segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A tragédia e os tênues limites do absurdo



O filme “Meu filho, olha o que fizeste!/”My Son, My Son, What Have Ye Done”(2009) de Werner Herzog, com indicações para um Leão de Ouro, no Festival Internacional de Cinema de Veneza,  trata de um tema trágico: o matricídio e tem como base uma história da vida real, quando um Brad Mc Callum (Michael Shannon)  depois de  ouvir um misterioso chamado divino mata a mãe com um golpe de espada sem motivos aparentes. Ele também teria sido influenciado pela tragédia Electra, de Sófocles, que ensaiava em um grupo de teatro amador ou teria cometido uma insanidade?
A história real aconteceu em 1979 e serviu de inspiração para este longa de Werner Herzog, que procura desnudar os tênues fios entre a sanidade e a loucura com seus contornos absurdos e surreais, afinal o que leva um filho a matar a própria mãe? Assim, o foco do filme  é penetrar  na mente de assassino e captar aspectos que o levaram a agir deflagrando uma tragédia, tarefa que cabe a uma equipe de detetives da San Diego, liderada por Hank Havenhurst  (William Dafoe), que procura  reconstruir  um  verdadeiro quebra-cabeça  ouvindo depoimentos de testemunhas e pessoas próximas ao assassino e à vitima.
Tudo começa a partir de uma viagem de Brad Mc Cullum ao Peru, onde também depois de ouvir a um chamado misterioso, acaba  desistindo de participar de um ‘rafting’  para a descida corredeiras com uma equipe utilizando botes infláveis e equipamentos de segurança. Os integrantes do grupo morreram nesta aventura radical e apenas ele escapa, mas volta diferente para a sua terra, onde assumiu também o nome muçulmano de Farouk e mudou o seu comportamento.Numa das cenas, ele diz que “às vezes a gente não sabe quem é pior, se a polícia ou os malditos bandidos”. Também na reconstrução da tragédia, fica evidenciado que a sua mãe dominadora o cercava de mimos: lhe deu um piano que ele nunca tocou e uma bateria, em que se sentava estático, sem tocar nenhuma vez.
Em uma conversa com a namorada Ingrid (Chloe Sevigni), com quem ouvia música no quarto, ele lhe disse que viu Deus. Mesmo sem ter nenhuma  atividade econômica produtiva e nenhuma fonte de renda, ele falou de forma desconexa também para a namorada em comprar uma casa e depois propôs  morar na lua. Também contou que gostava de velocidade e que atravessou uma ponte a 210 quilômetros por hora e em seguida inventa visitar pacientes no Hospital Naval, coisas sem nenhuma relação racional e sem conexão com a realidade.
O diretor de teatro amador do grupo que participava no ensaio da tragédia grega em que Orestes mata a própria mãe, Lee Meyers (Udo Kier), informou aos policiais que Brad lhe telefonou  pedindo ajuda às seis horas da manhã no dia do crime e metaforicamente, se comparou com um trem fora de controle. Ele também falou da peça e falou da maldição de Tântalo, informando  que Brad ficou obcecado pela espada obtida na casa de um tio que criava avestruzes, para quem esse negócio de teatro não era coisa de gente séria. 
O conflito que resultou no assassinato da mãe de Brad estaria de um lado vinculado  à adoração que ele supostamente tinha por sua mãe, mas poderia muito bem ser confundida com um sentimento de submissão emocional em função da sua dependência financeira ou até mesmo uma reação ao seu comportamento controlador. A mãe também fiscalizava o namoro do filho e demonstrava um desprezo pela futura nora. Mc Culllum confessou que um pássaro foi o maior animal que matou, antes de assassinar a sua mãe.
O filme também transita no universo simbólico e uma das referências está numa bola de basquete que Brad deixou numa árvore do Parque Balboa e na doação de uma mochila para um jovem que brincava com os amigos na mesma praça. Ela também manifestava uma aversão às máquinas e a tecnologia, por isso desligou o relógio, a geladeira da casa onde morava e começou a bater no carro.
A própria namorada ficou intimidada com o olhar de Brad, cuja mãe teria contado a amigas antes de morrer que o filho teria tentado sufocá-la com um travesseiro. Ao ser convidado para tomar chá com estas amigas e testemunhas oculares da tragédia, ele foi buscar a sua caneca e demorou nesta tarefa dez minutos, voltando também com a espada em seguida, deu um taco de basebol à vizinha ordenando que esta o matasse antes que algo pior e terrível acontecesse, depois, ele fere a mãe com um golpe e ela apenas pergunta: “Meu filho, olha o que fizeste”.
Depois de cercado pela policia por várias horas, numa ação que mbilizou até a swat e anunciar que tinha reféns na casa onde estava, Brad acaba se rendendo  e ao ser preso pede para ser deixado no deserto, dizendo que encontrou a sua verdadeira vocação para o comércio justo, uma sequencia complementada com uma cena de nuvens e de avestruzes correndo.  
O filme apresenta trilha predominantemente latina e com refinados instrumentais, tendo como base no início e no fim a música Gabino Barrera, de Antonio Aguillar, que fala de um revolucionário parecido com Zapata e que lutava pela reforma agrária no México. Numa outra cena, em bg, aparece voz de Caetano Veloso, num filme complexo que funde as técnicas de Werner Herzog, uma das expressões do Novo Cinema Alemão, cujos personagens são sempre heróis com sonhos impossíveis ou pessoas com talentos únicos em áreas obscuras e do produtor o cineasta David Lynch, que assinou  Homem Elefante e o cult movie Veludo Azul, filmes marcados pelo surrealismo e pelo non-sense.  (KLeber Torres)
Ficha técnica:
Meu filho, olha o que fizeste!/”My Son, My Son, What Have Ye Done
Direção : Werner Herzog
Elenco: Michael Shannon, William Dafoe, Chloe Sevigni, Udo Kiel e Grace Zabriskie
Diretor de fotografia : Peter Zeitlinger
Música : Ernest Reijseger
Roteiro: Herbert Golder e Werner Herzog

Produção executiva : David Lynch  

Nenhum comentário:

Postar um comentário