terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Uma fraude bilionária a partir de uma boa ideia que encolheu





Apresentado como uma ideia revolucionária, que prometia inovar os testes sanguíneos e baratear os custos de atendimento à saúde através de uma alternativa de medicina preventiva, o projeto da Theranos, tornou a sua criadora Elizabeth Holmes, aos 19 anos,  a  mais jovem bilionária do mundo. Ela chegou a comandar em 2014,  um empreendimento com mais de 700 empregados e avaliado em mais de nove bilhões de dólares,  sendo considerada sucessora natural de  Steve Jobs – sua referência pessoal - e de Bill Gates.

O filme  A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício revela uma  empresa com uma trajetória meteórica e polêmica, o que envolveu uma rápida ascensão e uma queda rumorosa, resultando em diversos processos no campo judicial, o que custou a sua dissolução dois anos depois, em decorrência de denúncias de fraude, má gestão de recursos e falta de transparência nos projetos.  Na sua última fase de sua decadência, os dados de pesquisa foram maquiados para criar um clima de otimismo capaz de atrair novos investidores, mas sem gerar nenhum retorno para os mesmos.

A empresa tinha como objetivo baratear o custo de 250 exames de sangue a partir de testes de uma gota de sangue numa caixa preta portátil batizada como Edison -numa alusão ao inventor Thomas Alva Edison, o mesmo que patenteou 2.332 inventos-, um equipamento teoricamente  capaz de fazer exames complexos a partir de uma simples gota de sangue. Edison, o inventor, nos legou a lâmpada elétrica, resultado de uma série de experiências de tentativa e erro, num grande exemplo de resiliência e objetividade na busca de resultados.

Na prática, os experimentos da Theranos foram mal sucedidos e as máquinas, apresentadas como vitrines a investidores e jornalistas, não funcionavam a contento. Nos testes realizados durante suas visitas a empresa, o material coletado era submetido a exames  convencionais na sua chegada à empresa e os resultados divulgados duas horas depois, ou seja, no momento da saída dos investidores e visitantes. Elizabeth Holmes se apresentava ao mercado corporativo como uma workholic, que se a propunha tornar o tratamento médico acessível à população com o apoio da tecnologia inovadora.

Do alto de um edifício suntuoso e inteiramente envidraçado, equipado com um  grande laboratório e muitas máquinas em fila num conjunto de salas assépticas,  no Vale do Silício,  a empresária,  que vestia roupas pretas iguais e se apresentava como uma audaciosa desbravadora no competitivo mercado da tecnologia dominado por homens, anunciava simples projetos como descobertas testadas e  vendia produtos que não conseguia produzir.

 
Além de revelar uma estratégia de marketing bem sucedida, considerando a Theranos como a reinvenção dos exames laboratoriais, com base em três adjetivos: simples, humana e otimista, Holmes vendia ao público a ideia de que trabalhava a invenção mais importante do nosso tempo, mas que ia de encontro a um sistema que não acreditava que a prevenção era possível e envolvia cifras bilionárias.  

Mesmo citada em processos de fraude e corrupção, o que resultou na falência da Theranos, ela continuou investindo autopromoção e no marketing pessoal. Assim,  se afastou do seu braço direito, o Sonny, com quem vivia em uma mansão e que a acompanhava todos os seus passos. A empresa também mantinha vigilância rígida e intimidação sobre os seus colaboradores, cobrando confidencialidade em informações sob ameaças de processos, o que custou a vida de um dos seus a assessores diretos, Ian Gibbons, colocado para escanteio no projeto e que acabou se suicidando em circunstâncias misteriosas.

O fato é que o dispositivo de testes de sangue que deveriam ser comercializados no mercado travavam no meio dos testes e as pesquisas não tinham continuidade sequencial. O equipamento era impraticável, pois ia de encontro às leis básicas da física e da própria termodinâmica. Elizabeth Holmes chegou a citar como exemplo o mestre Yoda, personagem ficcional de Stars Wars: “Não tente. Faça ou não faça. Não existe tentativa”, evidenciando que não há tentativas para um projeto sem começo, meio ou fim.

A empresa mentia sobre conformidade  e precisão os exames de sangue. Os resultados do  Edison não batiam com o de outros laboratórios. Para tentar reverter os fracos resultados foi contratado o diretor de cinema Errol
Morris para produção de comerciais sobre a Theranos, mostrando exames feitos com uma simples gota de sangue em centros operados  pela Walgreens  na Califórnia e no Arizona.  

No contra ataque,  a empresa considerava que  as acusações de jornalistas contra a eficácia da máquina era uma manobra visando sabotar um projeto viável, que estaria no caminho certo e por isso incomodava os poderosos do sistema. O filme A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício fala dos unicórnios - startups que tiveram uma valorização de mais de US$ 1 bilhão -, bem como de uma farsa tecnológica  que teve o apoio de gente poderosa na esfera política, econômica e militar, mesmo colocando em risco a vida de milhões de pessoas com resultados falsos de exames médicos, se revelendo uma grande fábrica de sonhos e ilusões que atraiu inclusive atenção da ex-presidente Dilma Rouseff, que participou de reuniões com Elizabeth Holmes.


O filme termina informando que a inventora e Sunny, seu sócio e companheiro inseparável, mas que acabou afastado da empresa, foram condenados pela justiça, mas sem fornecer detalhes do processo e nem sobre a quantidade de pessoas diretamente afetadas pelos diagnósticos errados da Theranos, com um elevado custo  econômico e social. Ele também não explica como os nove bilhões de valor da empresa  e os investimentos foram diluídos ao longo da sua derrocada meteórica. A inventora nos leva a uma reflexão sobre ideias mirabolantes e que ganham vida no universo corporativo com a sinalizsação de lucros possíveis e de mudanças nem sempre exequíveis, pois segundo mestre Yoda, não existe tentativa.
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Ficha técnica:
Titulo : A Inventora: À Procura de Sangue no Vale do Silício 
Direção e Roteiro: Alex Gibney
Elenco : Elizabeth Holmes, Errol Morris, Barack Obama, Bill Clinton, Henry Kissinger, George Pratt Shultz 
Gênero : Documentário
1h 59min 
Nacionalidade : EUA  

domingo, 16 de fevereiro de 2020

A lenda de um velho assaltante e a sua arma






Baseado numa reportagem de David Grann para a revista New Yorker, o filme O Velho e a Arma (The Old Man and the Gun), conta a história de Forrest Tucker (Robert Redford), um assaltante habilidoso e especialista em dezenas de fugas de presídios. Aos 70 anos, depois de escapar de San Quentin, numa fuga considerada espetacular, ele começa uma série de roubos a bancos que chamam a atenção de um detetive (Casey Affleck) e da mídia.

David Lowrey, que dirigiu Casey Affleck em Amor Fora da Lei, em 2013 e a Robert Redford, três anos depois, em Meu Amigo o Dragão, constrói uma narrativa simples e objetiva, mostrando a ação de um ladrão que agia disfarçado, usando apenas um bigode postiço e uma arma jamais apontada diretamente para as vítimas. Ele entrava nos bancos discretamente, vestindo paletó, chapéu e gravata, entregava às caixas -sempre mulheres- um bilhete  ameaçador pedindo dinheiro e ameaçando à vitima.

A narrativa é direta, mostrando as ações e a vida  do assaltante, que mesmo idoso ainda sonhava com o projeto de um grande roubo  e vinha arregimentando alguns comparsas (Danny Glover e Tom Waits), como também o  trabalho e a vida dos policiais, com sequencias intercaladas revelando a tensão da trama e o antagonismo entre os dois grupos.

Como foi baseado numa história real, o diretor colocou como guia de referência da trama as datas dos roubos e  outras ações. Numa trama paralela o filme também narra o romance de Tucker com Sissy Spacek, o que é uma outra história na vida de um assaltante que parecia feliz diante da vítima. (Kleber Torres)



Ficha Técnica


Título : O Velho e a Arama (The Old Man and the Gun)
Direção : David Lowery  
Roteiro : David Lowery baseado numa reportagem de David Grann
Elenco : Robert Redford, Casey Affleck, Sissy Spacek, Elisabeth Moss, Carly Tamborsky, Denise Barone, Gene Jones, John David Washington, Keith Carradine, Leah Roberts, Danny Glover e Tom Waits
Musica : Daniel Hart
Ano : 1918