sábado, 8 de outubro de 2016

Uma questão de imigração e da globalização da violência





Cansado de lutar e  matar em defesa do Tigres do Tamil, organização armada separatista na guerra civil no Sri Lanka (Ceilão), Deephan, um ex-guerrilheiro
interpretado por Antonythasan Jesuthasan  imigra  para a França, com documentos falsos em companhia de Yalini (Kalievari Srinivan) e da pequena Illayaal (Claudine Vinasithamby), uma orfã de nove anos , fazendo-se fpassar por uma família convencional.
Sem dominar o idioma francês e vivendo num ambiente cultural totalmente diferente do Ceilão, os refugiados vão morar em um conjunto habitacional nos arredores de Paris habitado por árabes, africanos e franceses de baixa renda, que vivem num ambiente dominado por gangs de traficantes, que controlam o tráfego das pessoas diante de um estado omisso e impotente diante do crime organizado.
Assim, Deephan passa a trabalhar como zelador no conjunto onde vive e Yalini como  doméstica e cuidadora de um idoso árabe, tio de um dos chefes do tráfico na periferia de Paris. Os dois mesmo mal se conhecendo e com um relacionamento meramente formal, sem laços afetivos, tentam construir uma vida em comum num ambiente hostil e em condições adversas para quem não domina o francês.
Cabe lembrar que o filme foi  vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes-2015 e aborda um dos temais mais polêmicos do nosso tempo – a questão imigração de refugiados de guerra de vários países, em especial a Síria para a Europa-, num projeto coordenado pelo cineasta Jacques Audiard autor de O Profeta (2013) e Ferrugem e Osso(2014), que procurou adaptar o roteiro à realidade cotidiana dos personagens.
Um outro detalhe: os atores que formavam o núcleo central do filme tinham apenas pouca experiência teatral e a garota, Illayaal (Claudine Vinasithamby),  nunca trabalhara como atriz. Numa das cenas a menina não se ajusta à vida da escola e acaba agredindo uma colega, aparentemente sem motivos e por se sentir rejeitada pelo seu novo grupo plurirracial  na escola.
Assustada com a violência dos traficantes do bairro após um intenso tiroteio e de uma ação típica de guerrilha comum no seu país de origem, Yalini questiona Dheepan se estes grupos seriam iguais aos bandidos das gangues Vanilla e Minnal, da sua terra e ele responde com agudeza que sim, “só que menos perigosos”.
O filme também revela o outro lado do racismo e o estranhamento dos estrangeiros que migram para um país europeu e isso fica evidente numa piada não politicamente correta em que o personagem diz: “advinha porque não tem árabes na Jornada das Estrelas ?” E tem como resposta: “porque se passa no futuro”, sinalizando  simplesmente que estariam extintos.
Além de viver num ambiente hostil e adverso, o casal e a filha também tem de conviver com ameaças e intimidações de grupos ligados ao próprio Ceilão, mesmo frequentando os templos e rituais religiosos. Assim, aparece um coronel do exercito tâmil, cobrando de Dheepan consiga R$ 100 mil dólares para uma guerrilha que este  considerava que acabou, pelo menos para ele e por isso acaba agredido a socos e pontapés.
Yalini lembra em outra cena, que na sua cultura se a pessoa cair e se machucar, ela sorri, mas as pessoas que vivem na Europa riem até demais. A família também acaba sendo ameaçada por traficantes, Dheepan se rebela contra a violência e estabelece uma zona livre de tiro e que seria desmilitarizada, o que resulta num conflito e numa reação sem precedentes do ex-tigre tâmil com sua experiência numa guerra sem quartel contra um governo socialista que queimava escolas e era implacável com os inimigos.
O filme termina aparentemente com um final feliz, com a família se integrando na Inglaterra e com a chegada de um filho. Seria um marco de um novo tempo ou da continuidade de uma saga de sangue e violência globais talvez sem começo e sem fim, distante do bom senso e da racionalidade? (Kleber Torres)


Ficha Técnica
DHEEPAN – O Refúgio
DireçãoJacques Audiard
Roteiro: Noé Debré/Thomas Bidegain
Elenco: Antonythasan Jesuthasan, Kalievari Srinivan,  Claudine Vinasithamby, Vincent Rottiers e Marc Zinga
Música: Nicolas Jaar
Drama
105 minutos
França, 2015

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