O documentário O Crime do Século (The Crime of
the Century), dirigido por Alex Gibney e exibido recentemente pela HBO e HBO GO, narra a tragédia dos
opioídes, uma classe de drogas derivadas da papoula, nos Estados Unidos, com o
registro de 500 mil mortes nos primeiros 20 anos deste século. O filme foi
dividido em duas partes, com quase quatro horas de duração e revela por através
de entrevistas e vídeos como funciona indústria farmacêutica responsável pela
epidemia de opioides, com um custo social estimado em US$ 1 trilhão, num país
onde a cada 25 minutos nasce uma criança viciada com sinais de abstinência.
A primeira parte
traz um histórico do uso dos opioides, que foram introduzidos na Índia por
Alexandre Magno e cujo uso já era conhecido pelos ocidentais ainda na
antiguidade, sendo cultivada pelos egípcios e cujo uso e produção depois se
alastrou pelo Mediterrâneo. Os derivados da papoula foram condenados pela Santa
Inquisição, que ligava a droga ao diabo e às coisas infernais.
Na primeira metade
do século XIX a Merck sintetizou a morfina e a Bayer, no início do século XX,
passou a fabricar a heroína como substituta da morfina, então um produto
vendido no varejo, como medicamento contra tosse. Historicamente, os opioides
já eram usados desde o século XVI, como
láudano, uma mistura à base de vinho branco, açafrão, cravo, canela e ópio,
desenvolvido pelo alquimista Paracelso, também utilizado como medicamento e
relaxante.
Os derivados do ópio
também alimentaram no século XX os cofres da máfia e os carteis mexicanos. O
filme deixa transparecer a existência de uma relação entre os negócios dos
carteis do crime organizado e as industrias farmacêuticas, até mesmo em função
da complexidade logística de distribuição e da cadeia produtiva do ópio. Vale
salientar, que para conquistar o mercado para novos produtos, os carteis
chegaram mesmo a distribuir amostras grátis de matanfetaminas.
O Crime do Século mostra como a
gigante da indústria farmacêutica Purdue Pharma, que lucrou mais de US$ 14,5
bilhões com a venda de opoides, conseguiu que a Agência de Alimentos e
Medicamentos dos EUA (FDA) aprovasse para uso mais amplo um analgésico potente
para pacientes com dores crônicas ou em estágio terminal, mas que causa alta
dependência. A droga foi considerada segura pelo FDA e depois tentativas infrutíferas para corrigir
o erro por parte de agências reguladoras oficiais e órgãos da Justiça, a
empresa se uniu extrajudicialmente a distribuidoras de opioides e seguiu em
frente, requerendo falência depois de uma multa de US$ 8,3 bilhões. O
laboratório continua operando e deve pagar a multa com dinheiro da venda dos
opioides.
Em sua trajetória,
o Purdue Pharma cresceu a partir de um pequeno laboratório adquirido por três
irmãos da família Sackler. A empresa opera a partir da premissa de que não há
mal para o qual não seja capaz de criar um comprimido, e a partir dos anos 60 do século passado passou
a investir no mercado de calmantes e viciantes. Assim, na medida que dezenas de
milhares de pessoas se tornavam viciadas e morriam, com a droga se alastrando
até mesmo entre jovens de comunidade rurais, o que tornou os opioides
conhecidos como heroína caipira, o
negócio bilionário se consolidou e o mercado criado por ela abriu caminhos para
a prescrição de medicamentos ainda mais potentes e mortais.
Os laboratórios
consideram que a droga não é o problema, mas sim quem usa os produtos. O Purdue
Pharma primeiro produziu o MS Contin, um sulfato de morfina e depois lançou
Oxicodona, um opioide que age lentamente sendo absorvido pela corrente sanguínea,
mas ocultou os perigos para os usuários em função dos lucros em escala numa parceria
com clinicas, médicos e funcionários da FDA, que consideravam os viciados como
pseudo dependentes. O carro chefe do laboratório,
o Oxicodona, tem uma potencia duas vezes superior à morfina e chegou a movimentar
em vendas US$ 1 bilhão por ano.
A segunda parte do
documentário é dedicada à agressiva estratégia de marketing para o opioide sintético Fentanil,
o que serve como base para se chegar a
uma ligação entre a indústria farmacêutica e as políticas governamentai,
enquanto a epidemia silenciosa de ópio avançava de forma gradativa, matando 40
pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes classes sociais por dia
nos Estados Unidos.
Nesta estratégia, os
laboratórios subornavam médicos com prêmios, pagando palestras e outros
incentivos para que prescrevessem droga. O filme inclui participações de
representantes da DEA, jornalistas e pesquisadores, além do ex-vice-presidente de Vendas do Insys
Alec Burlakoff e da ex-gerente de Vendas
do, Insys Sunrise Lee, que chegaram a ser concenados a prisão e do traficante
de Fentanil, Caleb Lanier, que vendia o produto para sustentar o próprio vício..
O filme também narra
tragédias pessoais com a participação de profissionais de saúde, sobreviventes
e familiares das vítimas dos opioides, além de contar ainda
com a participação de denunciantes e informantes, além de exibir documentos vazados,
entrevistas e acesso aos bastidores das investigações, nos Estados Unidos onde
foram comercializados mais de 100 bilhões de compridos nas duas primeiras décadas
do século XXI.(Kleber Torres)
Ficha técnica
Título : O Crime
do Século (The Crime of the Century)
Direção e roteiro : Alex Gibney
Música : Brian Deminy
Gênero : Documentário
2020
231 minutos
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