“É a vida o
tudo e a morte o nada ou a vida é o
nada, e a morte, tudo” com este
pressuposto o cineasta José Mojica Marins concebeu junto com Adenora de Sá
Porto o roteiro do filme Esta noite encarnarei o teu cadáver, considerado
um cult movie reconhecido internacionalmente. A história foi construída a partir de uma sinopse simples: o coveiro Zé do Caixão, que buscava de forma
obsessiva encontrar uma mulher ideal, capaz de gerar o filho perfeito, e tenta,
com a ajuda do fiel criado conseguir este objetivo, para isso sequestra seis
belas jovens, que acabam submetidas a sessões de tortura e flagelação
concebíveis no mundo da ficção ou fora dos limites da razão.
Tudo começa
quando Zé do Caixão (José Mojica Marins), dono de uma funerária, é preso e
absolvido de dois crimes depois de encontrado junto a dois corpos em
decomposição. E assim, em liberdade, ele volta à sua cidade com o projeto de
achar a mulher ideal para consagrar a única verdade da vida: a imortalidade do
sangue. Mas nem tudo é maldade no filme, pois Zé do Caixão salva um menino que
brincava de cabra cega de ser atropelado
e ainda ameaça ao motorista desastrado, que poderia ter matado um
inocente.
Para Zé do Caixão,
“meu sangue precisa encontrar aquela que o imortalizará” e o importante neste
processo que pairava na sua cachola é que só as crianças são inocentes, por
isso sequestra seis mulheres para tentar gerar o homem puro e de uma raça
imortal, isso num pais cujo povo continua a morrer ignorante, supersticioso,”
uma verdade que precisa ser aceita mesmo que tenhamos de chorar lágrimas de
sangue”, o que custou ao cineasta dissabores com a censura.
Ele oferece às
mulheres a fortuna e a imortalidade, mas elas não sabem o que o destino reserva
às que não forem escolhidas. No teste de fogo, ele coloca baratas e aranhas nos
quatros em que as jovens dormem e ri sadicamente, quando elas se assustam: “um
pequeno susto para medir a coragem de vocês”. Outra mulher, ele manda esperar
no seu quarto e fala da sua preocupação
para que a beleza das mulheres seja ultrajada pelos rigores do tempo “por isso
promete matá-las” de forma antecipada.
Uma das
vitimas ele dá de presente para seu fiel escudeiro, Bruno (José Lobo), o corcunda,
e decide ficar com apenas uma das mulheres, deixando as outras quatro entre
cobras e serpentes que cuidariam do seu destino final. Zé do Caixão é
amaldiçoado por uma da moças, mas para ele, a morte delas não é um sacrifício,
porque o amor fragiliza o homem e corrompe a mente. Depois da decisão, manda
Bruno, simplesmente limpar a sujeira fazendo a assepsia do lugar dos crimes.
Nesse interim,
ele interrompe a festa de noivado de
Laura (Tina Wholers) filha de um coronel. Ela lhe diz que pretende ser de seu
sequestrador e que quer ter com ele um filho perfeito, sendo considerada por Zé
do Caixão como uma mulher superior. Na sua estratégia, ele também mata o filho
do coronel, irmão de Laura e joga a culpa
no Truncador (Antônio Francari), que acaba conseguindo fugir da cadeia.
A Laura , Ze
do Caixão confessa que matou o seu irmão e que ela, por ser uma mulher superior
será a mãe do seu filho. Mas ele também descobre que entre uma das mulheres que
sequestrou e matou, estava uma gestante e ele estaria amaldiçoado, pois
provocou a morte de um inocente. O filme também mostra uma relação infernal de
Zé do Caixão com o sem nome através de Josef(el) Zanatas com o nome escrito de
trás para frente, numa cena psicodélica e experimental.
Zé do Caixão
afirma categórico que esteve no inferno
e que mesmo não existe. Quando o Trucador chega com um grupo de jagunços para
eliminá-lo, Laura conta que está grávida e ele diz que com isso seu sangue se
eternizará. Destaca ainda, que a sua missão na terra está cumprida pois terá um
filho que dará continuidade à sua descendência e constata: “não posso morrer,
tenho de defender meu filho dos homens inferiores’, mas acaba dominado e na
luta com seus captores, ele mata um deles num pântano, no meio da areia
movediça.
Márcia (Nádia Freitas)
outra das suas vitimas tenta suicídio e, antes de morrer conta ao que a
encontraram, que Zé do cCaixão matou as
jovens sequestradas e também foi responsável pela morte do filho do coronel, o
que deixa toda a população da pequena cidade contra o assassino que chama os
seus perseguidores de desgraçados, malditos e escravos do nada. Na sua
vingança, o coronel (Roque Rodrigues) coordena
uma mobilização para expulsar o diabo daquela terra , “pois a reencarnação
não existe e apenas é fruto da imaginação”.
Em desvantagem
diante da multidão, Zé do Caixão relembra que o homem verdadeiro é superior às
fraquezas terrenas e que é essencialmente imortal: “pois nada existe, tudo é
mentira e eu sou indestrutível”, mas acaba desabando depois de fulminado por um
tiro e ao cair, acaba rogando a ajuda de Deus e pede uma cruz, o símbolo da fé
e da redenção.
Rodado em
1967, o filme foi feito com um pequeno orçamento e recursos escassos, atores amadores
em sua maioria, mas revela um cineasta criativo e que mesmo sem formação acadêmica
ou como autodidata coloca em debate o terror pelo terror, com cenas de cobras,
aranhas e baratas verdadeiras, animais e insetos que também eram usados nos
testes das suas atrizes e em cenas de realismo não fantástico.
O fato é que José
Mojica Marins não só construiu a figura imortalizada do personagem Zé do Caixão,
como é hoje considerado um cineasta cult nos Estados Unidos, onde é conhecido
como Joe Coffin. Ele nos contou histórias variadas, saltando desde a pornochanchada até o terror, sendo
conhecido como o pai deste segmento no Brasil e um dos inspiradores do
movimento marginal, graças ao seu estilo underground.
O cineasta,
que foi roteirista de cinema e televisão, ator e produtor, também teve um discurso critico que lhe valeu
cortes frequentes da censura, mas, como
autodidata, ele também colocou na sua
obra temas filosóficos e existenciais, transcendendo
os limites indefinidos entre o bem e do mal, como tinha noção de Zaratustra e
do superhomem do Nietzsche assimilando ao se modo a leitura e problemática de um
dos filósofos mais complexos do nosso tempo e o incorporando à linguagem que
influenciou o cinema, a literatura e a vida das pessoas.
Ficha técnica:
Título : Esta noite encarnarei no
teu cadáver
Direção: José Mojica Marins
Argumento e Roteiro: José Mojica
Marins e Adenora de Sá Porto
Elenco - José Mojica Marins, Tina
Whollers, Nádua Freitas, Antonio Fracati, Esmeralda Rachel, Paulo Ramos, Tânia
Mendonça, Carmen Marins, Mina Monte, Denise Maria e Palito
Fotografia : Giorgio Attili
Diretor de arte – José
Vedovato
P & B
Lançamento : 13 de março de 1967
Brasil