sábado, 9 de julho de 2016

Quando a loucura da fé prevalece acima da razão e do bom senso





Quando  uma pequena cidade de Timbuktu,  no norte de Mali, passa a controlada em 2012 por extremistas religiosos do Estado Islâmico, que tem como lema em sua bandeira negra “Alá é o único Deus e Maomé o profeta”, muda toda a vida da comunidade plantada no deserto e no epicentro do nada. O filme é uma produção francesa e mauritânesa, começando com uma caça simbólica a um cervo por um grupo de guerrilheiros  jihadistas disprando balas em profusão sem acertar o alvo  e se repete no final do filme numa caçada similar a um motoqueiro, numa sequência em que as imagens se somam num flash-back  das tomadas inciais de caçada.   Numa cena metafórica, também no inicio do filme as  imagens estilizadas de orixás africanos são derrubadas à bala.
Numa outra cena, quando os integrantes do Estado Islamico chegam à vila, um dos seus porta vozes sai pelas ruas com um megafone anunciando as boas novas em que o fumo estava proibido, bem como ouvir música ou dançar,  além disso, as mulheres só poderiam sair as ruas  usando meias e luvas e os homens com as calças dobradas .
Uma cena antológica é de um jogo de futebol sem bola, driblando a censura de uma prática proibida pelos  jihadistas. O grupo paralisa a partida para que um jumento cruze o espaço da grande área e depois  comemora um gol com  a cobrança de um pênalti  sem bola, mostrando que a censura não impede a criatividade e nem a vida. Com a aproximação de terroristas armados numa moto, o grupo também para a partida num campo de terra batida e simula a realização de exercícios físicos e de um metafórico aquecimento para os atletas.
A família do pastor Kidane (Ibrahim Ahmed), que vivia com a mulher, uma filha e um rapaz que adotou,  numa tenda no deserto e afastada do povoado    tem sua rotina alterada quando um pescador mata uma de suas vacas. Antes, na sua tenda ela comenta com a mulher Sadina (Toulou Kiki), sobre a saudade dos velhos tempos, uma vez que todos os vizinhos  fugiram antes da chegada dos jihadistas e conclui que não adianta andar fugindo, até porque tudo vai acabar um dia, mas pede o apoio da mulher para poder lutar e sobreviver às adversidades.
Ao tirar satisfação com o pescador sobre o ocorrido, ele acaba  se envolvendo numa luta corporal e em desvantagem,  saca de um revólver e num gesto de autodefesa,  acaba matando a vitima.  Tal situação o coloca no alvo da facção religiosa, já que cometera um crime julgado pela sharia, a lei islâmica, que prevê a não punição do culpado e o pagamento de uma indenização.
Como ele era dono de oito vacas, inclusive a GPS que morreu atingida por uma seta atirada pelo pescador,  teria  de pagar com 40 vacas, uma missão racionalmente impossível para um pastor pobre e sem renda. A outra alternativa e que lhe foi aplicada pelos juízes foi a da condenação à morte. Kidane sabe que cometeu um crime grave e não teme a pena capital, manifestando apenas saudade de não mais poder ver a mulher, que passa a ser cortejada por um guerrilheiro e a filha.
Kidane admite aos julgadores  em seu depoimento, que não pode fugir do seu destino e diz que a sua vida está nas mãos de Alá, que também lhe deu e concedeu tudo o que tem na vida. No julgamento ele não obtém  o perdão da mãe e nem da família da vitima, assim acaba condenado a uma execução pública diante dos moradores da vila .
O filme também mostra um grupo de terroristas produzindo um vídeo com depoimento forçado de um cantor de rap,  que precisa olhar para a câmera e mostrar o seu arrependimento. Numa outra sequência, um grupo de guardas islâmicos se mobiliza para saber de onde vem uma música e descobre que a canção é uma elegia a Alá, o que é uma contradição para os censores.
Os jihadistas também divulgam outro edito entre a população proibindo as pessoas de ficarem se exibindo em frente às suas casas e condenando o adultério, que é o pecado mais impuro, o qual tem como consequência uma pena de apedrejamento dos culpados até a morte. Mas também punem com 40 chibatas jovens que cantavam numa casa, mas não sabem conviver com uma haitiana que sobreviveu ao terremoto, e enlouquecida, vive com seus animais de estimação, vestindo roupas exóticas e mostrando um comportamento excêntrico.
Depois do julgamento, um  jihadista comenta que eles são responsáveis por todos os atos e que o fazem por serem seguidores do seu Deus e das leis islâmicas, cumpridas sempre ao pé da letra e enquanto os executores se preparam para o fuzilamento de Kidane,  um motoqueiro vestindo uma túnica colorida se dirige à tenda onde vive a família do pastor e traz a sua mulher para assistir ao fuzilamento. Emocionado e num gesto precipitado, o marido corre em direção à companheira, mas o casal abraçado acaba abatido a tiros de AK 47  junto às pessoas que foram assistir a execução.
Os guerrilheiros partem em perseguição ao motoqueiro retomando a caçada que marca dialeticamente o início e o fim do filme,  alcançando-o à bala.  O filme termina com a filha do casal executado chorando e lamentando as mortes, mas revela o tratamento não adequado para seres humanos em função de uma religião e de uma ideologia alucinada termina com um alento, informando na exibição dos caracteres que nenhum animal foi maltratado durante as filmagens, o que se traduz numa esperança e num sofisma que deve agradar, deveras,  aos animais. (KLEBER TORRES)


Timbuktu
Direção: Abderrahmane Sissako
Roteiro: Abderrahmane Sissako e Kessen Tall
Elenco: Ibrahim Ahmed, Talou Kiki, Abel Jafri, Hichem Yacoubi, Fatoumata Diawara
Música : Amin Bouhafa
Fotografia : Sofian el Fani
Gênero Drama
Nacionalidades França, Mauritânia
2014

1 hora e 36 minutos

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