quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A vida e as múltiplas mortes do rei do rock


 




“O que matou Elvis segundo os médicos, foi o coração; outros médicos dizem que foram os comprimidos;  alguns dizem que fui eu. Vou te contar o que matou Elvis: foi o amor. O  seu amor por vocês”, estas declarações  do coronel Tom Parker (Tom Hanks) explica em parte na cinebiografia Elvis,  a trajetória de a ascensão e decadência  do roqueiro Elvis Presley interpretado por Austin Butler. Um drama humano que envolveu sexo, drogas e rock’n roll, que rendeu aos seus produtores US$ 286 milhões.

O filme evidencia a parceria tóxica  entre o cantor de origem humilde e pouco instruído,  com o seu empresário  que se apresentava como coronel Tom Parker -ninguém sabe se este é efetivamente o seu nome-, que ao longo de mais de duas décadas, cuidou de contratos nem sempre favoráveis ao rei do rock. Ele o submetia a ações de marketing meramente comerciais sem agregar valor à carreira do artista, inclusive com a produção de filmes de classe B, colocando o astro do rock como vendedor de gadgets e eletrodomésticos além de outros produtos vendáveis  para uma sociedade de consumo.

O filme tem como contraponto a expansão dos  EUA como potência econômica e militar hegemônica  e os conflitos pessoais de Elvis ao longo dos anos como cantor branco, mas profundamente influenciado pelo jazz, o blues e pela música gospell. A cinebiografia mostra também a relação de Elvis com a mulher Priscilla Presley (Olivia DeJonge), com quem teve uma filha e que tentava influenciá-lo positivamente,  tentando dar um rumo para sua carreira como artista e inspirando-o na tomada de decisões que o tornaram um referencial para outros artistas brancos e negros os quais o sucederam após a sua morte  em 1977 aos 42 anos..

Dirigido por Baz Luhrmann de "Moulin Rouge", "O Grande Gatsby" e "Romeu e Julieta", que assinou o roteiro juntamente  com Sam Brommell, Craig Pearce e Jeremy Doner, Elvis tem uma narrativa a partir do ponto de vista Tom Parker, que assume o comando da história e até o protagonismo da história deixando em segundo plano o biografado. Mostra também como um empresário circense e inescrupuloso, que  descobre a sua mina de ouro a partir de um jovem branco, interiorano e o qual começava a se apresentar em eventos dançando como um negro e cantando rock.

Ao assumir o controle da carreira do artista emergente e que acabou se tornando uma superestrela do rock, levando suas fãs ao êxtase e deixando os seus críticos irados, o coronel Parker investe em contratos lesivos visando quitar suas dívidas de jogo nos cassinos e manter um elevado padrão de vida. Em paralelo à trajetória de Elvis o filme tem inserções sobre seu relacionamento com artistas negros como BB King e Little Richards, que o  inspiravam bem como a autores de estilos variados como  rap e o hip hop nos dias de hoje, apresentando como pano de fundo os grande eventos que marcaram a história num mundo dividido pela guerra fria, pela guerra do Vietnã, pela contracultura e até com o surgimento dos Beatles.   

Além da relação conturbada entre Elvis e o seu antagonista, o filme também mostra a sua relação do artista com a mãe, Gladys (Helen Thomson) e o pai, Vernon (Richard Roxburgh), com a mulher e com os amigos que o cercavam na mansão de Graceland, em Memphis, no Tenesse, onde nasceu e morreu. A influência das drogas e seu afastamento  gradual de Priscila, também revela a deterioração da saúde física e mental de Elvis, que acaba sucumbindo ainda jovem.

A direção do filme também investiu com esmero no resgate dos cenários da época e em  sequências antológicas em Las Vegas, onde  Elvis passou a se  apresentar em shows nos cassinos  final  já no estágio final de sua carreira. O filme é de certa forma lento, tenta mostrar um Elvis ingênuo, mas a história do rei do rock é de certa forma roubada pela força do seu antagonista o coronel Parker, numa excelente interpretação de Tom Hanks, experiente ganhador de dois Óscares em Forrest Gump e Philadelphia,  que deverá ser indicado para a disputa do troféu pela sexta vez

A atuação Austin Butler é convincente  e pode também leva-lo à disputa do Óscar em 2023, sendo reforçada pela  trilha sonora estruturada por Elliott Wheeller, que além de incluir sucesso do próprio  Elvis, teve ainda de lambuja a participação de artistas como Doja Cat, Måneskin, Eminem e CeeLo Green. A lição que fica é que apesar da sua morte física, Elvis não morreu. Ele revive nas telas do cinema e até em teorias conspiratórias tão em voga nestes tempos de fake News. Há quem diga que ele teria sumido da vida pública por diversos motivos, o que poderia ser tema de outro filme ou quem sabe, de até um romance, pois se o Rei está morto, Viva ao Rei!(Kleber Torres)

domingo, 19 de junho de 2022

As diversas faces virtuais no crime ponto com



 

Construído no formato de documentário com seis episódios exibidos inicialmente em 2019 e depois reprisados posteriormente através do canal Investigação Discovery (ID), a série Crime.com,  revela para o espectador golpes e crimes digitais inimagináveis que aconteceram na internet brasileira, com repercussão e desdobramentos inclusive em outros países. Cada caso é complementado com depoimentos de pessoas envolvidas em cada um dos casos apresentados.

Cada episódio, com 45  minutos de duração  em média, envolve três casos diferentes, narrados pelo ator e locutor Luiz Guilherme Deliberador Favati, o qual explica didaticamente aspectos fundamentais dos crimes cometidos com a ajuda dos recursos e das tecnologias digitais, mas com impacto na vida real das vítimas. Uma preocupação evidenciada no projeto está em revelar  como pensam e atuam os na prática  os autores de fraudes digitais seja através de píshing, uma técnica de engenharia social usada para enganar as vítimas e obter informações pessoais sobre as mesmas, com acesso a informações sobre senhas, arquivos pessoais, cartões de crédito utilizados e depósitos bancários, ou mesmo de outras modalidades operacionais.

 "Crimes.com" tem também como proposta evidenciar a  vulnerabilidade das pessoas ou de empresas   aos golpes virtuais através do acesso à rede mundial de computadores ou mesmo por telefone. Tudo isto é facilitado pela crescente  exposição individual através às muitas plataformas digitais, as quais sempre são monitoradas por criminosos com acesso ao crescente uso de aplicativos  usados largamente nos dias de hoje para diversas finalidades.

De forma complementar,  série inclui ainda depoimentos de personagens envolvidos nos casos, como delegados, investigadores, advogados, técnicos, consultores e vítimas que aparecem em cada história, em que são apresentadas as reencenações dos crimes e fraudes. Estes ingredientes conferem maior dramaticidade e veracidade à série, que deveria ser ampliada no futuro, porque as modalidades de crimes se multiplicam e se desdobram em inovações como, por exemplo, o surgimento de quadrilhas especializadas no roubo através de transferências de recursos pelo pix ou oferecendo lucros mirabolantes através da operação com criptomoedas.

Uma das histórias da série teve como referência a atuação de um dos maiores hackers do Brasil, que se apresenta como Daniel Nascimento e foi cooptado por um outro operador identificado como Fênix, o qual usava carros de luxo e evidenciava um elevado padrão de vida. Os dois invadiam computadores através do sistema de pishing e ganhavam dinheiro para si e para clientes beneficiados pelas fraudes. O caso foi investigado pela Polícia Federal que acabou chegando aos operadores do golpe e hoje, o jovem hacker teria abandonado as atividades criminosas,  passando a operar do outro lado do balcão. Agora, atua no mercado como consultor na área de cibersegurança.

O segundo caso mostrado pelo Investigação Discovery foi uma fraude contra uma empresa produtora de aplicativos, que tinha seus produtos copiados integralmente por uma concorrente e lançado antes da desenvolvedora, com mudanças apenas nas cores dos apps. O caso também foi investigado pela polícia, consultores e advogados da empresa, que começaram apurando as formas possíveis de vazamentos das informações que deveriam ser sigilosas.

Os policiais começaram primeiramente  a monitorar os equipamentos da empresa  e as rotinas dos servidores, os quais foram submetidos a perícia. Gustavo Batistuzzo conta que as pistas apontavam inicialmente para o diretor de tecnologia de informação da empresa, Sérgio Andrade, e, assim, foi solicitado em paralelo um mandado de busca e apreensão nos computadores e telefones dos trabalhadores da empresa.

Resultado: foi descoberto que todos os sócios da suposta empresa concorrente, que teve a venda dos softwares piratas suspensos pela Justiça, eram empregados da empresa lesada nos seus direitos autorais e  de propriedade tecnológica.

O terceiro caso começa com um suposto sequestro de um homem, que em seguida corre sozinho numa rua com ferimentos na testa e hematomas no corpo. Ele cai no passeio e é socorrido desmaiado. A vítima é nada menos que um empresário bem sucedido, que comandava um Clube de Empreendedorismo, especializado em investir no mercado de apostas esportivas no mercado internacional e que funcionava em realidade como uma pirâmide financeira.

A policia apurou que o golpe movimentou mais de R$  200 milhões. Uma das vitimas tinha R$ 77 mil aplicados  na conta de gerenciamento do saldo digital de investimento, um capital que era monitorado através de um aplicativo que registrava os ganhos diários na operação. Posteriormente, ela   foi notificada que devido a problemas virtuais e operacionais os saques seriam suspensos por um período de 40 dias.

O empresário de sucesso e que vivia um elevado padrão de vida marcado pela ostentação, com carros de luxo e    viagens internacionais, acalmou os investidores em lives nas redes sociais, fazendo o que a policia considerou uma espécie de jogo de cena,  através de golpes estimulados pela ilusão e pela esperteza. Nas investigações também ficou constatada a inexistência na bolsa de Londres de qualquer cadastro da Chutehold, a sua empresa, que tinha sua base teórica na Inglaterra.

O delegado da PF, identificado como Fernando Pires Branco, considero que a Chutehold foi estruturalmente o projeto de uma pirâmidade que começou a ruir e que era mantido por informações de  clientes nas redes sociais, um dos quais contando que em três meses de operação ganhou R$ 400 mil. O delegado também considera que o sistema era mantido artificialmente através de muita ostentação e  de uma vasta rede de contatos conseguidos pelo fraudador cujo aplicativo sumiu juntamente com a plataforma após a divulgação do golpe.

Em tempo: o golpista teve o nome incluído na lista vermelha da Interpol, que o tornou procurado em todo o mundo, mas acabou localizado em Dubai levando uma vida de milionário. Alias Dubai é também, por coincidência, o mesmo destino de um itabunense que aplicou um golpe financeiro também de R$ 200 milhões pelo poderoso sistema de pirâmidade em clientes incautos da  Bahia, Amapá, Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Minas Gerais e São Paulo, que deveriam saber, pelo menos teoricamente, que dinheiro não dá em árvores e nem rende por um simples lance de mágica, mas quando um trouxa nasce, dizem, o sabido bate palmas.(Kleber Torres)

domingo, 29 de maio de 2022

Uma transição radical do terror até a pornochanchada


                              

 

José Mojica Marins não foi apenas o pai do terror no Brasil, que nos legou Zé do Caixão, o Joe Coffin, como é cultuado pelos seus admiradores nos Estados Unidos,  além de obras como  À Meia Noite  Levarei Sua Alma, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, O Estranho Mundo de Zé do Caixão e Finis Hominis. entre outros filmes. Ele também  incursionou com sua criatividade e recursos limitadores  no faroeste, dramas, aventura e até no gênero da pornochanchada em A Virgem e o Machão, assinado com o pseudônimo de J,Avelar.

 

O roteiro de Georgina Duarte nos remete a dois médicos que chegam em uma pequena cidade para trabalhar num hospital do interior. Um deles, o machão (Aurélio Tomassini) começa por seduzir a bela camareira do hotel em que se hospedou. Ele também aceita o desafio e suscita apostas milionárias para conquistar e  acabar com a frigidez da prostituta mais famosa da cidade e que estava na casa da madame  Lola (Zélia Hofmann), a bela Maria Sorvete (Nadir Fernandes), que atraia com seu charme gelado aos clientes e indiferente a tudo, chupava picolés no palito (numa metáfora ao sexo oral) durante os seus encontros amorosos.

 

As atividades do  machão, que conseguiu acabar a frigidez de Maria Sorvete tomando ao lado dela sorvete de caixinha, resulta no desaparecimento da prostituta, que deixa a cidade envergonhada. A sequência, também metaforicamente sugestiva do encontro, termina com o picolé de coco da prostituta derretendo na cômoda e gotejando leitoso no chão do quarto, num presumível orgasmo.

 

Já o médico e machão também conquista a atenção das mulheres casadas  da elite da cidade, que resolvem se vingar das traições dos maridos pagando com  a mesma moeda e ao mesmo tempo também atrai as atenções de uma virgem  (Esperança Villanueva), com quem tem um caso, mas ao se recusar a tê-la como esposa num casamento formal, desperta  uma trama que vai desmascará-lo na comunidade.

 

A virgem arma, com o macaco  Tião, que também é personagem do filme, lê jornais e é cheio de esperteza, uma vingança contra o machão visando expor as suas conquistas. O filme marcou a estreia de José Mojica Marins na pornochanchada e foi uma forma do cineasta criativo driblar os rigores da censura, com humor e questionando os valores da sociedade, inclusive com relação à fidelidade conjugal e até mostrando a face atual do empoderamento feminino.(Kleber Torres)

Ficha técnica :

 

Título : A Virgem e o Machão

Diretor : J.Avelar (José Mojica Marins:

Roteiro: Georgina Duarte

 

Elenco : Aurélio Tomassini, Esperança Villanueva, Alex Delamote, Chaguinha, Geraldo Decourt,  Gracinda Fernandes, Lisa Negri, M. Augusto Cervantes, Nadir Fernandes,Rosalvo Caçador, Zélia Hofmann, Vosmarline Siqueira e Toni  Cardi

 

Cinematografista : Eliseo Fernandes

 

Gênero : Pornochanchada

 

Ano : 1974

 

90 minutos

 

Colorido

 

 


domingo, 22 de maio de 2022

Cibersegurança uma questão que afeta governos, empresas e a própria cidadania


 

 

Preso numa cadeia de segurança dos Estados Unidos, onde cumpria pena  por cometer crimes virtuais, o hacker Nicholas Hathaway (Chris Hemsworth)  é retirado da prisão para identificar e localizar um ciberterrorista que roubou seu código e, depois de invadir um sistema de segurança digital, provocou um desastre nuclear na usina de Xiuan, na China. A ação criminosa resultou em sequência  numa série de eventos, inclusive ataques a sistemas bancários,  que impactaram o mercado global de ações, mobilizando os serviços de informação das duas maiores potências mundiais.

O enredo  associa a ação do hacker colaborando com agentes de segurança americanos e chineses para investigar inclusive outros crimes cibernéticos com ampla repercussão de  Chicago a Los Angeles ou de  Hong Kong a Jacarta. À medida que as investigações avançam Hathaway descobre juntamente com Chen Line (Teng Wei) e Carol Barret (Viola Davis) que  as apostas se tornam pessoais e  o ataque a uma usina nuclear chinesa foi apenas o começo de uma série de ações criminosas, que incluiriam o projeto para rompimento de diques visando probocar inundações na Malásia, causando em contrapartida a escasses de estanho no mercado mundial.

O thriller de ação foi dirigido pelo experiente Michael Mann, considerado um dis cineastas americanos mais inovadores da sua geração e que tem a seu crédito filmes como Fogo contra Fogo (1995), O Informante (1999),  Colateral(2004), Miami Vice(2006) e Inimigos Públicos (2009), a partir de um roteiro instigante de Morgan Davis Foehl sobre uma questão que preocupa governos, empresas e os cidadãos: a cibersegurança. O filme rodado em 2015, recebeu o elogio de críticos e  espectadores, mas não rendeu o esperado, custou US$ 70 milhões e rendeu apenas US$ 20 milhões.(Agência Brasil)

 

Ficha técnica:

 

Título : Blackhat (Hacker)

Diretor : Michael Mann

Roteiro : Morgan Davis Foehl

Elenco : Chris Hemsworth, Teng Wei, Viola Davis, Ritchie Coster, Holt McCallang, John Ortiz, Yorick van Wageninger, Wang Leehom

Cinematografista – Stuart Drayburgh

Música : Harry Gregson-Williams, Atticus Ross e Leopold Ross

Gênero : Drama

2015


quinta-feira, 21 de abril de 2022

Os bastidores de uma tragédia com pessoas de classe média

 



 

Escrito e dirigido a quatro mãos por Rainer Waerner Fassbinder e Michel Fengler, o filme Por que Deu a Louca no Senhor R ? (Warun lauft herr R – Amok)  narra numa estética essencialmente fassibinderiana uma tragédia do nosso tempo. O caso de  um pacato trabalhador que acaba matando a mulher, o filho, uma visita e depois pratica suicídio, revelando os bastidores de uma tragédia existencial e que não pode ser evitada.

O filme conta a história de  um desenhista de classe média que vive uma vida monótona dividindo o seu tempo entre as preocupações com um trabalho repetitivo e um casamento marcado por um relacionamento distante, sem afeto, vivido por uma completa solidão a dois. A narrativa é montada por uma série de pistas que se desdobram: mostram o casal reunido com amigos, fumando, jogando conversa fora sobre fatos do cotidiano, bebendo ou indo a reuniões da escola onde o único filho é vítima de bullying.

Kurt Raab (senhor R) , com um excelente desempenho, representa o papel um homem tímido e que quase nunca participa dos diálogos com os amigos da família ou no trabalho e, como um personagem invisível, é tolhido até quando depois de beber com os colegas de trabalho, tenta expor suas opiniões ao seu chefe (Franz Maron), que ouve com enfado e a contragosto parte do discurso do bêbado, se retirando logo depois sem nenhuma discrição deixando R. falando de forma desconexa para a mulher irritada com a indiscreção do marido e mais uns dois colegas que ficaram no restaurante.

Além de mostrar a invisibilidade de R., o filme descreve as relações de um  casal vivendo de aparências até que  numa noite acontece o que não estava previsto pela lógica, e, depois de matar a mulher, o filho e uma visitante, a golpes de um candelabro, ele vai para o trabalho e faz a opção para evitar a prisão antes da chagada da polícia, que encontra o seu corpo no sanitário da empresa.

Os policiais também constatam que embora trabalhasse no escritório há algum tempo, ali ninguém conhecia bem o senhor R., cuja morte por certo se integrou às estatísticas de suicídio e fatalmente será esquecida, ficando o incidente registrado apenas nos anais das páginas policiais dos jornais e se fosse nos dias hodiernos, gravado na memória de uma unidade central de informações com fotos e dados relativos ao trágico incidente.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Warun lauft herr R – Amok /Por que deu a louca no senhor R.

Diretor  e  Roteiro : Rainer Werner Fassbind e Michel Fenglee

Elenco :  Kurt Raab, Lilith Ungerer, Amadeus Fengler, Franz Maron, Hanna Schyggulla, Christian Anders e Irm Hermann

Cinematografista : Dietrich Lohmann

Musica : Peer Raben

Duração : 90 minutos

Ano – 1970

sábado, 19 de março de 2022

Uma crise letal que reflete um dos dramas da pós-modernidade


 

 

Tendo a epidemia de opióides,   que mata milhares de pessoas todos os anos em todo o mundo, como pano de fundo, Crisis é um filme  sobre uma droga ficcional Klaralon, um analgésico vendido  como muitos medicamentos liberados pelas agências de controle de alimentos e medicamentos por ser considerado eficiente no combate à dor e não viciante, o que nem sempre é verdade. Em Detroit, por exemplo, chegam a ser registradas por semana 40 mortes de overdose, um indicador revelador de que o vício ganhou a forma de uma epidemia na sociedade americana, enquanto que  com a venda deste tipo de droga muitos laboratórios faturam bilhões de dólares e investem inclusive no marketing de apoio às artes e à cultura.

Dirigido e roteirizado por Nicholas Jarecki, o filme envolve as três faces do problema: a produção de medicamentos à base de ópio, a sua distribuição legal através de farmácias ou por meio de traficantes no mercado negro, além do drama dos viciados no caminho inexorável da morte. Tudo começa com a apreensão de uma partida de drogas com envolvimento  de um agente infiltrado da DEA na fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos.

Em paralelo, o bem sucedido do professor e cientista Tyrone Brower (Gary Oldman), divide a sua carreira dando aulas numa instituição de ensino superior e validando com seu nome a pesquisa de drogas como Klaralon, produzido pelo laboratório Nortlight, como possível sucedâneo do Oxicodona, produto que existe no mercado e é considerado um potente opioide para tratamento de dores moderadas e severas, mas considerado viciante como todos os produtos derivados do ópio.

Brower tenta retardar o lançamento do Klaralon ao descobrir que a droga em desenvolvimento era viciante e que em dez dias, os ratos acabavam morrendo no laboratório pelo consumo crescente do produto. Ao constatar o problema, ele entra em rota de colisão com a direção do Northligth, que lhe acenou com uma bonificação de quase 800 mil dólares para novas pesquisas caso validasse o lançamento do produto já autorizado pela agência controladora do governo e depois forçaram sua demissão da universidade em que lecionava sob ameaça do corte de verbas e patrocínios.

Já o policial  Jake Kelly (Armie Hammer) trabalha infiltrado no desmonte de uma rede internacional de tráfico de drogas  e acaba encontrando Claire Reimann (Evangeline Lilly) uma arquiteta viciada e mãe enlutada, que perdeu o filho morto por overdose pelo consumo de opioides.

Crises tem como base a constatação de que todos os anos em escala global os opioides, cujo consumo cresce em média 20% ao ano,  matam cerca de 100 mil pessoas . As drogas deste tipo matam anualmente mais americanos do que a guerra do Vietnam, um problema que tem de ser enfrentado pelos governos e pela sociedade. O filme também serve como um alerta e mostra as múltiplas faces de um problema letal, que reflete os dramas da pós-modernidade com drogas que também são colocadas às vezes normalmente no mercado ou senão, por vias transversas e que são conhecidas de todos.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

 

Título : Crisis

Diretor e roteiro : Nicholas Jarecki

Elenco : Gary Oldman, Armie Hammer,  Greg Kinnear, Evangeline Lilly, Michelle Rodriguez, Luke Evans, Guy Nadon,. Lily-Rose Depp, Veronica Ferres e Kid Cudi

Cinematografista : Nicholas Bolpuc

Música :

Gênero : Suspense

Duração : 118 minutos

Ano de lançamento : 2021

País : Canadá/Bélgica

domingo, 6 de março de 2022

O mago que uniu o tango ao jazz e a música clássica



 

 

Um retrato da vida tumultuada do lendário do compositor e bandeonista Astor Piazzolla, filho de Italianos e  que se vivo o fosse, hoje teria mais de 100 anos, é o resultado do filme Piazzolla: os anos do tubarão, dirigido por Daniel Rosenfeld, que também participou da elaboração do roteiro ao lado de  Fernando Regueira.  O documentário foi construído a partir de imagens e registros de áudio inéditos, descobertos pelo filho Daniel Piazzolla, o que permite uma visão da música e da sua arte revolucionária mudando em definitivo os rumos da história do tango ao incorporar referências do jazz e da música clássica, além de mostrar a intimidade do músico com a família, amigos e os seus projetos  pessoais.

 

Piazzolla aprendeu bandeon no Bronx, onde sua família passou a residir num bairro judeu depois de se mudar da Argentina para os Estados Unidos. Ali ele também começou a lutar box e aprendeu uma regra básica e que aplicou de certa forma na vida prática: “nunca espere ninguém bater primeiro”. Como musico, ele fez três apresentações num hospício, onde o conheceu  o poeta Jacobo Fijman, que  passou 24 anos internado e não queria sair porque não tinha ninguém lá fora, para quem tocou Balada para um louco fazendo com que os pacientes rissem e chorassem nas execuções do tango.

 

Ainda em formação, Piazzolla também estudou música clássica para aprender teoria e composição. Como exercício, fez adaptações da música de Bach para o bandeon com sucesso. Ele também conheceu Carlos Gardel, que na época precisava de um garoto entregador de jornal na filmagem do El dia em que me quieras, em 1935. Gardel ficou impressionado com o jovem e o convidou para  tocar em sua casa, elogiando o seu desempenho. Ele também o convidou para a mesma turnê em que Gardel acabou morrendo num acidente aéreo.

 

Em 1936, Piazzolla começa a tocar numa orquestra de tango integrada por 13 músicos e começou a aprender piano com o compositor erudito argentino Alberto Ginastera. Esta experiência lhe permitiu incorporar os conhecimentos da música clássica e do jazz para o tango, fazendo uma música para as pessoas que pensam.

 

Ele se casa e monta a sua primeira orquestra própria em 1946, mas não atraia o público para as casas noturnas em que se apresentava. Então, ele decidiu não mais tocar num cabaré e compôs a Sinfonia de Buenos Aires – uma rapsódia portenha, que lhe valeu um prêmio internacional para estudar composição e orquestração com Nadine Boulanger, em Pris, levando seu bandeon e lá desenvolve um conceito do tango novo. Boulanger também orientou celebridades da música como Burt Bacarath, Egberto Gismonti, Igor Stravinsky e Quincey Jones.

 

Após o curso na Europa, ele volta para a Argentina onde foi lutar como um gladiador em busca do reconhecimento estético da sua música. Ele também assistiu ao mesmo tempo em Buenos Aires, a queda do ditador Juan Domingo Peron e a crise do tango, que perdia espaço para o rock, que conquistava os jovens portenhos.

 

Em 1955, desenvolve a proposta do tango para ouvir, com uma banda com oito instrumentistas, num período em que a música era o que mais lhe interessava na vida. Piazzolla também sentia que os jovens não mais queriam dançar o tango, que era complicado e desenvolveu uma teoria do tango progressivo, com o octeto de Buenos Aires associando-o ao jazz e ao clássico.

 

Sem apoio, ele decide deixar Buenos Aires na busca de novos rumos e em dificuldades financeiras aceitou um emprego de tradutor no Banco da Argentina, em Nova York, onde passou a viver. Neste período, compôs em 30 minutos Adeus Nonino, dedicado ao seu pai morto, o que considerou um momento especial na sua vida e passou a comandar um quinteto e a banda Nova Guarda, dando continuidade ao projeto para uma mudança harmônica e rítmica mais emocionante, mas sem perder a essência do tango, com uma música nova e que atraia a atenção dos amantes do jazz.

 

Nesse interim, ele se separa da mulher e começa a fazer sucesso com o quinteto, abocanhando na época um prêmio de US$ 2,5 mil em um concurso num festival de música  e dança com a Balada do Louco. Em seguida,  inicia uma parceria  exitosa com o saxofonista Jerry Mulligam, no período quando passou a ser conhecido internacionalmente e aplaudido pelo publico.

 

Em 1978, Piazzolla retorna para a Argentina e volta a tocar com o quinteto. A sua filha, que fazia oposição ao governo militar na Argentina, não perdoou o seu almoço com o general Vidella. Mas o músico continuou a sua trajetória de sucesso considerando que a sua música continuava em evolução e atual, “tem um pouco de tango, mas é o mundo de Piazzola, uma música romântica  e com muita ternura. Estou no período do tubarão: pesco um dia e no outro componho.”

 

Em 1988 , ele se apresenta no Teatro Cólon e depois foi operado do coração, sendo aconselhado a deixar os palcos se dedicando apenas a compor, mas obstinado,[ não obedeceu às ordens médicas e continuou se apresentando. No filme, ele confessa que foi o filho que Nonino  queria ter: “ele lutou muito por mim,” mas acaba doente e paralitico, e passa paralítico o último ano de sua vida sem pescar tubarões e sem compor, conhecendo a profundidade e os limites absolutos da solidão e da morte.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica :

Título Piazolla: los años del tiburón (Piazolla : os anos do tubarão)

Direção: Daniel Rosenfeld

Roteiro : Daniel Rosenfeld/Fernando Regueira

Elenco : Astor Piazolla, Daniel Piazolla, Alejandro Varillo Penovi

Produção : Frabnçoise Grazi

Gênero : documentário

Duração : 90 minutos

Ano : 2018

País : Argentina / França

 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Um cult movie de terror que saiu da periferia para o mundo



“É a vida o tudo  e a morte o nada ou a vida é o nada, e a morte, tudo”  com este pressuposto o cineasta José Mojica Marins concebeu junto com Adenora de Sá Porto o roteiro do filme Esta noite encarnarei o teu cadáver, considerado um cult movie reconhecido internacionalmente. A história foi construída  a partir de uma sinopse simples: o  coveiro Zé do Caixão, que buscava de forma obsessiva encontrar uma mulher ideal, capaz de gerar o filho perfeito, e tenta, com a ajuda do fiel criado conseguir este objetivo, para isso sequestra seis belas jovens, que acabam submetidas a sessões de tortura e flagelação concebíveis no mundo da ficção ou fora dos limites da razão.

Tudo começa quando Zé do Caixão (José Mojica Marins), dono de uma funerária, é preso e absolvido de dois crimes depois de encontrado junto a dois corpos em decomposição. E assim, em liberdade, ele volta à sua cidade com o projeto de achar a mulher ideal para consagrar a única verdade da vida: a imortalidade do sangue. Mas nem tudo é maldade no filme, pois Zé do Caixão salva um menino que brincava de cabra cega de ser atropelado  e ainda ameaça ao motorista desastrado, que poderia ter matado um inocente.

Para Zé do Caixão, “meu sangue precisa encontrar aquela que o imortalizará” e o importante neste processo que pairava na sua cachola é que só as crianças são inocentes, por isso sequestra seis mulheres para tentar gerar o homem puro e de uma raça imortal, isso num pais cujo povo continua a morrer ignorante, supersticioso,” uma verdade que precisa ser aceita mesmo que tenhamos de chorar lágrimas de sangue”, o que custou ao cineasta dissabores com a censura.

Ele oferece às mulheres a fortuna e a imortalidade, mas elas não sabem o que o destino reserva às que não forem escolhidas. No teste de fogo, ele coloca baratas e aranhas nos quatros em que as jovens dormem e ri sadicamente, quando elas se assustam: “um pequeno susto para medir a coragem de vocês”. Outra mulher, ele manda esperar no seu quarto e  fala da sua preocupação para que a beleza das mulheres seja ultrajada pelos rigores do tempo “por isso promete matá-las” de forma antecipada.

Uma das vitimas ele dá de presente para seu fiel escudeiro, Bruno (José Lobo), o corcunda, e decide ficar com apenas uma das mulheres, deixando as outras quatro entre cobras e serpentes que cuidariam do seu destino final. Zé do Caixão é amaldiçoado por uma da moças, mas para ele, a morte delas não é um sacrifício, porque o amor fragiliza o homem e corrompe a mente. Depois da decisão, manda Bruno, simplesmente limpar a sujeira fazendo a assepsia do lugar dos crimes.

Nesse interim, ele interrompe  a festa de noivado de Laura (Tina Wholers) filha de um coronel. Ela lhe diz que pretende ser de seu sequestrador e que quer ter com ele um filho perfeito, sendo considerada por Zé do Caixão como uma mulher superior. Na sua estratégia, ele também mata o filho do coronel, irmão  de Laura e joga a culpa no Truncador (Antônio Francari), que acaba conseguindo fugir da cadeia.

A Laura , Ze do Caixão confessa que matou o seu irmão e que ela, por ser uma mulher superior será a mãe do seu filho. Mas ele também descobre que entre uma das mulheres que sequestrou e matou, estava uma gestante e ele estaria amaldiçoado, pois provocou a morte de um inocente. O filme também mostra uma relação infernal de Zé do Caixão com o sem nome através de Josef(el) Zanatas com o nome escrito de trás para frente, numa cena psicodélica e experimental.

Zé do Caixão afirma categórico  que esteve no inferno e que mesmo não existe. Quando o Trucador chega com um grupo de jagunços para eliminá-lo, Laura conta que está grávida e ele diz que com isso seu sangue se eternizará. Destaca ainda, que a sua missão na terra está cumprida pois terá um filho que dará continuidade à sua descendência e constata: “não posso morrer, tenho de defender meu filho dos homens inferiores’, mas acaba dominado e na luta com seus captores, ele mata um deles num pântano, no meio da areia movediça.

Márcia (Nádia Freitas) outra das suas vitimas tenta suicídio e, antes de morrer conta ao que a encontraram, que Zé do cCaixão  matou as jovens sequestradas e também foi responsável pela morte do filho do coronel, o que deixa toda a população da pequena cidade contra o assassino que chama os seus perseguidores de desgraçados, malditos e escravos do nada. Na sua vingança, o coronel (Roque Rodrigues) coordena  uma mobilização para expulsar o diabo daquela terra , “pois a reencarnação não existe e apenas é fruto da imaginação”.

Em desvantagem diante da multidão, Zé do Caixão relembra que o homem verdadeiro é superior às fraquezas terrenas e que é essencialmente imortal: “pois nada existe, tudo é mentira e eu sou indestrutível”, mas acaba desabando depois de fulminado por um tiro e ao cair, acaba rogando a ajuda de Deus e pede uma cruz, o símbolo da fé e da redenção.

Rodado em 1967, o filme foi feito com um pequeno orçamento e recursos escassos, atores amadores em sua maioria, mas revela um cineasta criativo e que mesmo sem formação acadêmica ou como autodidata coloca em debate o terror pelo terror, com cenas de cobras, aranhas e baratas verdadeiras, animais e insetos que também eram usados nos testes das suas atrizes e em cenas de realismo não fantástico.

O fato é que José Mojica Marins não só construiu a figura imortalizada do personagem Zé do Caixão, como é hoje considerado um cineasta cult nos Estados Unidos, onde é conhecido como Joe Coffin. Ele nos contou histórias variadas,  saltando desde a pornochanchada até o terror, sendo conhecido como o pai deste segmento no Brasil e um dos inspiradores do movimento marginal, graças ao seu estilo underground.

O cineasta, que foi roteirista de cinema e televisão,  ator e produtor,   também teve um discurso critico que lhe valeu cortes frequentes da censura, mas,  como autodidata, ele  também colocou na sua obra temas filosóficos  e existenciais, transcendendo os limites indefinidos entre o bem e do mal, como tinha noção de Zaratustra e do superhomem do Nietzsche assimilando ao se modo a leitura e problemática de um dos filósofos mais complexos do nosso tempo e o incorporando à linguagem que influenciou o cinema, a literatura e a vida das pessoas.

 

Ficha técnica:

Título : Esta noite encarnarei no teu cadáver

Direção: José Mojica Marins

Argumento e Roteiro: José Mojica Marins e Adenora de Sá Porto

Elenco - José Mojica Marins, Tina Whollers, Nádua Freitas, Antonio Fracati, Esmeralda Rachel, Paulo Ramos, Tânia Mendonça,  Carmen Marins, Mina  Monte, Denise Maria e Palito

Fotografia : Giorgio Attili

Diretor de arte – José Vedovato

P & B

Lançamento : 13 de março de 1967

Brasil

 

 

 

 

 



sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A história de uma entrevista que virou filme sobre o poder

 


 


 

No momento em que o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, que esteve preso num processo de corrupção e tenta voltar pela terceira vez à presidência da República, um filme interessante e que serve de espelho para a sua trajetória política é Walesa, de 2012, dirigido por Andrzej Wajda. O filme tem como base narrativa entrevistas do ex-presidente polonês  Lech Walesa no período de 1990 a 1995, à jornalista italiana Oriana Fallacci  interpretada pela atriz Maria Rosaria Omaggio, famosa pela cobertura de guerras e revoluções, além de autora de entrevistas antológicas com vários líderes mundiais e que lhe deram projeção internacional. 

Lech Walesa (Robert Wieckiewicz) aparece como um político tarimbado, que começou a vida como eletricista e empregado de um estaleiro de  Gdansk, propõe à entrevistada uma série de perguntas para saber se  a entrevistas seria positiva ou negativa para a imagem da sua pessoa. O filme tem como cenário desde os anos 70 com a Polônia conflagrada em um clima de revolta da população irritada com o aumento de 30% no aumento dos preços da cesta básica e dos serviços públicos.

O filme também traça à trajetória de Walesa, que se tornou líder do partido Solidariedade e  ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Tudo começa quando ele sai da sua casa em 1971, para pegar um carro de bebê para o filho e acaba detido levando panfletos no meio de uma série de confrontos entre a população e a policia. O operário acaba detido e forçado a colaborar como informante com as forças de segurança.

Como eletricista ele acaba  se revelando como uma liderança entre os operários ao cobrar máscaras de proteção para os trabalhadores do porto e do estaleiro. Posteriormente, numa reunião do partido comunista que controlava o país, ele se  manifesta em defesa dos trabalhadores, depois promete ligar a eletricidade para um amigo que estava sem luz em casa, mas acabou demitido.

Ao ser questionado por Oriana Fallaci sobre quem o ensinou a agir, Walesa declarou: “sou um homem com muita raiva. E preciso viver com raiva.” O fato é que desempregado, ele acabou precisando procurar um novo emprego, arruma vários bicos  e recebe panfletos na rua,  que o levam ao comitê dos trabalhadores  onde criticou o estágio da luta por direitos da categoria por considerar em seu discurso que “as intenções são boas, mas o resto é lixo.”

O filme revela que a policia vai à casa de Walesa no mesmo dia da visita do Papa João XXIII ao país, em 2 de junho de 1971, quando ele é novamente preso mais uma vez e declara aos seus interrogadores : “antes eu falava porque não tinha escolha” e se recusa a colaborar com os órgãos de segurança afirmando também que não iria abandonar a sua filiação ao sindicato. Na entrevista, ele declara à jornalista italiana que foi preso várias vezes e que a prisão era um bom lugar para pensar.

Pai de seis filhos, ele confessa à repórter que a sua mulher não apenas suportou as suas detenções, como o ajudou muito contirbuindo na sua escalada política e o apoiando nas demissões que teve de enfrentar, sempre procurando trabalhos alternativos, inclusive trabalhando no conserto de carros.  Contou ainda que em 18 de dezembro de 1979, participou de um comício onde falou da sua demissão, sendo preso mais uma vez pelo serviço secreto polonês, no momento em que o país vivia uma nova crise de desabastecimento.

Ao sair da prisão, ele emerge como um dos lideres do greve nos estaleiros, em 14 de agosto de 1980, que começou com uma grade mobilização, mas sem  a presença de Walesa, que chega após  a eclosão do movimento, depois de escapar a um cerco policial pulando um muro. Antes de sair da sua casa, ele havia entregue à mulher o relógio e aliança, com a recomendação para que os colocasse à venda caso ele não voltasse.

Nesta época, os grevistas reivindicavam aumento de salário para dois mil ztoty  e redmissão dos trabalhadores demitidos, além da construção de um monumento aos trabalhadores mortos na greve de 1970. Para Walesa, “eles aceitaram a nossas exigências. Mas depois alegaram que não mais aceitavam as negociações, nós estávamos em greve por solidariedade”.  Com a população da cidade aderindo à paralisação do estaleiro e do porto, os grevistas ampliaram a pauta de reivindicação propondo a realização de eleições livres e a lista passou a contar com nada menos que 21 exigências.

Num outro questionamento, Oriana Fallaci pergunta a Walesa o que significa ser líder  e ele destaca entre valores de liderança: “ser destemido e não se dobrar, além do mais, sei o que falar com as massas”. Ele desatacou que o sucesso do solidariedade estava no apoio de artistas e intelectuais, enquanto os russos pressionavam as autoridades polonesas para a repressão aos grevistas, no momento em que a paralidação ganhava adesões em todo o pais”

A greve termina em 31 de agosto de 1980 e o filme mostra Walesa sendo carregado nos braços pelos trabalhadores. Ele comemora a anistia e a soltura dos presos políticos e declara que “a vitória não foi minha, mas da união de todos.” Numa outra entrevista em sua casa, deitado na cama, o líder polonês diz à jornalista que “não me adapto á regras do jogo”, enquanto sua mulher colocava visitas e sindicalistas para fora de casa.

Walesa também confessa na entrevista que serviu para o roteiro do filme, que não lia livros, comprou até alguns, mas não lia mais que cinco páginas. Em 13 de dezmebro de 1981, o secretário do partido e o prefeito de Gdansk vão à casa de Lech Walesa informando que o governo havia decretado lei marcial. Assim, ele volta à militância sindical e diz num encontro com policiais que o abordaram com ameaças: “um dia vocês ainda vão me pedir trabalho”.

O líder do Solidariedade contou ainda na entrevista, que foi sequestrado pelos comunistas   e em 11 maio de 1982  condenado à 18 anos de prisão, mas acabou convidado a ir para a televisão para tentar encerrar  uma nova paralisação dos trabalhadores. Ele fala da repressão politica depois da ocupação da Polônia pela União Soviética,  da sua participação como colaborador do regime e  das mudanças com a  morte de Leonid Brejnev, ex-secretário geral do partido comunista soviético em 10 de novembro de 1982. Bem como da  festa com a soltura de Walesa, o qual declara a Oriana Fallaci que “o país está prestes a explodir e eu sei mudar isso com calma e paciência.”

No mais tudo culmina com as eleições que o levaram à presidência da Polônia em 1989 e no mesmo ano, em 9 de novembro. cai o muro de Berlim, num filme que revela uma história baseada em fatos reais, e como a voz e a ação de um homem ganharam repercussão num mundo globalizado e em constante mudança.(Kleber Torres)