domingo, 27 de setembro de 2020

A história do sax ou quando o Diabo foge dos detalhes ou da cruz




Dizem que o Diabo está nos detalhes, mas o documentário  The Devil’s Horn (O Chifre do Diabo), baseado no romance The Devil’s Horn: The Story of the Saxophone, de Noisy Novelty a King of Cool de Michael Segell, vai muito além destes limites e nos revela a história por trás do saxofone, um instrumento que imita a voz e o riso humanos, mas sempre foi ridiculizado ou considerado um instrumento de Satanás pela sua forma sinuosa de chifre. O sax foi proibido pelos nazistas e pelos comunistas , mas,  segundo a lenda, foi condenado até por um papa, como se houvesse uma maldição infernal em torno desse instrumento que ganhou destaque no universo musical do século XX.

 

O documentário começa falando sobre alquimia, feitiçaria, ou mesmo da criação infernal de um inventor louco, Adolphe Sax, influenciado por um sonho em que os demônios dançavam e invocavam o Diabo. Ele era um excêntrico  artesão acústico belga, que sobreviveu a doenças, acidentes, envenenamento, inclusive a um câncer tratado e curado por um certo doutor Noir, um misterioso charlatão e  escapou até  a atentados ou a um incêndio criminoso da sua fábrica por parte de seus concorrentes na fabricação de instrumentos.

 

O inventor acabou falindo e indo trabalhar em Paris, onde morreu pobre, trabalhando como assistente de palco em teatros e desenvolvendo inventos de grande porte. Hoje, ele é venerado em sua terra natal, Dinat, onde há um museu do saxofone e teve o seu bicentenário festejado em 2013, com um concerto com 200 saxofonistas, reunindo músicos de todo o mundo.


No filme  tudo gira em torno do saxofone, um cilindro sinuoso de latão, que emite o som mais profundamente humano, que é a voz e se transformou em sinônimo de música no século XX, como um instrumento em que o músico tem de escolher o caminho de cada nota e o caminho da sua alma. O sax teve uma larga  influência no jazz, no rock e nas casas noturnas do século passado tendo como expoentes Charles Parker (The Bird), Lester Young e John Coltrane.

 

O documentário dirigido por Larry Weinstein rastreia a história o instrumento desde o seu excêntrico criador belga, e que somente 10 anos depois do Sax completar o primeiro protótipo do saxofone em 1843, o chifre brilhante tinha alcançado os Estados Unidos e toda a Europa. Com ele, a música jamais voltaria a ser a mesma, atraindo artistas famosos e reconhecidos internacionalmente, como Benny Carter, Sonny Rollins, Lee Konitz, Branford Marsalis e outros nomes.

 

A história do instrumento fascinante e que enfeitiça as pessoas foi enriquecida no documentário por depoimentos como o de Jimmy Heat, com quase 90 anos, que fez parte de uma geração de gigantes e teve como mentor outro monstro do jazz Dizzy Gillespie. Ele tem fotos com Charles Parker, a quem considerava um gênio  que levou o exército do jazz para o futuro; John Coltrane e Stan Getz, que foi preso tentando roubar para poder comprar heroína. Outro músico, Sidney Bechet acabou na cadeia depois de se envolver num tiroteio O próprio Heat conta que abusou do uso de substâncias psicotrópicas, foi viciado em heroína e se curou depois de quase cinco anos de prisão numa penitenciária federal.

 

O músico considera que apesar do lado trágico do saxofone, profissionais que tocavam outros instrumentos também viveram seus dramas e tragédias pessoais. Mas pegar um sax é para um dos entrevistados no filme como enfrentar um adversário assustador: “alguns perdem a vida, outros a alma e alguns o mundo ao qual pertenciam”. Um dos casos é o de Guiseppi Logan, que foi um músico promissor nos anos 60, com um disco de sucesso lançado aos 34 anos, e acabou preso, se envolveu com drogas e depois, se tornou um morador de rua abrigado na velhice em um asilo de indigentes

 

O sax também permite aos artistas uma abordagem multisônica e com espaço promissor no campo da música experimental, com músicos usando os mesmos recursos do sistema de respiração circular com o ar entrando pelo nariz, passando pelos pulmões e saindo através da boca. Um músico define tocar sax algo como se o Espírito Santo entrasse na pessoa. O instrumento também integrou o universo do rock antes da chegada da guitarra elétrica, sendo usado até em conjuntos punks, como The Sonics, que perdeu o saxofonista Rob Lind, que se alistou como piloto da Força Aérea para lutar no Vietnã e agora, 40 anos depois voltou a tocar.

 

O compositor clássico Hector Berlióz, que foi contemporâneo de Adolphe Sax, deixou na sua Danação do Fausto, duas linhas para o saxofone e que nunca foi escrita. O instrumento custou a ser incorporado ao universo da música clássica e um mecânico do mundo do motociclismo deixou tudo para fabricar boquilhas para artistas famosos, enquanto o búlgaro Yuri Yunakov, de origem cigana, deixou o país onde foi perseguido pelo regime comunista e vive em Nova York, trabalhando como motorista de taxi e tocando sax numa casa noturna, para ele o sax é o instrumento e o diabo são as pessoas. Já o pastor Vennard Johnson, que curou a asma com a ajuda de um sax, é hoje considerado o melhor saxofonista de música gospel, instrumento que usa para exorcizar demônios e para pregar a  palavra de Deus.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica:

 

Título: The Devil’s Horn (O Chifre do Diabo)

Direção : Larry Weinstein

Roteiro : David Martin, David New e Michael Segall

Música : Aaron Davis

Cinematografistas : John M. Tran

Gênero : Documentário

80 minutos

2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário