segunda-feira, 26 de julho de 2021

Os bastidores de um sistema bruto e corrompido

Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite II – Agora o inimigo é outro (2010), são dois filmes que têm como foco a corrupção e a violência, tendo como pano de fundo uma instituição policial voltada para a segurança da população atuando no enfrentamento de traficantes e milicianos, além dos laços nem sempre visíveis entre a política e o crime organizado. Os dois filmes são dirigidos com competência por José Padilha, que também participou da elaboração do roteiro ao lado de Bráulio Mantovani e Rodrigo Pimentel. No primeiro filme, o capitão Nascimento (Wagner Moura) é oficial de uma Tropa de Elite da Polícia Militar no Rio de Janeiro designado para chefiar uma das equipes que tem como missão apaziguar o Morro do Turano. Em meio a um tiroteio, ele e a sua equipe resgatam Neto e Matias, dois aspirantes a oficiais da PM, que se candidatam ao curso de formação da Tropa de Elite, o BOPE, cuja farda é preta e é considerada uma tropa de intervenção. O filme tem como pano de fundo uma cidade com 700 favelas dominadas por traficantes e milicianos armados até os dentes, munidos com ARs-15 AKs-47, armas de guerra. Cabe lembrar que neste contexto belicoso, o policial tem família e também tem medo de morrer, o que parece um paradoxo. Tropa de Elite também mostra que neste cenário, o policial se corrompe, se omite ou vai para a guerra, pois estas são as três opções que sobram ao agente da lei numa cidade infiltrada pelo tráfico e pela corrupção, a mesma que na vida real afastou ex-governadores e colocou na cadeia diversos gestores e parlamentares.. No filme, o aspirante Matias (André Ramiro) estuda direito e vai para uma ONG na favela onde os colegas lhe oferecem maconha e ele rejeita, mas oculta a sua condição de militar. Tropa de Elite também mostra o outro lado da PM, com policiais que chegam na favela arrepiando e nas oficinas do quartel retiram para vender até o motor de uma viatura nova, Através do achaque, também agentes da lei corrompidos cobram pela segurança de bares, o que é outra irregularidade, mostrando um sistema que não tem limites e que faz parte de uma cultura da PM, segundo conta um dos personagens do filme, onde se negocia até o preços as férias de um policial honesto, numa espécie de troca com ajuda recíproca e mútua, pois, “quem quer rir também tem de fazer rir”. O filme também inclui cenas de falsificação de relatórios de ocorrências e de uma missão de um carro blindado de combate da polícia, instituição onde de certa forma a hierarquia protege os corruptos. Outra faceta é a ação do tráfico que realiza execuções com uso micro-ondas, ou seja, conjunto de pneus que servem para queimar a vítima integralmente até virar pó na eliminação de devedores e desafetos. Em Tropa de Elite II, o capitão Nascimento deixa após uma operação fracassada, a linha de frente onde enfrenta as milícias e descobre no final, que é hora da morte que a gente entende a vida e o sentido do politicamente correto. O filme revela os bastidores da disputa de facções, de rebeliões e dasintervenções do BOPE. Ao deixar a tropa de elite, Nascimento vai para subsecretaria de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Ao mesmo tempo Matias sai do BOPE vai para um batalhão e acaba pegando 30 dias de cadeia por criticar o governador. Já o filho adolescente de Nascimento, o Rafael tem problemas afetivos com pai. Na secretaria de segurança, o capitão Nascimento constata o crescimento da milícia, que se fortalece com a venda de TV a cabo via internet e gás de cozinha. Ele observa que o sistema mudou e até evoluiu, pois antes os políticos usavam o sistema apenas para ganhar dinheiro e agora, dependem do mesmo até para se eleger, o que revela uma outra faceta do relacionamento entre a política e o crime organizado. Neste contexto, a milícia atua no apoio para políticos como o governador e até o próprio secretário de segurança, que acaba candidato a deputado federal, evidenciando o casamento entre eleição e negócios nem sempre lícitos ou transparentes. A constatação que fica para o espectador é que não dá para não votar em governo que não protege nem delegacia e nem investiga a morte de policiais honestos como o André Matias, eliminado numa queima de arquivo orquestrada por colegas de farda. Assim, o capitão Nascimento acaba isolado e arrastado para uma disputa política sangrenta, que envolve funcionários do governo e grupos paramilitares,mostrando a face oculta e o peso absoluto do crime organizado.(Kleber Torres)

sábado, 10 de julho de 2021

Um olhar diferenciado sobre a loucura e a arte

 



 

O filme Nise - O coração da loucura (2015) narra a trajetória da psicanalista Nise Silveira (Glória Pires), uma psicanalista que cuidava dos pacientes do manicômio onde trabalhava como clientes. Ele optou pela terapia ocupacional, como parte da estratégia para humanização do tratamento psiquiátrico, substituindo a lobotomia e do eletrochoque, duas terapias invasivas muito utilizadas nos hospícios do Brasil, onde os loucos eram segregados da família e da sociedade, tornando-se objeto de manipulação em pesquisas nem sempre adequadas para os pacientes e antiéticas.

Nise era uma leitora de Jung e, juntamente com uma artista plástica e apoio de  uma pequena equipe de colaboradores, trabalhou na construção do projeto que que resultou na implantação do Museu do Inconsciente, em 1952, reunido trabalhos de artistas plásticos esquizofrênicos e que evoluíam tecnicamente na elaboração de quadros e esculturas, em que revelam o seu mundo interior e a sua visão da vida.

Ela descobriu que os clientes, termo que  usava para os pacientes, pintavam inicialmente quadros abstratos e depois com a evolução do processo criativo construíam mandalas e obras figurativas com muitos círculos, atraindo a atenção inclusive de críticos de artes plásticas com Mário Pedrosa (Charles Frick), ganhando espaço na mídia brasileira e reconhecimento pela socidade.

Os seus métodos para humanização do tratamento eram questionados por outros psicanalistas com quem trabalhava, que  procuravam desconstruir o seu projeto, acusando-a de comunista. Ela  considerava que os loucos estavam dissociados do pensamento racional e o importante no tratamento era que se descobrisse a sua própria linguagem a partir da própria realidade objetiva do cliente.

Ao ser questionada  sobre o seu método de trabalho, ela respondeu ao colega que a criticava: “você usa  furador de gelo (instrumento usado na lobotomia, cirurgia que deixava os pacientes em sua maioria  incapazes de se comuncar, andar ou se alimentar)  e eu  o pincel”, destacando as diferenças irreconciliáveis entre os dois processos.

O filme não faz referências  a Arthur Bispo do Rosário, considerado um gênio por alguns e louco por outros, um dos mais célebres artistas plásticos conhecidos no grupo de internos manicomiais da  época e chupa uma cena do filme Estranho no Ninho, baseado no romance de Ken Kesey, considerado um dos clássicos da contracultura, em que os pacientes eram levados no ônibus para um passeio fora do ambiente do manicômio. No caso brasileiro, os pacientes foram ao Jardim Botânico.

Nise: O coração da loucura também nos ensina que de artista e louco cada um de nós tem um pouco e que uma das funções principais da arte é revelar a linguagem a linguagem do inconsciente, a qual temos o dever de se decifrar. No final do filme, a psicanalista Nise Silveira, já  idosa e usando óculos de grau potentes declara que “há dez mil modos de pertencer a vida e lutar pela sua época”, uma lição que deve ser aprendida por todos nós. (Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Nise – O coração da loucura

Diretor : Roberto Berliner

Roteiro : Flávia Castro, Maurício Lissovki, Maria Camargo e Chris Alcazar

Elenco : Glória Pires, Augusto Medeiros, Bernardo Marinho, Charles Frick, Cláudio Jaborandy, Fabrício Boliveira, Felipe Rocha e Fernando Eiras

Diretor de Fotografia : André Horta  

Diretor de arte : Daniel Flaksman

Brasil

2015

110 minutos