sábado, 7 de março de 2015

Onde está a grande beleza ?








Uma reflexão sobre a vida, a decadência e a morte, este é em resumo a essência de “A Grande Beleza”, um filme de Paolo Sorrentino, que tem o cenário uma Roma felliniana, durante o verão,  quando o escritor  e jornalista Jep Gambardella (Toni Servillo),  aos  65 anos, faz uma revisão crítica da sua existência  e da suas relações com o mundo, a partir da cidade onde vive, das pessoas que conhece  e como resultado da sua ação no mundo ilusório.
O filme  também é  proustiano, quando propõe uma busca do tempo perdido a partir  das pequenas e grandes coisas do dia a dia e ao mesmo tempo tem Flaubert como referência, na proposta da construção de um romance sobre o nada, que seria em essência a própria vida de Jap Gambardella, que não tem mais tempo a perder e nada a declarar na contabilidade de lucros e perdas existenciais, porque afinal tudo é transitório e passageiro .
O fato é que  desde o grande sucesso do seu romance "O Aparelho Humano", escrito quatro décadas antes, com sucesso de crítica, Gambardella não concluiu nenhum outro livro e nenhum outro projeto importante, se dedicando a artigos em jornais e revistas, ou mesmo publicando entrevistas sem sentido com pessoas que não falam coisa com coisa.  Ele vai a um happening, que tem como culminante uma mulher que bate a cabeça numa parede e a qual como artista,não tem o que dizer, naturalmente,  porque ao ser uma estrela não precisa explicar nada.
O filme começa com o seu aniversário de 65 anos, com uma atriz decadente saindo de um bolo e desde então, a vida de Jep se passa entre as festas da alta sociedade, nos luxos e privilégios de uma celebridade, que não sabe nem mesmo que o vizinho do lado é um homem procurado pela polícia. Jep também rememora o amor  da sua juventude, tema da sua primeira obra literária e tenta criar forças para mudar sua vida, e talvez voltar a escrever possivelmente uma obra sobre o nada, tarefa ambiciosa não alcançada por Flaubert e por mais ninguém.
Indicado  para o Oscar de melhor filme estrangeiro, “A Grande Beleza” é um filme existencialista , mostrando o drama de um personagem individualista, solitário e  melancólico, um sexagenário que tem uma vida interior rica e muitos referenciais de amigos.
Além de celebrar o seu 65.º aniversário com uma festa  no terraço de um edifício  de Roma, cidade que adotou por mais de 40 anos e se recusar a ser personagem de um livro de um amigo sobre as suas visões e revisões, ele se propõe a ajudá-lo financeiramente em outros projetos como um show. O amigo por seu turno desiste de Roma depois do primeiro espetáculo e descobre decepcionado, que nada mais tem com a cidade, que é igual às outras, ou seja, habitada por pessoas, cheias de prédios e de carros.
Ao receber a notícia da morte do seu primeiro amor, Elisa, Jep recorda a juventude  e  a publicação de um livro elogiado pela crítica. Ao mesmo tempo ele circula  pelas ruas de Roma, em jantares e conversas com amigos,  em que conclui que não pode perder mais tempo e divaga sobre a descoberta da sua vocação para a mundanidade, “eu não queria apenas participar da festa, mas poder fazer a diferença.” Ele conclui que na mundanidade a beleza não é tudo e admite que talvez volte a escrever um dia.
O filme contrapõe as cenas com imagens  das ruínas do Coliseu e da Cidade Eterna, com seus jardins palácios e museus,  com a visão panorâmica  da varanda do seu apartamento fazendo uma correlação entre o mundo exterior e a vida interior do personagem. Como contraponto ao real e ao sonho, ele se propõe a  escrever uma obra prima, que seria a Grande Beleza, para compensar uma vida devastada. Nesse ínterim,  ele visita um amigo viciado em drogas, que tem uma filha stripper, com mais de 40 e sonha em conseguir um marido para ela, a quem Jep confessa: “ estou velho” e Ramona responde “jovem você não o é”.
Considerado  como uma espécie de ligação com obras fellinianas como A Doce Vida, que tem como referencia um jovem jornalista e Oito e Meio com o seu niilismo, A Grande Beleza é, sem duvida alguma um mergulho no mundo onírico de Federico Fellinni na sua abordagem sobre o tédio e a decadência, bem como quanto à falta de sentido na vida, tendo como referência  a existência pós-moderna, com a exacerbação do individualismo e dos autoretratos, os selfies.
A Grande Beleza também nos remete à sociedade de consumo e espetacularização da vida como na cenas de um presumível consultório de beleza e as sequências do atirador de facas. Ele também conclui que Roma esta piorando de maneira vertical e mostra uma esperança no seu reeconcotro com Stafanie, com quem visita a castelos, ouve concertos de música clássica e vai ao enterro de Ramona. Há também a sequência do Cardeal que só fala de comida e futilidades e de uma freira que era uma santa e de quem não consegue uma entrevista, completando o painel felliniano do século XXI.
A cena da mágica com uma girafa nos remete por fim  ao fato de que tudo na vida é ilusório e ele quer investigar através do diário de Elisa, o motivo pelo qual ela o deixou, numa outra  referência não apenas à mera busca do tempo perdido, mas daquele tempo morto, que não volta mais e não tem nenhuma utilidade. No encontro com Stefanie ele diz que vem errando o alvo há 40 anos e que sente  um declínio constante, “mas, ainda temos algo bom a fazer juntos”, complementa.
      O filme também revela que as pessoas sofrem, mas não entendem o que acontece e que Jep procurou a grande beleza mas não a encontrou, mas tudo termina mesmo na morte, que constrói toda uma dialética em relação à vida, o qual opõe o silêncio à fala excessiva, e coloca como antagônicos os sentimentos como a emoção e o medo, deixando os lampejos da beleza diante da   miséria desesperada  e do homem abandonado, tudo sepultado sobre os embaraços de estar no mundo e da conversa fiada, sem fim. Afinal tudo é uma grande ilusão e a beleza faz parte dela mesmo com uma fotografia requintada ou uma história que foge ao convencional..(Kleber Torres)
Ficha técnica :
A Grande Beleza / La grande bellezza
Itália,  França
Ano 2013
Duração :  142 min
Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Elenco: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte e Pamela Villoresi

Género: Drama 

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