sábado, 10 de março de 2018

Viver às vezes parece ser fácil de olhos fechados embora seja sempre perigoso





        Candidato da Espanha ao Oscar 2015 na categoria melhor filme estrangeiro, Viver é Fácil Com os Olhos Fechados tem como referência de título o primeiro verso da segunda parte da música Strawberry Fields Forever, destacando que Living is easy with eyes closed. O filme é um Road Movie misturando com excelentes resultados realidade e ficção a partir de um fato real: a ida de John Lennon à Espanha para filmar Como Eu Ganhei a Guerra, rodado em 1966, durante a ditadura franquista, o que gerou uma ampla polêmica internacional.
        O filme começa com um curto documentário mostrando o sucesso global dos Beatles e fatos polêmicos sobre o grupo já em fase de desagregação como a comparação de Lennon no auge da banda declarando: “Atualmente somos mais populares que Jesus Cristo".”  O roqueiro iconoclasta também se queixa no documentário das pressões cotidianas que colocavam em questão a própria individualidade dos artistas, que já não sabiam quem eram em função das apresentações contínuas em vários países e das exigências do marketing dos seus promotores e produtores.
        Tudo começa quando, em plena ditadura do generalíssimo Franco, Lennon, com a mulher, filho e equipe de filmagem se desloca para a cidade espanhola de Almería, com o objetivo de rodar um longa-metragem. A filmagem ocorre em meio aos rumores de dissolução do grupo o que aconteceu somente três anos depois.
        O filme tem como personagem principal o solitário professor Antonio San Roman (Javier Cámara), que leva uma vida modesta  ensinando inglês e latim numa rígida escola religiosa. Ele procura ensinar a língua inglesa aos alunos usando canções dos Beatles e numa das aulas ele faz uma análise da letra de Help (Ajude), que tem um sentido amplo com metáforas  sobre a juventude e a idade adulta, até porque todos nós em um momento da vida vamos  necessitar de algum tipo de ajuda de alguém.
        Tudo muda quando Antonio descobre que seu ídolo Lennon está em Almeria, uma pequena cidade onde prosperam melecas e ramelas. Então,  ele  pega o seu velho carro e parte de Madri para o interior, disposto a conversar com John Lennon e reclamar porque os discos dos Beatles não traziam no encarte as letras das músicas. Coincidência ou não entre realidade e ficção, o filme faz referência no final, que após 1966, os discos da banda britânica na Espanha tiveram encartes com as respectivas letras das músicas.
        Nesta viagem ele encontra dois jovens a quem oferece carona: a bela Belén (Natalia Molina) uma adolescente que esta enjoando no terceiro mês de gravidez e Juanjo (Francesc Colomer),iniciando uma viagem quixotesca marcada de esperança e muitas decepções. Os três oferecem o lastro da dimensão humana do filme com seus dramas: um professor solitário e que era um beatlemaníaco, uma jovem sem rumo e que se prepara para ter um filho, mas que rejeita uma proposta de casamento do professor e acaba tendo momentos íntimos com Juanjo.
        Juanjo, que criava cabelos longos como os dos Beatles, era um jovem rebelde, que foge de casa aos 16 anos por contestar a autoridade paterna e esta mais sintonizado com os Rolling Stones, considerados mais agressivos e  mal comportados.
        O jovem acaba agredido por fregueses machistas do bar onde vai trabalhar e o professor Antonio acumula além disto frustrações pelo fechamento da estrada que dava acesso ao local das filmagens, o que o faz indagar porque tudo dava errado com ele. Outra tentativa frustrada dele é quando chega à casa alugada por Lennon e expulso do portão pela mulher do músico e ator, Cynthia que joga em sua direção caqueiros de planta quando o professor tentava abordar o filhote do casal, Julian Lennon.
          Cabe salientar que o professor  tem sucesso no encontro com o Beatle depois de um contato com um integrante da equipe de filmagem no cinema onde eram rodadas as cenas de cada dia de filmagem, mas o encontro é particular, no set de filmagens sem testemunhas, porque o astro do rock era uma pessoa tímida. O professor é recebido pelo roqueiro numa motorhome.
        O filme tem no seu titulo uma critica velada à  sombria ditadura franquista que deixou no seu rastro milhares de mortos. O  diretor David Trueba consegue colocar na tela os dramas e sonhos humanos, bem como a questão da deficiência de Bruno, um jovem com lesões no cérebro e que vive restrito a uma cadeira de roda.
        Além de conseguir mostrar a dimensão dos dramas humanos e tapas em profusão em várias sequencias, o filme também prima pela qualidade da fotografia no quente verão espanhol e ao resgatar o figurino de uma  época de mudanças culturais aceleradas.
        Em  Viver é Fácil com os Olhos Fechados o professor Antonio mostra que não se pode viver com medo e é preciso ousar, não apenas contra uma ditadura fascista, mas e também contra os seus simbolos um padre ranzinza que aplicava tabefes nos alunos.
        O professor também nos alerta para que não se deixe roubar a dignidade e enquanto Juanjo volta em companhia do pai e de Belén para Madrid. Ele, antes do retorno à capital espanhola destrói a plantação de morangos (strawberry fields) do agricultor que espancou o jovem e o havia agredido quando foi exigir que o mesmo se desculpasse junto ao adolescente.
        Realizado nesta missão, o professor vibrava bem alto “Help” ao volante do seu pequeno carro e como um quinto beatle sumiu na estrada retornado para casa ao som de Strawbarry Fields Forever, talvez mostrando uma contradição de que viver não é fácil muito menos de olhos fechados e como dizia o nosso Guimarães Rosa, é muito perigoso. (Kleber Torres)


Ficha técnica:

Titulo : Viver é fácil de olhos fechados / Living is easy with eyes closed
Direção e roteiro : David Trueba
Elenco : Francisco Colomer (Juanjo), Javier Câmara (Antonio), Ramon Fontserè (Ramon), Natalia Molina (Belén), Rogelio Fernandez (Bruno), Jorge Sanz (Dad) e  Violeta Rodriguez (Julia)
Música : Pat Matheny e Charlie Haden
Cinematografista : Daniel Pilar
Espanha
Colorido
105 minutos