Dizem que o Diabo está nos detalhes,
mas o documentário The Devil’s Horn (O Chifre do Diabo),
baseado no romance The Devil’s Horn: The
Story of the Saxophone, de Noisy Novelty a King of Cool de Michael Segell,
vai muito além destes limites e nos revela a história por trás do saxofone, um
instrumento que imita a voz e o riso humanos, mas sempre foi ridiculizado ou
considerado um instrumento de Satanás pela sua forma sinuosa de chifre. O sax
foi proibido pelos nazistas e pelos comunistas , mas, segundo a lenda, foi condenado até por um
papa, como se houvesse uma maldição infernal em torno desse instrumento que
ganhou destaque no universo musical do século XX.
O documentário começa falando sobre
alquimia, feitiçaria, ou mesmo da criação infernal de um inventor louco, Adolphe
Sax, influenciado por um sonho em que os demônios dançavam e invocavam o Diabo.
Ele era um excêntrico artesão acústico
belga, que sobreviveu a doenças, acidentes, envenenamento, inclusive a um câncer
tratado e curado por um certo doutor Noir, um misterioso charlatão e escapou até
a atentados ou a um incêndio criminoso da sua fábrica por parte de seus
concorrentes na fabricação de instrumentos.
O inventor acabou falindo e indo
trabalhar em Paris, onde morreu pobre, trabalhando como assistente de palco em
teatros e desenvolvendo inventos de grande porte. Hoje, ele é venerado em sua
terra natal, Dinat, onde há um museu do saxofone e teve o seu bicentenário
festejado em 2013, com um concerto com 200 saxofonistas, reunindo músicos de
todo o mundo.
No filme tudo gira em torno do saxofone,
um cilindro sinuoso de latão, que emite o som mais profundamente humano, que é
a voz e se transformou em sinônimo de música no século XX, como um instrumento
em que o músico tem de escolher o caminho de cada nota e o caminho da sua alma.
O sax teve uma larga influência no jazz,
no rock e nas casas noturnas do século passado tendo como expoentes Charles
Parker (The Bird), Lester Young e John Coltrane.
O documentário dirigido por Larry Weinstein
rastreia a história o instrumento desde o seu excêntrico criador belga, e que somente
10 anos depois do Sax completar o primeiro protótipo do saxofone em 1843, o
chifre brilhante tinha alcançado os Estados Unidos e toda a Europa. Com ele, a
música jamais voltaria a ser a mesma, atraindo artistas famosos e reconhecidos
internacionalmente, como Benny Carter, Sonny Rollins, Lee Konitz, Branford
Marsalis e outros nomes.
A história do instrumento fascinante e
que enfeitiça as pessoas foi enriquecida no documentário por depoimentos como o
de Jimmy Heat, com quase 90 anos, que fez parte de uma geração de gigantes e teve
como mentor outro monstro do jazz Dizzy Gillespie. Ele tem fotos com Charles Parker,
a quem considerava um gênio que levou o
exército do jazz para o futuro; John Coltrane e Stan Getz, que foi preso
tentando roubar para poder comprar heroína. Outro músico, Sidney Bechet acabou
na cadeia depois de se envolver num tiroteio O próprio Heat conta que abusou do
uso de substâncias psicotrópicas, foi viciado em heroína e se curou depois de
quase cinco anos de prisão numa penitenciária federal.
O músico considera que apesar do lado
trágico do saxofone, profissionais que tocavam outros instrumentos também viveram
seus dramas e tragédias pessoais. Mas pegar um sax é para um dos entrevistados
no filme como enfrentar um adversário assustador: “alguns perdem a vida, outros
a alma e alguns o mundo ao qual pertenciam”. Um dos casos é o de Guiseppi
Logan, que foi um músico promissor nos anos 60, com um disco de sucesso lançado
aos 34 anos, e acabou preso, se envolveu com drogas e depois, se tornou um morador
de rua abrigado na velhice em um asilo de indigentes
O sax também permite aos artistas uma
abordagem multisônica e com espaço promissor no campo da música experimental,
com músicos usando os mesmos recursos do sistema de respiração circular com o
ar entrando pelo nariz, passando pelos pulmões e saindo através da boca. Um
músico define tocar sax algo como se o Espírito Santo entrasse na pessoa. O
instrumento também integrou o universo do rock antes da chegada da guitarra
elétrica, sendo usado até em conjuntos punks, como The Sonics, que perdeu o
saxofonista Rob Lind, que se alistou como piloto da Força Aérea para lutar no
Vietnã e agora, 40 anos depois voltou a tocar.
O compositor clássico Hector Berlióz,
que foi contemporâneo de Adolphe Sax, deixou na sua Danação do Fausto, duas
linhas para o saxofone e que nunca foi escrita. O instrumento custou a ser
incorporado ao universo da música clássica e um mecânico do mundo do
motociclismo deixou tudo para fabricar boquilhas para artistas famosos,
enquanto o búlgaro Yuri Yunakov, de origem cigana, deixou o país onde foi
perseguido pelo regime comunista e vive em Nova York, trabalhando como
motorista de taxi e tocando sax numa casa noturna, para ele o sax é o
instrumento e o diabo são as pessoas. Já o pastor Vennard Johnson, que curou a
asma com a ajuda de um sax, é hoje considerado o melhor saxofonista de música
gospel, instrumento que usa para exorcizar demônios e para pregar a palavra de Deus.(Kleber Torres)
Ficha técnica:
Título: The
Devil’s Horn (O Chifre do Diabo)
Direção
: Larry Weinstein
Roteiro
: David Martin, David New e Michael Segall
Música
: Aaron Davis
Cinematografistas
: John M. Tran
Gênero
: Documentário
80 minutos
2016
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