L'image
manquante, The missing picture ou a imagem que falta na versão brasileira é um
filme que narra em 92 minutos as atrocidades do governo do Khmer Vermelho, um
regime que deixou poucos registros de
sua matança e escravidão generalizada do Camboja, dizimando 25% da população do
país no período de cerca de cinco intermináveis anos ou seja entre 1975 e 1979,
numa experiência totalitária sem precedentes. A estimativa é de que tenham sido mortas por
execução ou de fome entre 750 mil a três milhões de vítimas, embora o Projeto
Genocídio Cambojano, financiado pelo Departamento de Estado dos EUA calcule o
total de mortes entre 1,2 milhões e 1,7 milhões e a Anistia Internacional estabelecesse um
número intermediário de 1,4 milhões.
O
filme não tem personagens vivos e é apresentado de forma documental através de bonecos de madeira, que recontam a
história de um povo que saiu de um estágio de desenvolvimento, com uma rede de universidades,
hospitais e escolas estruturadas, para uma sociedade primitiva em nome de um
desastroso projeto revolucionário e coletivista, que levou ao caos e à morte. A
estimativa é de que metade das vitimas tenham sido executadas pelo Khmer
Vermelho, através da Angkar, organização que controlava o sistema político idealizado
por Pol Pot, um líder que se intitulava o Irmão número Um e tinha doutorado na
França.
O
diretor Rithy Panh, o único da sua família que escapou à sanha mortal dos
revolucionários, monta o seu documentário através do resgate da história da sua
família que se desfez durante a tempestade totalitária da Angkar e resgata
algumas cenas de arquivo, uma vez que o cinema era uma das armas de propaganda
de um regime autoritário e personalista, que idolatrava os seus lideres como
entidades messiânicas.
Pahn
também usa um recurso criativo para preencher esse vazio usando pequenos
bonecos artesanais esculpidos em madeira, que resgatam as suas recordações, de quando
ele e sua família foram forçadas a migrar de Phnom Penh para trabalhar, como
todo o restante da população nas lavouras de arroz e em na construção de
represas em áreas sem água suficiente. Primeiro morre o seu pai, que se recusou a comer uma alimentação que seria inadequada
até para animais, depois sua irmã vítima de inanição e por fim a sua mãe também
acabou morrendo num catre de um hospital improvisado sem remédios e com
alimentação racionada.
Num
regime totalitário que tinha como base o medo e a lavagem cerebral era normal o
filho denunciar aos pais, que acabavam sumariamente executados, sem julgamento
ou contemplação. Além do regime de trabalho forçado, a alimentação era
racionada com uma cota de 250 gramas de arroz para 10 pessoas, o que era diminuído
ainda mais nos períodos de estiagem. Ao mesmo tempo os filmes do regime
mostravam superprodução de arroz, um produto escasso nas vilas e vilarejos
controlados a ferro e fogo pelo Khmer Vermelho.
Cabe
observar que ao tomarem Phnom Penh, os guerrilheiros encontram uma população
indiferente e esperançosa. Uma das suas primeiras ações foi implodir o prédio
do banco central, com todo o dinheiro que havia eliminando a base monetária do
país e acabando com a circulação da moeda. Outra medida foi esvaziar uma cidade
de dois milhões de habitantes, onde ficou apenas a sede do comitê central e
hospitais, museus, bibliotecas e escolas foram fechadas. Uma universidade se
transformou num centro de torturas e execuções.
A
população da capital foi evacuada em trens, carroças e a pé. Os carros, um símbolo
da decadência ocidental foram suprimidos. Para reeducar a população burguesa,
os revolucionários eliminaram as famílias e estabeleceram núcleos de crianças,
mulheres e homens, que formavam grupos de trabalho, Seus nomes foram substituídos
por número e as roupas uniformizadas e pintadas de preto, uma cor condizente
com a do regime dominante e que se apresentava como uma grande revolução.
O
filme mostra ainda que instalado no poder, o Khmer Vermelho realizou um radical
programa que visava transformar os cambojanos em um “Novo Povo” através do
trabalho em comunas agrícolas primitivas transformadas em campos de trabalho
forçado. O resultado foi o retrocesso de um país, que até hoje ainda não se
recuperou e resultou na desumanização das pessoas. o que ocorria através da
fome, da doença e da perda da sua capacidade física. Mas fica a imagem fotográfica
de uma das vitimas de tudo isso, que num tempo de medo e intimidação olhou de
frente e de forma fixa para as câmeras, o que os seus algozes nunca tiveram
coragem de fazer na Kampuchea Democrática, de triste mas não de saudosa
memória. (Kleber Torres - do livro O Princípio das Ideias)
Ficha
técnica:
Título:
L'image manquante / The missig picture / A imagem que falta
Ano
produção 2013
Dirigido
por Rithy Panh
Elenco:
Randal Douc
Duração 92 minutos
Gênero Documentário/Drama/Tragédia
Países
de Origem Cambodja e França
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