Vírus Fatal ( Fatal Contac : Bird Flu in América), dirigido em 2006 pelo experimentado  cineasta Richard Pearce, trata de uma mutação do vírus H5N1  da gripe aviária transmissível entre humanos. A  obra de ficção  começou, coincidentemente, na China e  atingiu à população em escala planetária, com a capacidade de matar até 300 milhões de pessoas, ou seja, um potencial cinco vezes mais mortal que o da gripe espanhola, que há mais de um século dizimou 50 milhões de seres humanos, espalhando o pânico  e deixando cidades inteiras  em lockdown.

Tudo começa com um executivo americano Ed Collins (John Atkinson) visitando as instalações de uma empresa fornecedora na China, onde aparece um empregado tossindo e espalhando no ar o virus H5N1, o mesmo que na vida real provocou um surto epidêmico em 1997,  a partir de Hong Kong.  O filme também mostra de forma didática, o processo de transmissão do vírus de pessoa a pessoa o que ocorre no bar, num hotel, num avião quando o paciente zero dos Estados Unidos voltou ao seu país de origem daí a necessidade de cuidados como o uso de mascaras e higienização,  hoje enriquecida com o recurso do álcool em gel.

Em Vírus Fatal,  40 a 60% dos pacientes com a Sindrome Respiratória Aguda Grave morrem com dores no corpo inteiro, com dificuldades de respirar e tossindo tanto que rompem as cartilagens internas, se afogando em seu próprio sangue. O filme revela também que nem todas as pessoas expostas ao vírus adoecem, como ocorre nos dias hodiernos com a covid-19.

A reação dos governos não foi imediata e marcada por indecisões, além de  entraves burocráticos. Já governos que evitaram falar de pandemia para não assustar à população, tiveram como primeira preocupação assegurar a continuidade das lideranças e de comando para evitar o caos social, estabelecendo medidas de isolamento social e de quarentena. Um problema agravado por problemas logísticos que criaram dificuldades na produção e distribuição de alimentos, produtos de limpeza e de medicamentos.

Numa cena dramática uma mulher morre e o marido se suicida ao seu lado, deixando o filho pequeno abandonado. Há também especulação generalizada, como uma elevação de preços de mercadorias como o café sendo vendido a 17 dólares nos Estados Unidos e com o estabelecimento de um comércio paralelo com a instauração de um mercado negro, além de saques de mercados, o que não chegou a aconter no caso da covid-19, o qual paralisou as economias em escala planetária, mas não impactou à população com o desabastecimento de alimentos, um problema que afetou ao setor de veículos e de eletroeletrônicos.

Outra preocupação dos governos e cientistas em Vírus Fatal foi com as mutações no vírus, bem como problemas com os antivírus que não funcionavam contra o H5N1, daí a necessidade de investimentos em vacinas e definição de prioridades na imunização para o pessoal da área da saúde e para as pessoas consideradas de risco.

Collin Reed (Stacy Keach), um dos gestores durante a pandemia provocada pelo H5N1, declarou num dos diálogos do filme, que nunca pensou que uma gripe fosse algo tão importante, isso em tempos que considerou tenebrosos. Virus Fatal mostra hospitais lotados e cadáveres sem sepultura sendo cremados a céu aberto igual ao cenário escatológico observado durante os picos da covid-19 dos nossos dias.

O filme evidencia que não há uma resposta perfeita durante uma pandemia e que a melhor alternativa seria a articulação de esforços entre instituições internacionais com os governos nacionais, os quais devem atuar de forma integrada inclusive com a iniciativa privada no enfrentamento de uma tragédia distópica e que marcou também os nossos dias, quando as pessoas perderam o chão sob os deus pés e conheceram uma sensação de vazio tendo de se reinventar diante do isolamento social, da falência do sistema de saúde e de uma inevitável crise econômica com desemprego e uma escalada inflacionária.

No filme, nenhum herói falou de uma gripezinha e nem de remédios milagrosos ou chás para sua prevenção, terminando com o registro de mais de 25 milhões de mortes ainda com o contador girando na tela, mas também sem nenhuma CPI ou relatório final, mostrando que a arte nem sempre antecipa a realidade, mas serve para prevenir. O problema é que mesmo depois desta distópica covid-19, muitos cientistas ainda esperam uma outra pandemia inevitável no futuro, o que exige que se não aprendemos nenhuma lição com uma obra de ficção premonitória, melhor seria aprendermos com este choque oferecido pela realidade, num mundo onde o que é ruim pode ainda, segundo alguns escatologistas de plantão, piorar (Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

 

Título : Vírus Fatal ( Fatal Contac : Bird Flu in América)

Direção : Richard Pearce

Roteiro: Ron McGee

Elenco: Joely Richardson. Stacy Keach, Ann Cusak, Justina Machado, Scott Cohen. David Ramsey, John Atkinson e Kodi Smit-Mcphee

Cinematografia : Ian Strasburgg=

Music : Mark Adler

Colorido

2006

90 minutos


domingo, 10 de outubro de 2021

Um ícone do expressionismo alemão e da história do cinema


                                                                                                     

Considerado como um ícone do expressionismo alemão e um marco na história do cinema, o filme  Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, uma Sinfonia do Horror), dirigido em 1922 por  Friedrich Wilhelm Murnau, tem como referência a história de Drácula, romance de Bram Stoker, o que gerou nos anos 20 uma disputa judicial com os herdeiros do escritor, culminando com uma decisão judicial para destruição dos negativos e cópias do filme na Alemanha e na Europa. A decisão não evitou que cópias do filme, considerado uma obra prima, fossem comercializadas a partir dos Estados Unidos, onde os direitos autorais já haviam expirado anteriormente.

A história tem como base o  drama do corretor de imóveis Thomas Hutter interpretado pelo ator Gustav von Wangenheim,  que  negocia a venda de um castelo abandonado e em decadência para o estranho conde Graf Orlock (Max Schreck). O complicador é que o conde de hábitos noturnos,  vive num castelo em Bremen, na Alemanha e  é na verdade um vampiro milenar, que espalha o terror na região e é temido pela população da vizinhança.

O corretor passa alguns dias no castelo de Bremem, onde ao ter acesso de uma foto de mulher de Hutter,  Ellen (Greta Schroeder), o conde  passa a se interessar por ela e a influencia mesmo à distância com seus poderes sobrenaturais. O filme inclui efeitos especiais elaborados para a época da filmagem e revela para a mudança do conde, que os vampiros só podem manter a sua força se mantidos durante o dia em caixões com a terra amaldiçoada em que foram enterrados.

O fato é que o filme com 105 minutos e um enredo elaborado, tem na única coisa que o diferenciava do Drácula, o nome do conde rebatizado como Graf Orlock e os dos personagens centrais da história. Outra diferença foi encontrada para a morte do vampiro, que morre ao ser atingido pela luz solar, além de inspirar diversas outras caracterizações de chupadores de sangues, ganhando inclusive um remake em 1979, batizado como Nosferato – o vampiro da noite, assinado por outro cineasta alemão Werner Herzog e com a participação do ator Klaus Kinski e a bela Isabelle Adjani.

Nas vésperas de comemorar o seu histórico centenário, Nosferatu  foi inteiramente restaurado em 2006, com base em uma cópia de 1922 da Cinemateca Francesa, bem como de uma outra encontrada no arquivo de cinema alemão e  de outra película encontrada na Tchecoeslováquia, onde o filme foi rebatizado com outro nome para escapar da disputa judicial dos produtores do filme com a viúva do escritor Florence Stoker.(Kleber Torres)

 

 

Ficha técnica

Título : Nosferatu, eine Symphonie des Grauens / Nosferatu, uma Sinfonia do Horror Diretor  

Diretor : Friedrich Wilhelm Murnau

Roteiro : Henrik Galeen / Bram Stoker

Elenco : Max  Schreck, Alexander Granach, Gustav von Wangenheim, Greta Schroeder,G.H.Schnell, Ruth Landshoff, John Gottovut, Gustav Botz, Max Nemetz e Wolfgang Heinz

Cinematografista : Gunther Kampft e Fritz Arno Wagner

Diretor de arte – Albin Grau                

P & B

1922

105 minutos


sábado, 2 de outubro de 2021

O fake por trás do mundo robotizado dos influenciadores digitais


  

Considerado como um experimento social inovador com a participação de influenciadores digitais, o filme Fake Famous: influência e fama na era digital, dirigido por Nick Bilton e exibido pela HBO, tem como referenciais o fato de que em todo o mundo 40 milhões de pessoas têm mais de um milhão de seguidores nas redes sociais e que outros 100 milhões têm em média mais de 100 mil seguidores, sendo considerados celebridades no complexo e disputado universo digital. O experimento envolve três jovens de Los Angeles, com o número de seguidores relativamente pequeno, que são turbinados com a  compra de seguidores falsos e apoio de um exército invisível de robots, conhecidos como bots.

A filme exibido este ano tem como pressuposto que a fama é uma coisa obscura e estranha, pois no passado as pessoas eram famosas em função da suas habilidades  artísticas ou esportivas,  hoje, pela sua capacidade de influenciar as pessoas através da redes sociais, tendência se acentuou a partir da pandemia provocada pela covid-19.  Ele também reúne depoimentos de Taylor Lorenz, que é  repórter de tecnologia do The New York Times); da influenciadora Liz Eswein; da jornalista Sarah Frier, do Bloomberg e da escritora Justine Bateman, autora do livro Fame: The Hijacking of Reality) e diversos especialistas em comunicação digital.

Fake Famous tem como contraponto o novo coronavirus, pandemia que  forçou as pessoas ao isolamento e distanciamento ampliando o seu acesso às redes sociais, as quais extrapolaram a sua dimensão de meros aplicativos para postagem de fotos e mídias diversas, fomentando uma indústria que movimenta milhões de dólares em escala global através de negócios e campanhas de vendas.

Além de discutir o que é e qual a função de um influenciador digital, Fake Famous,  o filme mostra o desempenho de três personagens: Dominique Druckman, uma atriz de filmes sobre adolescentes rebeldes e que vivia na expectativa de sua grande chance  no cinema; Chris Bayley estilista e cantor que sonhava se impor no mundo da moda com peças únicas e aplicava sua arte em roupas de segunda mão.

O terceiro elemento no experimento foi Wylie Heiner, assistente  imobiliário, destacando no filme que a experiência como influenciador digital foi exaustiva  e competitiva o que acabou resultando na sua desistência do processo em que afinal todo o mundo conhece alguém famoso no Instagram. Em termo de expectativas, ele espera atuar em um outro filme e na vida real, prosseguir seus estudos para  trabalhar em projetos educacionais com outros grupos marginalizados.

Partindo do pressuposto de que os influenciadores digitais ganham seguidores por meio de curtidas, compartilhamentos e patrocínios, um processo que pode ser inflado com o suporte de um verdadeiro exército de bots – robôs - contratado  para gerar engajamento e motivar a participação de pessoas, elevando artificialmente os perfis e o status do influenciador digital. Hoje, a estimativa é de que 48% das atividades nas redes sejam realizadas através de pessoas e o restante por robôs, que aceleram as curtidas, gerando tráfego e retorno financeiro aos envolvidos neste negócio.

 

O projeto começou com uma produção e investimentos nos três personagens do experimento que ganharam novo corte de cabelo, um novo look no seu visual, além, naturalmente da compra de seguidores falsos, os mesmos que são usados através de robôs  para a criação de pessoas falsas e noticias idem. Depois destes preparativos, os três influenciadores passaram por uma bem cuidada sessão de fotos, como a de uma outra profissional desta área, que comodamente fez uma “viagem” a Bali, passando com sua equipe de produção apenas por uma sofisticada loja de departamentos.

 

O dado observado na pesquisa é que a compra de seguidores tem de ser feita de forma discreta com a aquisição gradual  de 7,5 mil adesões num dia para não alertar aos algoritmos das operadoras das redes sociais. As adesões, falsas ou verdadeiras  servem de padrão para a obtenção do patrocínio de produtos ou empresas que operam no mercado real.

 

A ideia da pesquisa foi forjar viagens, caminhadas, hospedagem em hotéis e mansões – alugadas por uma diária inferior a mil dólares – ou mesmo viagens de primeira classe em jatinhos fakes, cujas cabines são alugadas por menos de 100 dólares por hora, com excelentes resultados. Quem pretende um custo menor nestas viagens em jato executivo pode usar criativamente até uma tampa de vaso sanitário para imitar a janela de um avião, com custo de apenas  uma dezena de dólares.

 

Uma estatística apresentada no filme é que mais de 60% dos likes de pessoas famosas, consideradas celebridades nas redes sociais são movimentadas por bots falsos. Já a  socialite Kim Kardashian, uma celebridade no mundo  dos influenciadores digitais,  cobra, por exemplo,  500 mil dólares por uma postagem no Instagram e em média, um profissional posta em média três a quatro informações por dia.

O diretor Nick Bilton, um jornalista experimentado,  atinge o objetivo proposto pelo projeto do filme ao  questionar a fama e a influência na era digital, num  mundo em que as pessoas estão em busca do sucesso e do reconhecimento nas redes sociais. O processo envolve bilhões de seres humanos em escola planetária, num universo onde 140 milhões de pessoas, o equivalente a metade da população dos Estados Unidos têm mais 100 mil seguidores.

A aspirante a atriz Dominique Druckman começou a receber produtos e passou a ser  procurada por empresas quando superou a marca dos 100 mil seguidores. Também foi convidada para uma viagem com influenciadores para Las Vegas promovida por uma indústria de roupas, com direito a uma parada para fotos no deserto e até um parque aquático abandonado.

Ela conta no filme que a experiência de uma semana em tempo integral de dedicação à atividade de influenciadora digital serviu para definir  uma nova meta para chegar a 250 mil seguidores. Mas mesmo com a pandemia, ela continuou a receber presentes e produtos, inclusive de uma joalheria.

Wylie Heiner  teve uma experiência interessantes, com 165 curtidas e muitos comentários num curto espaço de tempo após uma postagem turbinada por bots. O fato é que cada um dos envolvidos na pesquisa  passa a ter experiências totalmente diferentes à medida que seus falsos seguidores construídos por hackers, com base em pessoas existentes na base de dados da rede mundial de computadores , crescem aos milhares a cada dia, quando a própria realidade se confronta com os sonhos.

O estilista Chris  Bayley, desiste do projeto por considerar que pretendia ser famoso por ser autêntico, mas sem a ajuda de bots e não como Dominique Druckman, que virou uma outra pessoa e ganhou até férias grátis e patrocinada, mas com a pandemia passou a perceber que tudo é falso, com influenciadores se exibindo em praias de biquíni num período de distanciamento social, enquanto cantores de ópera e artistas cantavam em varandas levando alegria para as pessoas em isolamento e afetadas por uma pandemia que custou a vida de mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo.

“No meu caso,eu não preciso ser repaginado”, destacou Chris  Bayley que optou por deixar o projeto junto com Wilei Heiner. Também foi constatado que apesar da pandemia os influenciadores digitais aumentaram o número de seguidores reais, uma provável consequência dos isolamento das pessoas.

Fake Famous revela por fim como o mundo online perpetua uma falsa sensação de glamour, mas que está cada vez mais distante da realidade das pessoas e mesmo de toda uma geração que sofre de depressão, ansiedade e vício nas mídias sociais, num contraponto a um período de crise agravado pela pandemia da covid-19, o que nos leva a refletir sobre a realidade e sobre a possibilidade de construção de um mundo inteiramente fake, onde tudo é falso,  como uma simples peça de ficção e de pronta reposição. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título: Fake Famous: influência e fama na era digital

 

Direção : Nick Bilton

 

Direção de fotografia : Barney Broomfield

 

Música : Michael Abels


quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Um retrato da desigualdade e do empobrecimento americano


 

Baseado no livro homônimo de Jessica Bruder, o filme ‘Nomadland – sobreviver na América’ é um road movie sobre os nômades modernos, que  ganhou o Leão de Ouro, prêmio de melhor filme do Festival de Cinema de Veneza de 2020 e conquistou em 2021, o Oscar de Melhor Filme, de Melhor Atriz, para Frances McDormand e de melhor diretor para a cineasta chinesa Chloe Zhao, mostrando a outra face da sociedade norte americana, marcado pela pobreza e desigualdade social.

 

O filme, que foi construído como a narrativa de um documentário, tem no seu enredo apenas dois atores profissionais Frandes McDormand (Fern) e David Strathairn (Dave) e mostra pessoas interpretando seus próprios papeis que vivendo como nômades modernos numa sociedade em crise.

 

Os personagens vivem fazendo bicos prestando serviços temporários a grandes empresas como a Amazon, fazendo limpeza em restaurantes ou até mesmo trabalhando na colheita em regiões agrícolas dos Estados Unidos, se locomovendo em suas vans, trailers ou motorhomes, em busca de oportunidades de  trabalho.

 

A história gira em torno de Fern, uma viúva sem-teto de  60 anos de idade, que depois da crise econômica do final da primeira década do século XXI,  decide deixar a cidade em que vivia no estado de Nevada, percorrendo com sua van diversos estados do país.  Nesta viagem, ela se depara com outros nômades, alguns aposentados com baixos salários ou trabalhadores precarizados como Linda May, Angela Rayes,  Swankie, Carl R. Hughes e Bob Wells que se tornam seus companheiros vagando pelo oeste americano.

 

Marcado pela lentidão, o filme revela não apenas a crise que afeta os sem –teto  despejados de seus lares com a crise econômica que  assumiu  uma dimensão global, forçando as pessoas a reinventarem suas vidas ou descobrirem  a opção da moradia móvel de baixo custo, mas que oferece riscos nos invernos rigorosos.

Os novos nômades redescobrem  o escambo, um sistema de trocas primitivo e que não envolve o uso de moeda corrente, bem como patrocinam debates sobre a importância da união de esforços para o enfrentamento político de dificuldades comuns ao grupo e valorização do referencial de amizades, que podem ser duradouras ou passageiras, sinais de um tempo de crise e instabilidade.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Nomadland (Nomadland – sobreviver na América)

Diretora e roteiro: Chloé Zhao

 

Elenco : Frances McDormand, David Strathairn, Linda May, Swankie, Bob Wells, Angela Rayes, Carl R. Hughes, Douglas G. Soul,  Ryan Aquino.

 

Cinematografista : Joshua James Richard

 

MúsicaLudovico Einaudi


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Festival de Curtas tem edição online com apresentação de 200 filmes

 

Céu de Agosto - Jasmin Tenucci
Céu de Agosto – Jasmin Tenucci – Céu de Agosto/Jasmin Tenucci

Em mais uma edição online por causa da pandemia do novo coronavírus, o tradicional Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo tem início nesta quinta-feira (19) apresentando 200 filmes de 39 países. A mostra é gratuita e acontece até o dia 29 de agosto. A direção do festival é da produtora cultural Zita Carvalhosa.

Dentre os 200 filmes, 116 são títulos brasileiros. Entre eles estão Céu de Agosto, obra que foi recentemente premiada no Festival de Cannes, e Seiva Bruta, eleito melhor curta-metragem latino-americano no Directors Guild of America.

Já entre os destaques internacionais estão Estrela Vermelha, de Yohan Manca, e obras que foram premiadas no Festival de Clermont-Ferrand, mais importante evento dedicado aos curtas: Irmãs, Nadador e Ônibus Noturno. Outros destaques são a animação Casca, eleito melhor curta internacional do Festival de Annecy; A Montanha Lembra, vencedor da competição internacional do festival É Tudo Verdade; e Viagem ao Paraíso, produção do Vietnã premiado no Festival de Locarno.

Na edição deste ano, o festival presta homenagens à montadora Vânia Debs, falecida em junho, e aos cineastas Glauber Rocha e Chris Marker. Para homenagear Vânia Debs, o festival vai apresentar cinco curtas, entre eles, Morte, dirigido por José Roberto Torero e protagonizado por Paulo José, que morreu recentemente. O polêmico curta Di Cavalcanti Di Glauber, de 1976, será apresentado como uma homenagem ao cineasta brasileiro. Já o centenário de Chris Marker será celebrado com La Jetée, de 1962.

O festival também celebra a produção de jovens cineastas das periferias e a cultura indígena, com uma mostra dedicada ao festival Amotara, dedicado a mulheres indígenas cineastas. Além disso, encontros vão discutir temas como as plataformas de streaming, o cinema das mulheres indígenas e produções durante a pandemia, entre outros.

A cerimônia de abertura acontece nesta quinta-feira, às 20h. A cerimônia, os filmes e os encontros podem ser acessados pelo endereço http://www.kinoforum.org.br/(Agência Brasil)

domingo, 15 de agosto de 2021

As múltiplas faces de um ícone do cinema: Dr. Jack e Mr. Nicholson


  

 

Tendo como referência o romance Dr.Jack e Mr. Hyde, um clássico de Robert Louis Stevesen sobre The Strange Case of Dr. Jakyll and Mr.Hide, a luta entre o bem e o mal no interior de um mesmo personagem, o filme Dr Jack & Mr. Nicholson narra,  em cerca de 60 minutos, a trajetória de Jack Nicholson, um ícone do cinema, que ao longo de 50 anos de carreira conquistou três Óscares e participou de mais de 60 filmes, atuando como ator, diretor em pelo  menos três deles e um roteirista bem sucedido.

Tudo começou no final dos anos 50 quando um jovem de Spring Lake, um distrito de Nova Jersey,  compra um carro e vai para Hollywood em busca do estrelato e da fama. No início, tudo foi difícil e ele conseguiu participar como ator secundário e vários filmes, três filmes classe b, dirigido por Roger Corman, que produziu centenas de filmes de baixo custo e revelou diversos artistas, bem como diretores hoje  conhecidos e famosos.

Mas o  sucesso chegou em 1969, com  Sem Destino (Easy Ryder),de Dennis Hopper. onde com apenas 15 minutos em cena aparece como destaque numa interpretação primorosa ao lado  Peter Fonda e Dennis Hopper, conquistando inclusive prêmios em diversos festivais de cinema.

Ele também fez sucesso em Chinatown, com atuação marcante num drama policial como detetive e que relata parte de um dos mistérios  da sua vida pessoal, quando descobre que sua mãe é sua irmã. Ele também nunca conheceu o seu pai.

Conquistou um Oscar em 1975,  com o trabalho antológico em  Um estranho no ninho (One flew over the Cuckoo’s Nest) dirigido por  Milos Forman e baseado no romance de Ken Kesey,  um clássico da contracultura. Nicholson declarou que com esse prêmio, a academia demonstrava que também está repleta de loucos ,

Considerado um inconformado crônico e um bom vivant, Jack Nicholson também teve destaque em filmes como Batman, interpretando  o Coringa, o que lhe rendeu US$  70 milhões de dólares com o sucesso da franquia. Se como diretor ele não teve sucesso mesmo dirigindo A Chave do Enigma, continuação de Chinatown,  ganhou o Oscar em O iluminado(The Shining), que estreiou em 1980, com a direção do perfeccionista Stanley Kubric e resultado de 11 meses de filmagens intensas e repetitivas, quando entrou definitivamente na mitologia do cinema.

Como documentário, Dr. Jack e Mr.Nicholson  faz uma revisão da sua vida, seu envolvimento com drogas e bebidas, da família, e  inclusive no seu casamento de 17 anos, com Anjelica Huston, filha de um famoso diretor de cinema, de quem separou depois de uma série de casos extraconjugais  com  atrizes e camareiras. Ele resgata a vida do casal no roteiro de Acerto Final, interpretado pelos dois, como um casal idoso.

O filme é enriquecido pelas entrevistas de Roger Corman, Jonathan Epaminondas, Henry Joglom, Christopher Floyd e Jean–Baptiste Torel. Longe das câmeras desde 2010, Nicholson vive uma vida reclusa e solitária, e segundo um amigo, usa óculos escuros para evitar que vissem sua alma. Ele confessou numa das suas muitas entrevistas, que sem os óculos  é apenas um velho gordo e calvo e admitiu que optou pelo silêncio como parte da sua natureza.(Kleber Torres_)

 

Ficha Técnica

Título :  Dr. Jack & Mr. Nicholson

Direção :  Emmanuelle Nobécourt

Roteiro  :  Emmanuelle Nobécourt e Jeanne Burel

Entrevistas : Roger Corman, Jonathan Epaminondas, Henry Joglom, Christopher Floyd e Jean–Baptiste Torel

Gênero : Documentário

2019

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Os bastidores de um sistema bruto e corrompido

Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite II – Agora o inimigo é outro (2010), são dois filmes que têm como foco a corrupção e a violência, tendo como pano de fundo uma instituição policial voltada para a segurança da população atuando no enfrentamento de traficantes e milicianos, além dos laços nem sempre visíveis entre a política e o crime organizado. Os dois filmes são dirigidos com competência por José Padilha, que também participou da elaboração do roteiro ao lado de Bráulio Mantovani e Rodrigo Pimentel. No primeiro filme, o capitão Nascimento (Wagner Moura) é oficial de uma Tropa de Elite da Polícia Militar no Rio de Janeiro designado para chefiar uma das equipes que tem como missão apaziguar o Morro do Turano. Em meio a um tiroteio, ele e a sua equipe resgatam Neto e Matias, dois aspirantes a oficiais da PM, que se candidatam ao curso de formação da Tropa de Elite, o BOPE, cuja farda é preta e é considerada uma tropa de intervenção. O filme tem como pano de fundo uma cidade com 700 favelas dominadas por traficantes e milicianos armados até os dentes, munidos com ARs-15 AKs-47, armas de guerra. Cabe lembrar que neste contexto belicoso, o policial tem família e também tem medo de morrer, o que parece um paradoxo. Tropa de Elite também mostra que neste cenário, o policial se corrompe, se omite ou vai para a guerra, pois estas são as três opções que sobram ao agente da lei numa cidade infiltrada pelo tráfico e pela corrupção, a mesma que na vida real afastou ex-governadores e colocou na cadeia diversos gestores e parlamentares.. No filme, o aspirante Matias (André Ramiro) estuda direito e vai para uma ONG na favela onde os colegas lhe oferecem maconha e ele rejeita, mas oculta a sua condição de militar. Tropa de Elite também mostra o outro lado da PM, com policiais que chegam na favela arrepiando e nas oficinas do quartel retiram para vender até o motor de uma viatura nova, Através do achaque, também agentes da lei corrompidos cobram pela segurança de bares, o que é outra irregularidade, mostrando um sistema que não tem limites e que faz parte de uma cultura da PM, segundo conta um dos personagens do filme, onde se negocia até o preços as férias de um policial honesto, numa espécie de troca com ajuda recíproca e mútua, pois, “quem quer rir também tem de fazer rir”. O filme também inclui cenas de falsificação de relatórios de ocorrências e de uma missão de um carro blindado de combate da polícia, instituição onde de certa forma a hierarquia protege os corruptos. Outra faceta é a ação do tráfico que realiza execuções com uso micro-ondas, ou seja, conjunto de pneus que servem para queimar a vítima integralmente até virar pó na eliminação de devedores e desafetos. Em Tropa de Elite II, o capitão Nascimento deixa após uma operação fracassada, a linha de frente onde enfrenta as milícias e descobre no final, que é hora da morte que a gente entende a vida e o sentido do politicamente correto. O filme revela os bastidores da disputa de facções, de rebeliões e dasintervenções do BOPE. Ao deixar a tropa de elite, Nascimento vai para subsecretaria de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Ao mesmo tempo Matias sai do BOPE vai para um batalhão e acaba pegando 30 dias de cadeia por criticar o governador. Já o filho adolescente de Nascimento, o Rafael tem problemas afetivos com pai. Na secretaria de segurança, o capitão Nascimento constata o crescimento da milícia, que se fortalece com a venda de TV a cabo via internet e gás de cozinha. Ele observa que o sistema mudou e até evoluiu, pois antes os políticos usavam o sistema apenas para ganhar dinheiro e agora, dependem do mesmo até para se eleger, o que revela uma outra faceta do relacionamento entre a política e o crime organizado. Neste contexto, a milícia atua no apoio para políticos como o governador e até o próprio secretário de segurança, que acaba candidato a deputado federal, evidenciando o casamento entre eleição e negócios nem sempre lícitos ou transparentes. A constatação que fica para o espectador é que não dá para não votar em governo que não protege nem delegacia e nem investiga a morte de policiais honestos como o André Matias, eliminado numa queima de arquivo orquestrada por colegas de farda. Assim, o capitão Nascimento acaba isolado e arrastado para uma disputa política sangrenta, que envolve funcionários do governo e grupos paramilitares,mostrando a face oculta e o peso absoluto do crime organizado.(Kleber Torres)

sábado, 10 de julho de 2021

Um olhar diferenciado sobre a loucura e a arte

 



 

O filme Nise - O coração da loucura (2015) narra a trajetória da psicanalista Nise Silveira (Glória Pires), uma psicanalista que cuidava dos pacientes do manicômio onde trabalhava como clientes. Ele optou pela terapia ocupacional, como parte da estratégia para humanização do tratamento psiquiátrico, substituindo a lobotomia e do eletrochoque, duas terapias invasivas muito utilizadas nos hospícios do Brasil, onde os loucos eram segregados da família e da sociedade, tornando-se objeto de manipulação em pesquisas nem sempre adequadas para os pacientes e antiéticas.

Nise era uma leitora de Jung e, juntamente com uma artista plástica e apoio de  uma pequena equipe de colaboradores, trabalhou na construção do projeto que que resultou na implantação do Museu do Inconsciente, em 1952, reunido trabalhos de artistas plásticos esquizofrênicos e que evoluíam tecnicamente na elaboração de quadros e esculturas, em que revelam o seu mundo interior e a sua visão da vida.

Ela descobriu que os clientes, termo que  usava para os pacientes, pintavam inicialmente quadros abstratos e depois com a evolução do processo criativo construíam mandalas e obras figurativas com muitos círculos, atraindo a atenção inclusive de críticos de artes plásticas com Mário Pedrosa (Charles Frick), ganhando espaço na mídia brasileira e reconhecimento pela socidade.

Os seus métodos para humanização do tratamento eram questionados por outros psicanalistas com quem trabalhava, que  procuravam desconstruir o seu projeto, acusando-a de comunista. Ela  considerava que os loucos estavam dissociados do pensamento racional e o importante no tratamento era que se descobrisse a sua própria linguagem a partir da própria realidade objetiva do cliente.

Ao ser questionada  sobre o seu método de trabalho, ela respondeu ao colega que a criticava: “você usa  furador de gelo (instrumento usado na lobotomia, cirurgia que deixava os pacientes em sua maioria  incapazes de se comuncar, andar ou se alimentar)  e eu  o pincel”, destacando as diferenças irreconciliáveis entre os dois processos.

O filme não faz referências  a Arthur Bispo do Rosário, considerado um gênio por alguns e louco por outros, um dos mais célebres artistas plásticos conhecidos no grupo de internos manicomiais da  época e chupa uma cena do filme Estranho no Ninho, baseado no romance de Ken Kesey, considerado um dos clássicos da contracultura, em que os pacientes eram levados no ônibus para um passeio fora do ambiente do manicômio. No caso brasileiro, os pacientes foram ao Jardim Botânico.

Nise: O coração da loucura também nos ensina que de artista e louco cada um de nós tem um pouco e que uma das funções principais da arte é revelar a linguagem a linguagem do inconsciente, a qual temos o dever de se decifrar. No final do filme, a psicanalista Nise Silveira, já  idosa e usando óculos de grau potentes declara que “há dez mil modos de pertencer a vida e lutar pela sua época”, uma lição que deve ser aprendida por todos nós. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Nise – O coração da loucura

Diretor : Roberto Berliner

Roteiro : Flávia Castro, Maurício Lissovki, Maria Camargo e Chris Alcazar

Elenco : Glória Pires, Augusto Medeiros, Bernardo Marinho, Charles Frick, Cláudio Jaborandy, Fabrício Boliveira, Felipe Rocha e Fernando Eiras

Diretor de Fotografia : André Horta  

Diretor de arte : Daniel Flaksman

Brasil

2015

110 minutos

domingo, 13 de junho de 2021

Opioides, uma tragédia com 500 mil mortes nos Estados Unidos



                                          

O documentário O Crime do Século (The Crime of the Century), dirigido por Alex Gibney e exibido recentemente pela HBO e HBO GO, narra a tragédia dos opioídes, uma classe de drogas derivadas da papoula, nos Estados Unidos, com o registro de 500 mil mortes nos primeiros 20 anos deste século. O filme foi dividido em duas partes, com quase quatro horas de duração e revela por através de entrevistas e vídeos como funciona indústria farmacêutica responsável pela epidemia de opioides, com um custo social estimado em US$ 1 trilhão, num país onde a cada 25 minutos nasce uma criança viciada com sinais de abstinência.

 

A primeira parte traz um histórico do uso dos opioides, que foram introduzidos na Índia por Alexandre Magno e cujo uso já era conhecido pelos ocidentais ainda na antiguidade, sendo cultivada pelos egípcios e cujo uso e produção depois se alastrou pelo Mediterrâneo. Os derivados da papoula foram condenados pela Santa Inquisição, que ligava a droga ao diabo e às coisas infernais.

 

Na primeira metade do século XIX a Merck sintetizou a morfina e a Bayer, no início do século XX, passou a fabricar a heroína como substituta da morfina, então um produto vendido no varejo, como medicamento contra tosse. Historicamente, os opioides já eram usados  desde o século XVI, como láudano, uma mistura à base de vinho branco, açafrão, cravo, canela e ópio, desenvolvido pelo alquimista Paracelso, também utilizado como medicamento e relaxante.

 

Os derivados do ópio também alimentaram no século XX os cofres da máfia e os carteis mexicanos. O filme deixa transparecer a existência de uma relação entre os negócios dos carteis do crime organizado e as industrias farmacêuticas, até mesmo em função da complexidade logística de distribuição e da cadeia produtiva do ópio. Vale salientar, que para conquistar o mercado para novos produtos, os carteis chegaram mesmo a distribuir amostras grátis de matanfetaminas.

  

O Crime do Século mostra como a gigante da indústria farmacêutica Purdue Pharma, que lucrou mais de US$ 14,5 bilhões com a venda de opoides, conseguiu que a Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) aprovasse para uso mais amplo um analgésico potente para pacientes com dores crônicas ou em estágio terminal, mas que causa alta dependência. A droga foi considerada segura pelo FDA e  depois tentativas infrutíferas para corrigir o erro por parte de agências reguladoras oficiais e órgãos da Justiça, a empresa se uniu extrajudicialmente a distribuidoras de opioides e seguiu em frente, requerendo falência depois de uma multa de US$ 8,3 bilhões. O laboratório continua operando e deve pagar a multa com dinheiro da venda dos opioides.

 

Em sua trajetória, o Purdue Pharma cresceu a partir de um pequeno laboratório adquirido por três irmãos da família Sackler. A empresa opera a partir da premissa de que não há mal para o qual não seja capaz de criar um comprimido, e  a partir dos anos 60 do século passado passou a investir no mercado de calmantes e viciantes. Assim, na medida que dezenas de milhares de pessoas se tornavam viciadas e morriam, com a droga se alastrando até mesmo entre jovens de comunidade rurais, o que tornou os opioides conhecidos como heroína caipira,  o negócio bilionário se consolidou e o mercado criado por ela abriu caminhos para a prescrição de medicamentos ainda mais potentes e  mortais.

 

Os laboratórios consideram que a droga não é o problema, mas sim quem usa os produtos. O Purdue Pharma primeiro produziu o MS Contin, um sulfato de morfina e depois lançou Oxicodona, um opioide que age lentamente sendo absorvido pela corrente sanguínea, mas ocultou os perigos para os usuários em função dos lucros em escala numa parceria com clinicas, médicos e funcionários da FDA, que consideravam os viciados como pseudo dependentes.  O carro chefe do laboratório, o Oxicodona, tem uma potencia duas vezes superior à morfina e chegou a movimentar em vendas US$ 1 bilhão por ano.

 

A segunda parte do documentário é dedicada à agressiva estratégia de  marketing para o opioide sintético Fentanil, o que serve  como base para se chegar a uma ligação entre a indústria farmacêutica e as políticas governamentai, enquanto a epidemia silenciosa de ópio avançava de forma gradativa, matando 40 pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes classes sociais por dia nos Estados Unidos.

 

Nesta estratégia, os laboratórios subornavam médicos com prêmios, pagando palestras e outros incentivos para que prescrevessem droga. O filme inclui participações de representantes da DEA, jornalistas e pesquisadores,  além do ex-vice-presidente de Vendas do Insys Alec Burlakoff e  da ex-gerente de Vendas do, Insys Sunrise Lee, que chegaram a ser concenados a prisão e do traficante de Fentanil, Caleb Lanier, que vendia o produto para sustentar o próprio vício..

 

O filme também narra tragédias pessoais com a participação de profissionais de saúde, sobreviventes e familiares das vítimas dos opioides, além de  contar  ainda com a participação de denunciantes e informantes, além de exibir documentos vazados, entrevistas e acesso aos bastidores das investigações, nos Estados Unidos onde foram comercializados mais de 100 bilhões de compridos nas duas primeiras décadas do século XXI.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título : O Crime do Século (The Crime of the Century)

 

Direção e roteiro  : Alex Gibney

 

Música : Brian Deminy

 

Gênero : Documentário

 

2020

 

231 minutos