sábado, 4 de abril de 2015

Hanna Arendt e a banalização do mal






          A questão da banalização do mal é o tema central do filme Hannah Arendt, interpretada por Barbara Sukowa, que migrou para os Estados Unidos com o marido Heinrich (Axel Milberg), após a Segunda Guerra Mundial. Os dois estiveram presos num campo de concentração nazista de Gurs, na França e nos EUA, ela é convidada para cobrir o julgamento do carrasco Adolf Eichmann, em Israel, para a revista The New Yorker, abrindo uma polêmica em relação não apenas à prática dos alemães na implementação da solução final com a exterminação massiva judeus, sob a alegação do cumprimento de ordens e lealdade ao regime hitlerista, como também questionando em  relação aos judeus que de alguma forma colaboraram com os algozes contribuindo mesmo involuntariamente para o processo.
          Como resultado ela escreve sobre o caso e publica cinco polêmicos  artigos no The New Yorker, que geram uma série de protestos e depois os reúne em um livro com o título Eichmann em Jerusalém, o que lhe custa o rompimento de amizades e problemas na universidade onde ensinava. Aí é que começa o drama de sua vida, pois nos artigos ela  mostra que nem todos que participaram dos crimes de guerra eram verdadeiros monstros, agindo na vida pessoal como pessoas normais e pais de família exemplares. Ainda segundo ela, judeus também estavam envolvidos de forma indireta e ajudaram no extermínio dos seus iguais sob temor e pressão dos nazistas.
          Segundo ela, Adolf Eichmann, que fez a sua própria defesa no julgamento, não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio aparentando ser uma pessoa normal e sem sentimento de culpa. Neste sentido, ele confessa que agiu estritamente segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática, mas desumana.
          Em essencia, ele cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar, sem avaliar no sentido ético e moral as conseqüências dos seus atos, mas que executava como um processo administrativo. Isso evidencia o caos moral que os nazistas causaram na sociedade europeia e nas suas vítimas, uma vez que eles tiram dos judeus a sua condição humana.
          No filme, Anna Arendt considera que ele era diferente do que pensava, parecendo um  Zé Ninguém, que usava uma linguagem dos burocratas e dizia como metáfora aos seus julgadores, que “ me sinto como um filé na grelha”. O filme também reúne depoimentos de sobreviventes dos campos de concentração chefiados por Eichmann, que assumiu até a possibilidade de matar o seu próprio pai se este fosse um traidor do nazismo: “é uma questão de comportamento humano, pois estávamos em uma guerra” alegou o carrasco.
          Em essência, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, transferindo-o do campo essencialmente filosófico para o político e analisando o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado contaminando o conjunto da sociedade. Neste sentido, o mal não é uma categoria ontológica,  natural e nem metafísica devendo ser analisado no sentido político e histórico: pois é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso ocorre em razão de uma escolha política.
          Assim, segundo Arendt o réu  considerava que não fez nenhum mal a nenhum judeu, uma vez que cumpria estritamente ordens, “ele transportava pessoas para a morte, mas não se sentia responsável agindo como se fosse um mero burocrata medíocre”. Este processo no seu conjunto implicava na desumanização das vitimas, tornando-as pessoas supérfluas como seres humanos, como sói acontecer no nosso tempo, sob a égide do ISIS e do Boko Haran, uma vez que a trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, um terreno fértil onde a banalidade do mal se instala e onde por osmose tudo acaba permitido até mesmo a atuação dos corruptos que depredam empresas estatais ou que esmagam vidas humanas sem nenhuma contemplação ou justificativa racional.
          Ela conclui que não existe uma pena real que se aplique aos atos de pessoas como Eichamnn, que foi condenado a morte por enforcamento, até porque existem muitas indivíduos iguais a ele, que era incapaz e se recusava a pensar. Ela considera que ele cometeu um crime que não existe nos livros de Direito e nem previsto nos manuais e nesse ponto faz referencias aos judeus que voluntariamente ou sob a mais absoluta pressão colaboraram com o nazismo, mesmo não tendo outra alternativa ou opção, o  que custo a vida de  cerca de seis milhões de judeus.
          O filme também mostra uma controversa relação da filósofa de esquerda com o seu mestre Martin Heidegger, que teve ligações com o nazismo, e é considerado pensadores fundamentais do século XX, quer pela recolocação do problema do ser e ou ainda pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. Heiddeger considera no filme, que pensar não soluciona os problemas do universo, mas nos dá o poder de agir.
          Em síntese, a filosofa nos ensina no filme e na sua obra que tentar entender não significa perdoar os crimes inomináveis do nazismo e que o ponto chave da prevalência da banalização do mal está na recusa de pensar e na falta de compromisso com a condição humana, um problema que emerge também nos dias conturbados do nosso tempo. O fato é que o mal não pode ser banal, “o mal nunca é radical, é apenas extremo e que não tem nem profundidade nem sequer uma dimensão demoníaca”. (Kleber Torres)



Ficha técnica
Hannah Arendt
Ano:  2012
Elenco: Barbara Sukowa como Hannah Arendt; Janet McTeer como Mary McCarthy; Klaus Pohl como Martin Heidegger; Nicholas Woodeson como William Shawn; Axel Milberg como Heinrich Blücher; Julia Jentsch como Lotte Köhler; Ulrich Noethen como Hans Jonas e Michael Degen como Kurt Blumenfeld
Direção: Margarethe von Trotta
Duração: 114 minutos
Música composta por: Andre Mergenthaler

Prêmios: Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Atriz, Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Filme

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