domingo, 12 de dezembro de 2021

O homem que melhorou a música da igreja e inventou o jazz


 


Um show de Louis Armstrong (Reno Wilson) no Suburban Garden, em 1931, na primeira vez em que um negro tocava ao vivo na rádio  WSNB,  em New Orleans, na Louisiana, serve de contraponto para a narrativa de  Bolden - A Sensação do Jazz,  a cinebiografia do primeiro rei do  trompete,  Buddy Bolden (Gary Carr), que ouve a apresentação num dos cubículos do mesmo sanatório estadual onde veio a falecer em 4 de novembro do mesmo ano.  A história revela uma vida trágica, marcada pela pobreza, pela loucura e pelo abandono.

O filme que intercala cenas da apresentação de Satchmo, uma alusão à boca grande de Armstrong, com flashbacks da vida de Bolden, também revela como pano de fundo o contexto social e político turbulento no início do século 20, inclusive as relações raciais conflituosas entre brancos e negros explorados numa sociedade com grandes desníveis sociais.

Bolden = A Sensação do Jazz começa com uma informação: “sabemos pouco sobre Buddy Bolden,  que nasceu em 1877 e foi o inventor do jazz”. No início do show em que o apresentador branco sai do palco para não anunciar negro nenhum, Armstrong dedica a apresentação aos brancos que o assistem na casa noturna lotada e aos irmãos negros que estavam no lado de fora, formando uma verdadeira multidão para ouvir o programa transmitido ao vivo pela emissora de rádio.

Considerado como um rei do trompete, Bolden foi o  primeiro cornetista de Nova Orleans no tempo do ragtime, e um  precursor do jazz,  responsável por revolucionar o cenário musical nos estados Unidos e no mundo.  O filme mostra Bolden desde a infância deitado quieto no chão da fábrica têxtil onde sua mãe trabalhava, com o olhar perdido no vazio, o mesmo olhar do homem maduro deitado no catre do hospício onde findou os seus dias.

O filme também fala de Nora (Yaya da Costa), a  sua mulher e da sua mãe curiosa que perguntou sobre o que o músico fazia para viver e que teve como resposta: “eu melhoro a música da igreja”. Dono de um dom único e de uma genialidade no domínio do instrumento, Bolden tocava trompete mais alto que qualquer um outro músico do seu tempo e geração, mas acabou explorado pelo seu inescrupuloso empresário Bartley (Erik LaRay Harvey), que numa jogada de marketing, faz o músico saltar de paraquedas de um balão tocando alto sua corneta para chamar a atenção do público para um show da sua banda num parque público .

Bartley também fazia acordos com  empresários brancos na armação de embates entre lutadores de rua, com apostas e resultados combinados. Bolden, que tocava no Traseiro Fedido, uma casa de prostituição, onde Nora nunca foi, certa vez deixou o salão de dança e foi tocar no telhado visando chamar a atenção dos vizinhos e dos dançarinos que deixaram o salão e foram vê-lo da rua. O filme revela que apesar das poucas informações sobre a vida de uma lenda do jazz,  para quem na música o importante é que todos se comuniquem, formando um casamento entre o músico e o ouvinte, há uma história possível de ser contada ou imaginada.

Bolden que não sabia ler partituras e nem escrevia sua música, compunha sempre ao vivo, de improviso  no palco e como um criador, achava que as vezes é até melhor não tocar nada,  até que foi convidado a gravar numa espécie primitiva de cilindro metálico. Ele considerava que as pessoas ouviam a sua música, mas ele era invisível, assim, ele acaba envolvido com a venda e o consumo de drogas, que comprometem ainda mais a sua saúde mental, então, começa a faltar compromissos e é cada vez mais pressionado pelo empresário e pelos donos de casas noturnas que querem compensação dos prejuízos com as apresentações não realizadas. Também acaba tendo problemas com uma overdose e acha na sua loucura e paranoia, que tiraram as válvulas  e  botões do seu instrumento deixando-o impedido de tocar.

A sua internação ocorre quando ele provoca um incidente fora do salão onde apresentava, em que até policiais acabam feridos. No sanatório, quando não estava agitado, ele ficava deitado e indiferente a tudo, numa espécie de letargia, com a mesma expressão que tinha na infância. Como lunático indigente, Bolden  era considerado segundo um dos relatórios do manicômio como um perigo para si mesmo e outros.

Em tempo: o show de jazz de Armstrong e as apresentações antológicas do Buddy Bolden com a sua banda são um espetáculo à parte no filme e que pagam com juros o valor do ingresso, mas não atenuam o drama e nem  a tragédia pessoal de um gênio que lutava contra a pobreza, a discriminação e a loucura provocando a sua invisibilidade e até  morte antecipada aos 54 anos.   (Kleber Torres)

 

 

Ficha Técnica

Título: Bolden! / Bolden – A Sensação do Jazz

Direção : Dan Pritzker

Roteiro : Dan Pritzker e David Rothscild

Elenco : Gary Carr, Erik LaRay Harvey, Yaya da Costa, Reno Wilson, Karimah Westbrook, Jo Nell Kennedy, Robert Ri’chard, Serena Reeder

Trilha Sonora – Mark Ishan

108 minutos