Uma reflexão sobre a vida, a decadência e a morte, este é em
resumo a essência de “A Grande Beleza”, um filme de Paolo Sorrentino, que tem o
cenário uma Roma felliniana, durante o verão, quando o escritor e jornalista Jep Gambardella (Toni Servillo), aos 65
anos, faz uma revisão crítica da sua existência e da suas relações com o mundo, a partir da
cidade onde vive, das pessoas que conhece
e como resultado da sua ação no mundo ilusório.
O filme também é proustiano, quando propõe uma busca do tempo
perdido a partir das pequenas e grandes
coisas do dia a dia e ao mesmo tempo tem Flaubert como referência, na proposta
da construção de um romance sobre o nada, que seria em essência a própria vida
de Jap Gambardella, que não tem mais tempo a perder e nada a declarar na
contabilidade de lucros e perdas existenciais, porque afinal tudo é transitório
e passageiro .
O fato é que desde o
grande sucesso do seu romance "O Aparelho Humano", escrito quatro
décadas antes, com sucesso de crítica, Gambardella não concluiu nenhum outro
livro e nenhum outro projeto importante, se dedicando a artigos em jornais e revistas,
ou mesmo publicando entrevistas sem sentido com pessoas que não falam coisa com
coisa. Ele vai a um happening, que tem
como culminante uma mulher que bate a cabeça numa parede e a qual como artista,não
tem o que dizer, naturalmente, porque ao
ser uma estrela não precisa explicar nada.
O filme começa com o seu aniversário de 65 anos, com uma
atriz decadente saindo de um bolo e desde então, a vida de Jep se passa entre
as festas da alta sociedade, nos luxos e privilégios de uma celebridade, que
não sabe nem mesmo que o vizinho do lado é um homem procurado pela polícia. Jep
também rememora o amor da sua juventude,
tema da sua primeira obra literária e tenta criar forças para mudar sua vida, e
talvez voltar a escrever possivelmente uma obra sobre o nada, tarefa ambiciosa não
alcançada por Flaubert e por mais ninguém.
Indicado para o Oscar
de melhor filme estrangeiro, “A Grande Beleza” é um filme existencialista ,
mostrando o drama de um personagem individualista, solitário e melancólico, um sexagenário que tem uma vida
interior rica e muitos referenciais de amigos.
Além de celebrar o seu 65.º aniversário com uma festa no terraço de um edifício de Roma, cidade que adotou por mais de 40 anos
e se recusar a ser personagem de um livro de um amigo sobre as suas visões e
revisões, ele se propõe a ajudá-lo financeiramente em outros projetos como um
show. O amigo por seu turno desiste de Roma depois do primeiro espetáculo e descobre
decepcionado, que nada mais tem com a cidade, que é igual às outras, ou seja,
habitada por pessoas, cheias de prédios e de carros.
Ao receber a notícia da morte do seu primeiro amor, Elisa, Jep
recorda a juventude e a publicação de um livro elogiado pela crítica.
Ao mesmo tempo ele circula pelas ruas de
Roma, em jantares e conversas com amigos,
em que conclui que não pode perder mais tempo e divaga sobre a
descoberta da sua vocação para a mundanidade, “eu não queria apenas participar
da festa, mas poder fazer a diferença.” Ele conclui que na mundanidade a beleza
não é tudo e admite que talvez volte a escrever um dia.
O filme contrapõe as cenas com imagens das ruínas do Coliseu e da Cidade Eterna, com
seus jardins palácios e museus, com a
visão panorâmica da varanda do seu
apartamento fazendo uma correlação entre o mundo exterior e a vida interior do
personagem. Como contraponto ao real e ao sonho, ele se propõe a escrever uma obra prima, que seria a Grande
Beleza, para compensar uma vida devastada. Nesse ínterim, ele visita um amigo viciado em drogas, que tem
uma filha stripper, com mais de 40 e sonha em conseguir um marido para ela, a
quem Jep confessa: “ estou velho” e Ramona responde “jovem você não o é”.
Considerado como uma espécie
de ligação com obras fellinianas como A Doce Vida, que tem como referencia um
jovem jornalista e Oito e Meio com o seu niilismo, A Grande Beleza é, sem duvida
alguma um mergulho no mundo onírico de Federico Fellinni na sua abordagem sobre
o tédio e a decadência, bem como quanto à falta de sentido na vida, tendo como
referência a existência pós-moderna, com
a exacerbação do individualismo e dos autoretratos, os selfies.
A Grande Beleza também nos remete à sociedade de consumo e
espetacularização da vida como na cenas de um presumível consultório de beleza
e as sequências do atirador de facas. Ele também conclui que Roma esta piorando
de maneira vertical e mostra uma esperança no seu reeconcotro com Stafanie, com
quem visita a castelos, ouve concertos de música clássica e vai ao enterro de
Ramona. Há também a sequência do Cardeal que só fala de comida e futilidades e
de uma freira que era uma santa e de quem não consegue uma entrevista,
completando o painel felliniano do século XXI.
A cena da mágica com uma girafa nos remete por fim ao fato de que tudo na vida é ilusório e ele
quer investigar através do diário de Elisa, o motivo pelo qual ela o deixou,
numa outra referência não apenas à mera
busca do tempo perdido, mas daquele tempo morto, que não volta mais e não tem
nenhuma utilidade. No encontro com Stefanie ele diz que vem errando o alvo há
40 anos e que sente um declínio constante,
“mas, ainda temos algo bom a fazer juntos”, complementa.
O
filme também revela que as pessoas sofrem, mas não entendem o que acontece e
que Jep procurou a grande beleza mas não a encontrou, mas tudo termina mesmo na
morte, que constrói toda uma dialética em relação à vida, o qual opõe o
silêncio à fala excessiva, e coloca como antagônicos os sentimentos como a emoção
e o medo, deixando os lampejos da beleza diante da miséria desesperada e do homem abandonado, tudo sepultado sobre
os embaraços de estar no mundo e da conversa fiada, sem fim. Afinal tudo é uma
grande ilusão e a beleza faz parte dela mesmo com uma fotografia requintada ou uma
história que foge ao convencional..(Kleber Torres)
Ficha técnica :
A Grande Beleza / La grande bellezza
Itália, França
Ano 2013
Duração : 142 min
Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino e Umberto
Contarello
Elenco: Toni Servillo, Carlo Verdone,
Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte e Pamela Villoresi
Género: Drama
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