domingo, 15 de novembro de 2020

A força política e moral do silêncio mostra a importância contestatória da arte



Uma história de resistência política e de amor incondicional à música, assim poderia ser considerado o filme Pau, La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio), de Manuel Huerga, exibido este ano na grade do canal Film&Arts. É a cineabiografia do músico e maestro espanhol Pablo Casals, considerado uma virtuose e um dos  melhores músicos de todos os tempos, que nos anos 1940,  durante a II Guerra Mundial, se manteve exilado em Prada, na França, com o compromisso pessoal de não tocar mais em público, apesar dos convites do mundo todo, até que o ditador generalíssimo Francisco  Franco Bahamonde deixasse o governo da Espanha.

Como republicano de carteirinha, ele foi ameaçado de morte pelos franquistas e no exílio, passou a viver na fronteira da França e Espanha, o que lhe permitia ver a sua terra. Ali, assumiu uma postura de contestação ao regime franquista, impondo um sistemático silêncio voluntário de não fazer exibições em público, mas para se exercitar, tocava em casa todos os dias e dava aulas ou orientava a artistas de grande potencial que o procuravam.  O músico dirigia ao mesmo tempo uma fundação de auxilio famílias republicanas carentes perseguidas pelo franquismo na Espanha  e a proteger  também da Gestapo os exilados espanhóis durante a ocupação da França, a entidade era mantida com seus recursos pessoais e doações.

Mesmo empobrecido, Casals também se recusou a realizar um concerto para o ditador Adolfo Hitler e por isso, teve suas contas bloqueadas  pelo nazismo. Numa cena em que é visitado por um oficial da Gestapo que o convidou para se exibir na Alemanha, Casals se recusou alegando que o seu estado de saúde de um homem com mais de 70 anos não permitia viagens longas. E fez uma assepsia do seu violoncelo, que foi tocado em uma das cordas pelo oficial germânico, dizendo que o seu instrumento falava, numa cena que nos lembra a assepsia dos dias hodiernos com o uso de álcool em gel na prevenção do novo coronavírus.

A força do silencio nos revela o lado humano e coerente da vida um artista sensível, de caráter, que não fazia concessões nem políticas, nem econômicas e nem morais, tendo como pano de fundo um bom elenco, com apoio de um roteiro historicamente irrepreensível,  fotografia de alta qualidade e uma trilha sonora inesquecível,  complementada com as músicas de câmera de Bach, a exemplo do Bach Cello Solo nº1.

Pablo Casales era um homem simples, que dividia o seu tempo com a mulher, que o apoiava integralmente, além dos amigos e discípulos que o procuravam quando  enfrentou o fascismo e franquismo, com um voto de silêncio musical. Ele recusou participação em vários concertos e inclusive de um festival internacional dedicado a Johann Sebastian Bach, nos Estados Unidos, mas, não pode evitar ser o centro uma grande apresentação em Prada, onde teve de dirigir e se apresentar com um grupo de músicos de todo o mundo que foram homenageá-lo e a Bach, num grande concerto de repercussão mundial e que gerou um incidente diplomático entre a França e os franquistas derrotados pela grandeza e pela força da música.

A cineabiografia revela a vida de um artista perfeccionista e que ainda  tocava violoncelo aos 74 anos, sem pensar sequer em se aposentar. Para ele Bach  não era um mero exercício, é melodia; não é apenas uma nota atrás da outra, mas muito mais. Como artista e virtuose, ele sugeria que a melhor coisa para profissional era trabalhar, trabalhar e trabalhar, incansavelmente, pois,  sem trabalho não há progresso: “por isso trabalhe e não tenha medo”, asseverou com sabedoria num dos seus conselhos aos discípulos.

Para Pablo Casals a música é tudo e  nela, “nós encontramos todos os sentimentos humanos,  desde a tristeza absoluta até alegria plena”. Para ele, Bach é um milagre, assim como a natureza com relação à própria vida com a sua complexidade. Ele também considerava que  tocar o público é uma grande responsabilidade e  “o trabalho é uma saudação a vida, porque a vida e a música andam juntas.”

O filme também nos ensina que na vida e na arte, um pouco de fantasia nos faz não faz mal, mas com ordem, afinal a música não é uma música de verdade se não tiver sofrimento e muito esforço. Nos revela outro ponto fundamental e que precisa ser compreendido por todos: a importância do compromisso e a força imponderável  do silêncio.(Kleber Torres)

 

Ficha técnica

Título : Pau, La Força d’um Silenci (A Força do Silêncio)

Direção : Manuel Huerga

Roteiro : Maria Jaen

Elenco : Nao Albert, David Bages, Josean Bengo e Taxea, Joan Carreras, Marc Castels

Espanha

2017

1 h e 38 minutos de duração

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