sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Uma viagem à Xinilândia com passagem por Quixeramobim

O humor não morreu e escapa à rigidez do politicamente correto através da esculhambação ou até do palavrão com duplo sentido como não caso da cerveja Cold Bier. O achado parece evidente em “Bem-vinda à Quixeramobim”(2022), um filme de Helder Gomes, que também assinou a série “Cine Holliúdy”, além de “Os Parças” e “Shaolin do Sertão”. O filme narra os perrengues enfrentados pela influenciadora digital Aimee (Monique Alfradiquee), uma mulher com pouco mais de trinta anos, herdeira de um empresário milionário envolvido em um caso de corrupção após uma série de crimes e fraudes, o que descriminaliza a classe dos nossos políticos. Com muitos seguidores nas redes sociais, a influencer vê os seus bens e de sua família bloqueados pela justiça. Assim, sem o dinheiro do pai para se sustentar, Aimée tenta se refugiar na última propriedade da família que resta: uma fazenda com uma casa em ruínas em Quixeramobim, no interior do Ceará, que teve uma parte vendidas a uma cervejaria, que comete um crime ambiental ao desviar a água do abastecimento da população para manter a produção industrial. Na tentativa fazer algum dinheiro, ela acaba chegando a Quixeramobim num pau de arara estilizado e se hospeda num estabelecimento que funciona como Pousada Paraíso durante o dia ou como o bordel Xinilândia, no período noturno, onde passa a conviver com as prostitutas de plantão, ocupando a principal suíte da casa. Ali, ela resgata a história das suas origens maternas e tenta vender a propriedade, Para esconder as dificuldades financeiras que enfrenta, ela inventa um "período sabático", passando um ano por cenários criativos da África, Europa e do Oriente Médio, tudo a partir de paisagens do Nordeste do Brasil. sustentando a grande mentira sobre riqueza e viagens produzidas para as redes sociais. Mesmo com o humor e uma participação especial de Marcondes Falcão, que interpreta Aurenizo, o qual além de frequentador do bordel, também tem uma participação musical com o clássico I’m not dog, no (Eu não sou cachorro, não) na trilha sonora, o filme ensina que “dinheiro não é tudo,mas é 100%”, uma frase tirada do arsenal do cantor e pensador cearense, que dá a sua contribuição filosófica para compreensão do que nos leva ao caminho da impunidade. O outro achado é com relação a nostalgia, ou seja, sobre a saudade das coisas e dos sentimentos, bem como do humor nostálgico, que precisa ser escrachado, anárquico, quebrando todos dogmas pois está acima do gêneros, números e de todos os graus.(Kleber Torres) Ficha técnica: Título :Bem-vinda a Quixeramobim Diretor : Helder Homes Roteiro : Helder Gomes, Márcio Weilson e L.G.Bayão Elenco : Monique Alfradique, Bolachinha, Carri Costa, Chandlly Braz, Edmilson Filho, Falcão,Haroldo Guimarães Ano : 2022

sábado, 2 de dezembro de 2023

Um libelo apocalíptico contra a insanidade da guerra

Considerado um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos, “Apocalypse Now” (1979) que foi indicado para oito Óscares, conquistando dois lauréis como melhor fotografia e som, oferece uma profunda reflexão a insanidade da Guerra do Vietnã, um conflito que marcou a segunda metade do século XX e custou a vida de 58 mil soldados americanos. Dirigido por Francis Ford Coppola, que construiu o roteiro juntamente com John Mills, a partir do livro clássico The Heart of Darkness (O Coração das Trevas), de Joseph Conrad, o filme explora a reação humana a situações extremas e revela a incongruência ou o absurdo de uma guerra. A trama envolve o Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen), que localizado num hotel barato em Saigon, recebe a missão de localizar e liquidar o tenente-coronel das Forças Especiais, tenente-coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando). Kurtz, considerado um dos mais promissores oficiais do exército dos Estados Unidos, teria enlouquecido e se refugiado nas selvas do Camboja, onde comanda um exército de fanáticos e drogados que o seguem cegamente. A sequência inicial do filme tem como pano de fundo The End, do The Doors, que pode ser uma canção de despedida de uma garota ou uma espécie de adeus à infância e à juventude. As cenas têm como contraste as hélices girando de um ventilador de teto do hotel cujo som se confunde com os dos rotores dos helicópteros, veículos amplamente usados na guerra do Vietnã. Willard ouve com o general Cormann (G.D. Spradlin), que comanda a operação , uma gravação em que o tenente-coronel Kurtz fala que viu uma lesma andar e rastejar no fio de uma navalha. Ele diz que o oficial desertor havia entrado nas forças especiais alterando ideias e métodos que se tornaram irracionais e agora, tem ao seu dispor um exército mobilizado às suas ordens e se considera uma espécie de deus. Kurtz havia ordenado o assassinato de oficiais da inteligência do Vietnam do Sul. O diálogo entre o general do G-2, serviço de inteligência, com o oficial de ligação coronel Lucas (Harrisson Ford) e o capitão Willard envolve profundo conflito existente nos corações humanos entre o racional e o irracional, o bem e o mal, evidenciando que o bem nem sempre triunfa. Às vezes, o lado escuro supera todos os limites fazendo prevalecer a insanidade. No caso de Kurtz, o limite é o da loucura. A ordem foi curta e grossa: Willard teria de subir o rio, infiltrar-se nas forças do oficial desertor e acabar com ele. O problema é que por ser uma missão secreta, ela não existe e nunca vai existir oficialmente. A missão começou num pequeno barco de patrulha fluvial, tipo BPR (Patrol Boat, Riverine), tripulado por jovens roqueiros com o pé na cova, entre os quais Tyrone Miller (Laurence Fishburne), o chef Hicks (Frederic Forrest) e o surfista Lance B. Johnson (Sam Bottoms), contumaz usuário de ácido lisérgico. A operação ganha a escolta da cavalaria aérea, com apoio de helicópteros de combate. A unidade tem como comandante, o tenente-coronel Bill Kilgore (Robert Duvall), que usa um chapéu similar ao do general Custer, joga com as cartas do baralho da morte e é fã de competições de surf. Para bombardear uma vila vietnamita no roteiro da missão, o corneteiro toca sugestivamente a ordem de avançar da cavalaria e o comandante liga no sistema de som das aeronaves a Dança das Valquírias, de Richard Wagner, numa sequência de mais de cinco minutos, em que os helicópteros dançam no ritmo da música wagneriana e metralham os inimogos. Não satisfeito com o ataque, Bill ainda pede reforço da aviação para o bombardeio da área. O tenente-coronel Bill fala da sensação inebriante do cheiro do Napalm e lembra que depois de um bombardeio de mais de 12 horas, não restou nada na área do conflito, ficando apenas o cheiro da vitória (gasolina). Na viagem, o capitão Willard verifica os dossiês existentes sobre Kurtz e descobre que ele deixou metaforicamente o barco e abdicou de tudo aos 38 anos, um homem que poderia ter escalado ao generalato deixou tudo para ser ele mesmo. Ele havia concluído que a guerra era comandada por um bando de palhaços de quatro estrelas e se insurgiu contra o sistema. Na viagem até o coração das trevas, o grupo para numa base americana onde há um show tumultuado das coelhinhas da Playboy. Ali, os americanos tratam os vietcongs como “charles”, pessoas que comiam arroz frio e ratos. Depois, o barco chega a uma unidade sem comando, onde uma ponte destruída pelos vietnamitas é reconstruída inutilmente pelos soldados americanos a cada dia. O grupo encontra um repórter fotográfico (Denis Hopper), que descreve Kurtz, de quem é amigo e admirador, como um homem que pode ser terrível, cruel e ao mesmo tempo justo: “o coronel não é um homem comum”, diz o jornalista hippie. Kurtz acaba encontrando Willard e o convida para uma reflexão sobre a liberdade e questiona porque o exército quer acabar com o seu comando, ao que o capitão responde : “me disseram que o senhor ficou insano e que os seus métodos são inaceitáveis”. Para Kurtz todos são homens loucos, como bonecos empalhados, que são colocados juntos no mesmo circuito. Para o desertor resta o horror, que tem um rosto e a pessoa deve ser sua amiga. Kurtz acredita que o julgamento é que nos derrota e recomenda, para que se solte a bomba definitiva e extermine a todos. Apocalipse Now nos ensina sobre a desumanização das pessoas, inclusive dos inimigos durante uma guerra, com os vietcongs sendo chamados de “charlies”, comedores de ratos e de arroz frio. Capitão Willard, também acaba confrontado com o coronel Kurtz cercado por soldados drogados, além dos combates e ataques absurdos de uma guerra com o bombadrdeio da população civil, e o surgimento de um culto fanático, que conduz à anomia (desorganização do individuo), à alienação das pessoas e à própria loucura.. O filme tem uma profunda conotação pacifista e reflete a mobilização da população americana contra os horrores de uma guerra sem sentido e que custou a vida de milhares de jovens. Apocalipse Now envolve ainda o eterno conflito entre o bem e o mal , o certo e o errado, o yin e o yang e a opção desmedida entre matar ou morrer num conflito absurdo. Este apocalipse também evidencia a força do cinema para mostrar as imagens de uma tragédia que se contrapõe à razão e ao bom senso, inclusive com imagens ao vivo do cineasta Francis Ford Coppola e do cinematografista Vittorio Storaro, que aparecem no próprio filme produzindo cenas para um documentário sobre a guerra do Vietnã, evidenciando o uso mais amplo e abrangente dos recursos da metalinguagem, ou seja, com a obra dialogando com ela mesmo e com os seus criadores. (Kleber Torres) Ficha técnica: Título : Apocalipse Now Direção : Francis Ford Coppola Roteiro : Francis Ford Coppola e John Mills a partir do romance The Heart of Darkness (O Coração das Trevas) de Joseph Conrad Elenco : Martin Sheen, Marlon Brando, Harrison Ford, Robert Duvalll, Frederic Forrest, Albert Hall, Sam Bottoms, Laurence Fishburne e Dennis Hopper Música : Carmine Coppola Cinematografia : Vittorio Storaro Ano : 1979 Gênero : Guerra / Drama