sábado, 10 de julho de 2021

Um olhar diferenciado sobre a loucura e a arte

 



 

O filme Nise - O coração da loucura (2015) narra a trajetória da psicanalista Nise Silveira (Glória Pires), uma psicanalista que cuidava dos pacientes do manicômio onde trabalhava como clientes. Ele optou pela terapia ocupacional, como parte da estratégia para humanização do tratamento psiquiátrico, substituindo a lobotomia e do eletrochoque, duas terapias invasivas muito utilizadas nos hospícios do Brasil, onde os loucos eram segregados da família e da sociedade, tornando-se objeto de manipulação em pesquisas nem sempre adequadas para os pacientes e antiéticas.

Nise era uma leitora de Jung e, juntamente com uma artista plástica e apoio de  uma pequena equipe de colaboradores, trabalhou na construção do projeto que que resultou na implantação do Museu do Inconsciente, em 1952, reunido trabalhos de artistas plásticos esquizofrênicos e que evoluíam tecnicamente na elaboração de quadros e esculturas, em que revelam o seu mundo interior e a sua visão da vida.

Ela descobriu que os clientes, termo que  usava para os pacientes, pintavam inicialmente quadros abstratos e depois com a evolução do processo criativo construíam mandalas e obras figurativas com muitos círculos, atraindo a atenção inclusive de críticos de artes plásticas com Mário Pedrosa (Charles Frick), ganhando espaço na mídia brasileira e reconhecimento pela socidade.

Os seus métodos para humanização do tratamento eram questionados por outros psicanalistas com quem trabalhava, que  procuravam desconstruir o seu projeto, acusando-a de comunista. Ela  considerava que os loucos estavam dissociados do pensamento racional e o importante no tratamento era que se descobrisse a sua própria linguagem a partir da própria realidade objetiva do cliente.

Ao ser questionada  sobre o seu método de trabalho, ela respondeu ao colega que a criticava: “você usa  furador de gelo (instrumento usado na lobotomia, cirurgia que deixava os pacientes em sua maioria  incapazes de se comuncar, andar ou se alimentar)  e eu  o pincel”, destacando as diferenças irreconciliáveis entre os dois processos.

O filme não faz referências  a Arthur Bispo do Rosário, considerado um gênio por alguns e louco por outros, um dos mais célebres artistas plásticos conhecidos no grupo de internos manicomiais da  época e chupa uma cena do filme Estranho no Ninho, baseado no romance de Ken Kesey, considerado um dos clássicos da contracultura, em que os pacientes eram levados no ônibus para um passeio fora do ambiente do manicômio. No caso brasileiro, os pacientes foram ao Jardim Botânico.

Nise: O coração da loucura também nos ensina que de artista e louco cada um de nós tem um pouco e que uma das funções principais da arte é revelar a linguagem a linguagem do inconsciente, a qual temos o dever de se decifrar. No final do filme, a psicanalista Nise Silveira, já  idosa e usando óculos de grau potentes declara que “há dez mil modos de pertencer a vida e lutar pela sua época”, uma lição que deve ser aprendida por todos nós. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Nise – O coração da loucura

Diretor : Roberto Berliner

Roteiro : Flávia Castro, Maurício Lissovki, Maria Camargo e Chris Alcazar

Elenco : Glória Pires, Augusto Medeiros, Bernardo Marinho, Charles Frick, Cláudio Jaborandy, Fabrício Boliveira, Felipe Rocha e Fernando Eiras

Diretor de Fotografia : André Horta  

Diretor de arte : Daniel Flaksman

Brasil

2015

110 minutos

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