Um show de Louis Armstrong (Reno Wilson) no Suburban Garden,
em 1931, na primeira vez em que um negro tocava ao vivo na rádio WSNB, em
New Orleans, na Louisiana, serve de contraponto para a narrativa de Bolden -
A Sensação do Jazz, a cinebiografia
do primeiro rei do trompete, Buddy Bolden (Gary Carr), que ouve a
apresentação num dos cubículos do mesmo sanatório estadual onde veio a falecer
em 4 de novembro do mesmo ano. A
história revela uma vida trágica, marcada pela pobreza, pela loucura e pelo
abandono.
O filme que intercala cenas da apresentação de Satchmo, uma
alusão à boca grande de Armstrong, com flashbacks da vida de Bolden, também
revela como pano de fundo o contexto social e político turbulento no início do
século 20, inclusive as relações raciais conflituosas entre brancos e negros
explorados numa sociedade com grandes desníveis sociais.
Bolden = A Sensação do Jazz começa com uma informação:
“sabemos pouco sobre Buddy Bolden, que nasceu
em 1877 e foi o inventor do jazz”. No início do show em que o apresentador
branco sai do palco para não anunciar negro nenhum, Armstrong dedica a
apresentação aos brancos que o assistem na casa noturna lotada e aos irmãos negros
que estavam no lado de fora, formando uma verdadeira multidão para ouvir o
programa transmitido ao vivo pela emissora de rádio.
Considerado como um rei do trompete, Bolden foi o primeiro cornetista de Nova Orleans no tempo
do ragtime, e um precursor do jazz, responsável por revolucionar o cenário musical
nos estados Unidos e no mundo. O filme
mostra Bolden desde a infância deitado quieto no chão da fábrica têxtil onde
sua mãe trabalhava, com o olhar perdido no vazio, o mesmo olhar do homem maduro
deitado no catre do hospício onde findou os seus dias.
O filme também fala de Nora (Yaya da Costa), a sua mulher e da sua mãe curiosa que perguntou
sobre o que o músico fazia para viver e que teve como resposta: “eu melhoro a
música da igreja”. Dono de um dom único e de uma genialidade no domínio do
instrumento, Bolden tocava trompete mais alto que qualquer um outro músico do
seu tempo e geração, mas acabou explorado pelo seu inescrupuloso empresário
Bartley (Erik LaRay Harvey), que numa jogada de marketing, faz o músico saltar
de paraquedas de um balão tocando alto sua corneta para chamar a atenção do
público para um show da sua banda num parque público .
Bartley também fazia acordos com empresários brancos na armação de embates
entre lutadores de rua, com apostas e resultados combinados. Bolden, que tocava
no Traseiro Fedido, uma casa de prostituição, onde Nora nunca foi, certa vez
deixou o salão de dança e foi tocar no telhado visando chamar a atenção dos
vizinhos e dos dançarinos que deixaram o salão e foram vê-lo da rua. O filme
revela que apesar das poucas informações sobre a vida de uma lenda do
jazz, para quem na música o importante é
que todos se comuniquem, formando um casamento entre o músico e o ouvinte, há
uma história possível de ser contada ou imaginada.
Bolden que não sabia ler partituras e nem escrevia sua música,
compunha sempre ao vivo, de improviso no
palco e como um criador, achava que as vezes é até melhor não tocar nada, até que foi convidado a gravar numa espécie
primitiva de cilindro metálico. Ele considerava que as pessoas ouviam a sua
música, mas ele era invisível, assim, ele acaba envolvido com a venda e o
consumo de drogas, que comprometem ainda mais a sua saúde mental, então, começa
a faltar compromissos e é cada vez mais pressionado pelo empresário e pelos
donos de casas noturnas que querem compensação dos prejuízos com as
apresentações não realizadas. Também acaba tendo problemas com uma overdose e
acha na sua loucura e paranoia, que tiraram as válvulas e
botões do seu instrumento deixando-o impedido de tocar.
A sua internação ocorre quando ele provoca um incidente fora
do salão onde apresentava, em que até policiais acabam feridos. No sanatório,
quando não estava agitado, ele ficava deitado e indiferente a tudo, numa espécie
de letargia, com a mesma expressão que tinha na infância. Como lunático
indigente, Bolden era considerado
segundo um dos relatórios do manicômio como um perigo para si mesmo e outros.
Em tempo: o show de jazz de Armstrong e as apresentações antológicas
do Buddy Bolden com a sua banda são um espetáculo à parte no filme e que pagam
com juros o valor do ingresso, mas não atenuam o drama e nem a tragédia pessoal de um gênio que lutava contra
a pobreza, a discriminação e a loucura provocando a sua invisibilidade e até morte antecipada aos 54 anos. (Kleber
Torres)
Ficha
Técnica
Título:
Bolden! / Bolden –
A Sensação do Jazz
Direção : Dan
Pritzker
Roteiro : Dan
Pritzker e David Rothscild
Elenco : Gary
Carr, Erik LaRay Harvey, Yaya da Costa, Reno Wilson, Karimah Westbrook, Jo Nell
Kennedy, Robert Ri’chard, Serena Reeder
Trilha Sonora – Mark Ishan
108 minutos
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