sexta-feira, 22 de agosto de 2025
A batalha ideológica entre a utopia e o pragmatismo numa Magalópolis
O amanhã é o tema central de Megalópolis(2024), de Francis Ford Coppola, uma obra ambiciosa e multifacetada, que mergulha em diversos temas profundos e provocativos com um debate sobre o futuro e o tempo para construção de uma terra de justiça e vida longa para todos, a partir da metáfora de uma Nova Roma que é Nova York. O conflito central gira em torno de dois personagens: Cesar Catilina (Adam Driver), um urbanista visionário que sonha com uma cidade utópica, e o prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), um político pragmático e conservador, que defende a manutenção da ordem existente, com preservação das suas instâncias de poder. A obra reflete a disputa entre o idealismo transformador e conservadorismo institucional, através de debates sobre o papel da política, da economia e das pessoas como agentes na construção do futuro.
Tudo acontece em uma Nova York futurista, agora rebatizada de Nova Roma, onde um visionário arquiteto sonha em reconstruir a cidade como uma utopia autossustentável, utilizando um material revolucionário que ele próprio desenvolveu, o megalon. Seu projeto, chamado Megalopolis, propõe uma metrópole orgânica, integrada à natureza e ao bem-estar coletivo para a sua população.
Os seus planos entram em conflito com o do prefeito local, um político conservador que defende a manutenção da ordem tradicional e teme mudanças que por certo poderiam gerar o colapso das estruturas de poder ou prejuízos aos grupos econômicos. À medida que os dois se enfrentam, a cidade se torna palco de uma batalha ideológica entre utopia e pragmatismo, arte e política, liberdade e controle social, enquanto a filha do político se apaixona pelo arquiteto, com quem acaba tendo um filho.
Com elementos de tragédia shakespeariana, inclusive o ser ou não ser de Hamlet, além de alegorias romanas que aparecem em citações profusas, bem como no nome latino personagens como César Catilina, Cícero, Crasso, Júlia e uma refinada crítica social contemporânea, Megalopolis é uma fábula épica, com ares de tragédia, com questioinamentos sobre o futuro das cidades, o papel do poder e os limites da imaginação humana.
César diz num determinado momento, que o ser humano com toda a sua complexidade é um grande milagre, uma criatura viva para todos admirarem, pois foi criado do mesmo material com o qual são feitos os sonhos. No final, ele abre os portões da cidade fazendo com que o mundo mudasse para sempre, e recebendo de herança no testamnento do banqueiro Crasso, uma fortuna para viabilizar o seu sonho construtivista.
O foco na reinvenção urbana e sustentabilidade é inspirado em projetos reais como os do arquiteto barasileiro, Jaime Lerner, em Curitiba, que também foi prefeito daquela cidade. Em essência, o filme que custou cerca de US$ 136 milhões, propõe uma nova forma de pensar as cidade mais humanas, sustentáveis e integradas com a natureza. A fictícia da Nova Roma serve como palco utópico para discutir planejamento urbano, coleta seletiva, saneamento básico, lazer, tecnologia e até mesmo o controle social.
O próprio Coppola afirmou que Megalopolis é uma metáfora de sua própria trajetória no cinema, com ele se colocando de forma utópica e com sacrifício financeiro como um artista que luta contra o sistema para realizar sua visão para construção de um mundo melhor. O filme coloca ao espectador o sacrifício pessoal, a resistência criativa e o conflito entre arte e indústria, especialmente em um cenário dominado por franquias e fórmulas comerciais numa sociedade mercantilista.
Com muitas citações de clássicos e de referências à Roma Antiga e à filosofia, com personagens que evocam figuras históricas de Roma, o roteiro que foi assinado pelo diretor Francis Ford Copolla explora questões como virtù, fortuna, corrupção, ética pública e a manipulação da verdade — temas caros à tradição maquiavélica. O próprio lançamento do filme financiado pelo cineasta e rejeitado por estúdio é uma crítica à mercantilização da arte e à falta de espaço para obras autorais.
Há também quem considere criticamente que o filme se posiciona contra o “panem et circenses” contemporâneo, com questionamento ao entretenimento raso, repetitivo e voltado apenas ao lucro. A Nova Roma é uma cidade fictícia onde se passa a trama, funciona como uma metrópole que mistura elementos clássicos da arquitetura romana com corridas de bigas e lutas de gladiadores em contraponto com arquitetura futurista.
Já a metáfora de Roma envolve a decadência das instituições, com estátuas romanas gigantes ruindo, placas com a palavra LEX (lei) se quebrando, a decadência de famílias e como em Maquiavel, que aborda a questão da repetição histórica, a política romana serve de modelo para entender os ciclos de poder e corrupção, o que envolve o pão, o circo, além das saturnálias com seu tom carnavalesco marcando o fim de um ano agrário e religioso com jeito carnavalesco.
Megalópolis também envolve o teatro político entre suas sequências, com os debates entre personagens ocorrendo como em uma tribuna romana, com pompa e teatralidade, evocando o Senado e os jogos de retórica da Roma Antiga. Já o personagem, Cesar Catilina, se mostra capaz de manipular o tempo, parando literalmente a queda de um prédio durante uma implosão para poder contemplar a cena.
O tempo em termos do arco de passado, presente e futuro no filme é também uma metáfora de controle sobre o destino e a política, pois, quem quem domina o tempo, domina a narrativa histórica. Isso também envolve a suspensão da própria realidade, uma vez que Coppola brinca com o tempo cinematográfico para sugerir que a utopia exige romper com o presente. Para completar, esse tempo também séria elemento de memória e futuro, uma vez que o tempo é tensionado entre o peso do passado romano e a promessa de uma cidade ideal.
Para complementar a compreensão do filme, o “megalon”, material inventado por Catilina, é orgânico, adaptável e revolucionário. Ele seria uma metáfora de transformação social e urbanística, deixando antever que uma cidade pode ser reconstruída com novos materiais, valores e estruturas. Já em termos políticos, o material se funde ao ambiente como o poder deveria se fundir às necessidades do povo. Como utopia. o megalon é a matéria da imaginação e de uma cidade que ainda não existe.
O filme é também embute uma crítica à teatralidade da política moderna e à demagogia populista, em que os líderes fingem romper com o sistema, mas o reforçam, utilizando-o em benefício próprio. Ha ainda referencias a atentados, mortes, traições conjugais e sucessão nas instâncias de poder político e econômico regado a drogas e sexo.Na outra ponta, fica o alerta para os riscos da falência da democracia quando uma população, desamparada, aceita figuras autoritárias como solução dos problemas coletivos.
Além das referências explícitas à Roma Antiga, Megalópolis, que custou cerca de R$ 136 milhões gerando uma receita de apenas US$ 13 milhões aos seus produtores, inclui referências filosóficas a Maquiavel, e ao pensamento de Spinoza e Nietzsche, sugerindo que a política é cíclica e que os dilemas humanos se repetem. O filme propõe uma reflexão sobre a natureza humana, a virtù (conceito teorizado por Maquiavel englobando uma ampla coleção de traços necessários ao líder para manutençãp do estado e a realização dos grandes feitos), e o papel do indivíduo na transformação social. Deixa ainda um alerta de que os Estados Unidos acabou como mestre do mundo conhecido e que às vezes, é preciso um leve empurrão para derrubar uma república ou melhor, um império. (Kleber Torres)
Ficha Técnica
Título original
Megalopolis
Direção
Francis Ford Coppola
Roteiro
Francis Ford Coppola
Elenco
Adam Driver, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel,Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Jon Voight, Laurence Fishburne, Dustin Hofmann, Talia Shire, Jason Schwartzman e Kathryn Hunt
Música
Osvaldo Golijov
Cinematografia:
Mihai Mălaimare Jr.
Edição
Cam McLauchlin, Glen Scantlebury
Gênero
Drama, Ficção Científica
Duração
138 minutos
País de origem
Estados Unidos
Idioma
Inglês
Lançamento
16 de maio de 2024 (Festival de Cannes) / 27 de setembro de 2024 (EUA)
Distribuição
Lionsgate Films
Companhias produtoras
American Zoetrope, Caesar Film LLC
Orçamento
US$ 120–136 milhões
Receita
US$ 13,9 milhões
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