Uma história de
resistência política e de amor incondicional à música, assim poderia ser
considerado o filme Pau, La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio), de Manuel Huerga, exibido este ano na
grade do canal Film&Arts. É
a cineabiografia do músico e maestro espanhol Pablo Casals, considerado uma
virtuose e um dos melhores músicos de
todos os tempos, que nos anos 1940, durante a II Guerra Mundial, se manteve exilado
em Prada, na França, com o compromisso pessoal de não tocar mais em público,
apesar dos convites do mundo todo, até que o ditador generalíssimo Francisco Franco Bahamonde deixasse o governo da
Espanha.
Como republicano de carteirinha, ele
foi ameaçado de morte pelos franquistas e no exílio, passou a viver na
fronteira da França e Espanha, o que lhe permitia ver a sua terra. Ali, assumiu
uma postura de contestação ao regime franquista, impondo um sistemático silêncio
voluntário de não fazer exibições em público, mas para se exercitar, tocava em
casa todos os dias e dava aulas ou orientava a artistas de grande potencial que
o procuravam. O músico dirigia ao mesmo
tempo uma fundação de auxilio famílias republicanas carentes perseguidas pelo
franquismo na Espanha e a proteger também da Gestapo os exilados espanhóis durante
a ocupação da França, a entidade era mantida com seus recursos pessoais e doações.
Mesmo empobrecido, Casals também se
recusou a realizar um concerto para o ditador Adolfo Hitler e por isso, teve
suas contas bloqueadas pelo nazismo.
Numa cena em que é visitado por um oficial da Gestapo que o convidou para se
exibir na Alemanha, Casals se recusou alegando que o seu estado de saúde de um
homem com mais de 70 anos não permitia viagens longas. E fez uma assepsia do
seu violoncelo, que foi tocado em uma das cordas pelo oficial germânico,
dizendo que o seu instrumento falava, numa cena que nos lembra a assepsia dos
dias hodiernos com o uso de álcool em gel na prevenção do novo coronavírus.
A força do silencio nos revela o lado
humano e coerente da vida um artista sensível, de caráter, que não fazia
concessões nem políticas, nem econômicas e nem morais, tendo como pano de fundo
um bom elenco, com apoio de um roteiro historicamente irrepreensível, fotografia de alta qualidade e uma trilha
sonora inesquecível, complementada com
as músicas de câmera de Bach, a exemplo do Bach Cello Solo nº1.
Pablo Casales era um homem simples, que dividia o seu tempo
com a mulher, que o apoiava integralmente, além dos amigos e discípulos que o
procuravam quando enfrentou o fascismo e
franquismo, com um voto de silêncio musical. Ele recusou participação em vários
concertos e inclusive de um festival internacional dedicado a Johann Sebastian
Bach, nos Estados Unidos, mas, não pode evitar ser o centro uma grande
apresentação em Prada, onde teve de dirigir e se apresentar com um grupo de
músicos de todo o mundo que foram homenageá-lo e a Bach, num grande concerto de
repercussão mundial e que gerou um incidente diplomático entre a França e os franquistas
derrotados pela grandeza e pela força da música.
A cineabiografia revela a vida de um artista perfeccionista e
que ainda tocava violoncelo aos 74 anos,
sem pensar sequer em se aposentar. Para ele Bach não era um mero exercício, é melodia; não é
apenas uma nota atrás da outra, mas muito mais. Como artista e virtuose, ele
sugeria que a melhor coisa para profissional era trabalhar, trabalhar e
trabalhar, incansavelmente, pois, sem
trabalho não há progresso: “por isso trabalhe e não tenha medo”, asseverou com
sabedoria num dos seus conselhos aos discípulos.
Para Pablo Casals a música é tudo e nela, “nós encontramos todos os sentimentos
humanos, desde a tristeza absoluta até
alegria plena”. Para ele, Bach é um milagre, assim como a natureza com relação
à própria vida com a sua complexidade. Ele também considerava que tocar o público é uma grande responsabilidade
e “o trabalho é uma saudação a vida,
porque a vida e a música andam juntas.”
O filme também nos ensina que na vida e na arte, um pouco de
fantasia nos faz não faz mal, mas com ordem, afinal a música não é uma música
de verdade se não tiver sofrimento e muito esforço. Nos revela outro ponto
fundamental e que precisa ser compreendido por todos: a importância do
compromisso e a força imponderável do
silêncio.(Kleber Torres)
Ficha técnica
Título : Pau,
La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio)
Direção : Manuel Huerga
Roteiro : Maria Jaen
Elenco : Nao Albert, David Bages, Josean
Bengo e Taxea, Joan Carreras, Marc Castels
Espanha
2017
1 h e 38 minutos de duração
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