A questão da banalização do mal é o
tema central do filme Hannah Arendt, interpretada por Barbara Sukowa, que
migrou para os Estados Unidos com o marido Heinrich (Axel Milberg), após a
Segunda Guerra Mundial. Os dois estiveram presos num campo de concentração
nazista de Gurs, na França e nos EUA, ela é convidada para cobrir o julgamento
do carrasco Adolf Eichmann, em Israel, para a revista The New Yorker, abrindo
uma polêmica em relação não apenas à prática dos alemães na implementação da
solução final com a exterminação massiva judeus, sob a alegação do cumprimento
de ordens e lealdade ao regime hitlerista, como também questionando em relação aos judeus que de alguma forma
colaboraram com os algozes contribuindo mesmo involuntariamente para o processo.
Como resultado ela escreve sobre o
caso e publica cinco polêmicos artigos
no The New Yorker, que geram uma série de protestos e depois os reúne em um
livro com o título Eichmann em Jerusalém, o que lhe custa o rompimento de
amizades e problemas na universidade onde ensinava. Aí é que começa o drama de
sua vida, pois nos artigos ela mostra
que nem todos que participaram dos crimes de guerra eram verdadeiros monstros,
agindo na vida pessoal como pessoas normais e pais de família exemplares. Ainda
segundo ela, judeus também estavam envolvidos de forma indireta e ajudaram no
extermínio dos seus iguais sob temor e pressão dos nazistas.
Segundo ela, Adolf Eichmann, que fez a
sua própria defesa no julgamento, não possuía um histórico ou traços
antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou
doentio aparentando ser uma pessoa normal e sem sentimento de culpa. Neste
sentido, ele confessa que agiu estritamente segundo o que acreditava ser o seu
dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua
carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática, mas desumana.
Em essencia, ele cumpria ordens sem
questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal
que pudessem causar, sem avaliar no sentido ético e moral as conseqüências dos
seus atos, mas que executava como um processo administrativo. Isso evidencia o
caos moral que os nazistas causaram na sociedade europeia e nas suas vítimas,
uma vez que eles tiram dos judeus a sua condição humana.
No filme, Anna Arendt considera que
ele era diferente do que pensava, parecendo um Zé Ninguém, que usava uma linguagem dos
burocratas e dizia como metáfora aos seus julgadores, que “ me sinto como um
filé na grelha”. O filme também reúne depoimentos de sobreviventes dos campos
de concentração chefiados por Eichmann, que assumiu até a possibilidade de matar
o seu próprio pai se este fosse um traidor do nazismo: “é uma questão de
comportamento humano, pois estávamos em uma guerra” alegou o carrasco.
Em essência, Arendt retoma a questão
do mal radical kantiano, transferindo-o do campo essencialmente filosófico para
o político e analisando o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio
Estado contaminando o conjunto da sociedade. Neste sentido, o mal não é uma
categoria ontológica, natural e nem
metafísica devendo ser analisado no sentido político e histórico: pois é
produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional
para isso ocorre em razão de uma escolha política.
Assim, segundo Arendt o réu considerava que não fez nenhum mal a nenhum
judeu, uma vez que cumpria estritamente ordens, “ele transportava pessoas para
a morte, mas não se sentia responsável agindo como se fosse um mero burocrata medíocre”.
Este processo no seu conjunto implicava na desumanização das vitimas, tornando-as
pessoas supérfluas como seres humanos, como sói acontecer no nosso tempo, sob a
égide do ISIS e do Boko Haran, uma vez que a trivialização da violência
corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, um terreno fértil onde a
banalidade do mal se instala e onde por osmose tudo acaba permitido até mesmo a
atuação dos corruptos que depredam empresas estatais ou que esmagam vidas
humanas sem nenhuma contemplação ou justificativa racional.
Ela conclui que não existe uma pena
real que se aplique aos atos de pessoas como Eichamnn, que foi condenado a morte
por enforcamento, até porque existem muitas indivíduos iguais a ele, que era
incapaz e se recusava a pensar. Ela considera que ele cometeu um crime que não
existe nos livros de Direito e nem previsto nos manuais e nesse ponto faz
referencias aos judeus que voluntariamente ou sob a mais absoluta pressão colaboraram
com o nazismo, mesmo não tendo outra alternativa ou opção, o que custo a vida de cerca de seis milhões de judeus.
O filme também mostra uma controversa
relação da filósofa de esquerda com o seu mestre Martin Heidegger, que teve
ligações com o nazismo, e é considerado pensadores fundamentais do século XX, quer
pela recolocação do problema do ser e ou ainda pela refundação da Ontologia,
quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e
cultural. Heiddeger considera no filme, que pensar não soluciona os problemas
do universo, mas nos dá o poder de agir.
Em síntese, a filosofa nos ensina no
filme e na sua obra que tentar entender não significa perdoar os crimes
inomináveis do nazismo e que o ponto chave da prevalência da banalização do mal
está na recusa de pensar e na falta de compromisso com a condição humana, um
problema que emerge também nos dias conturbados do nosso tempo. O fato é que o
mal não pode ser banal, “o mal nunca é radical, é apenas extremo e que não tem
nem profundidade nem sequer uma dimensão demoníaca”. (Kleber Torres)
Ficha técnica
Hannah Arendt
Ano: 2012
Elenco: Barbara
Sukowa como Hannah Arendt; Janet McTeer como Mary McCarthy; Klaus Pohl como
Martin Heidegger; Nicholas Woodeson como William Shawn; Axel Milberg como
Heinrich Blücher; Julia Jentsch como Lotte Köhler; Ulrich Noethen como Hans
Jonas e Michael Degen como Kurt Blumenfeld
Direção: Margarethe
von Trotta
Duração: 114 minutos
Música composta por:
Andre Mergenthaler
Prêmios: Prêmio de
Cinema Alemão de Melhor Atriz, Prêmio de Cinema Alemão de Melhor Filme
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