“Ato de Matar” (Act of Killing) é um documentário
dirigido conjuntamente por Joshua Oppenheimer,Christine Cynn e um diretor anônimo
natural da Indonésia – os três câmeras também
tiveram por questão de segurança as suas e identidades preservadas – para recontar
uma tragédia que resultou na execução de um milhão de comunistas, muitos deles
de origem chinesa, embora existam informações extraoficiais de 2,5 milhões de
mortes, segundo o general Sarwo Edhie, citado no filme. A produção é de 2014 e
tem a assinatura do cineasta alemão Werner Herzog, retratando o resgate
histórico da derrota dos comunistas, numa guerra fraticida, que não teve
vencidos e muito menos vencedores.
O filme revela ainda, que a luta contra o comunismo tinha
o respaldo do exército após um golpe militar na Indonésia, mas as execuções em
massa eram implementadas por grupos paramilitares e por gangsteres, a exemplo
Anwar Congo, que se torna o eixo da narrativa. Muitos dos personagens não
apenas narram as execuções, como participam da recriação de cenas de
assassinatos e também de chacinas, pelas
quais ninguém foi julgado ou punido naquele país, nem mesmo pelos tribunais
internacionais.
Vale lembrar que as execuções iniciadas a partir de
sequestros, eram seguidas de espancamentos, garroteamentos ou degola dos
detidos, mas avalizadas por governos
ocidentais, que assistiam a tudo com indiferença no período de 1965 a 1966, que
condiz com o agravamento da guerra fria entre o ocidente e a cortina de ferro.
Em “O Ato de Matar”, os gangsteres aparecem como homens
livres - numa deturpação dos filmes
americanos do gênero – e o governador de um estado da Indonésia chega a
declarar no documentário, que “os bandidos querem liberdade para poder fazer
coisas erradas”.
Ele aparece refestelado num sofá ao lado de Anwar Congo,
que mesmo envelhecido, cuida de pintar os cabelos para o filme e das roupas de
malandro, com ternos cortados no estilo ocidental ou camisas berrantes contrastando
com uma calça branca. Outro personagem é o jornalista Ibrahim Sinik, nada a ver
com os nossos cínicos de plantão, editor de um diário, que era também colaborador
dos paramilitares para quem identificava as supostas vítimas em entrevistas,
mas que não matava ninguém, mas para que isso ocorresse, conta com orgulho que
bastava piscar os olhos: “eu piscava os olhos e eles morriam”, comentou num dos
seus depoimentos no documentário.
O filme revela ainda um outro jornalista subalterno a
Sinik, que discutiu a questão metafísica e semântica entre a crueldade e
sadismo, tentando fazer a sua distinção, mas sem descer às raízes éticas do problema.
Outro personagem importante é Yapto Soerjosoemarno, líder da temível Juventude Pancasila
(The Pancasila Youth), uma unidade paramilitar com três milhões de membros nos
dias atuais.
Um dos gangsters confessa risonho no filme que eles eram
mais cruéis que os gangsters dos filmes de Marlon Brando e Al Pacino e deixa evidente que se as vítimas não tivessem
dinheiro para pagar sua soltura acabavam executadas. Também é citado que os
filmes de James Bond primavam pela ação, mas os sobre nazismo eram direcionados
para o sadismo, embora não mostrassem cabeças cortadas como ocorria na
Indonésia do seu tempo.
O vice-presidente da Indonésia, Jussef Kalla é mostrando num discurso
elogiando a Juventude Pancasila e os seus parceiros gangsters, lembrados como
homens livres que lutavam pela democracia, mesmo fora do sistema e termina
enfatizando que “nós precisamos dos gangsters para que as coisas funcionem.”
Numa das cenas reconstruídas no filme está o caso de um
idoso forçado a se declarar comunista e que insistia em se dizer inocente, mas
acabou cedendo mediante da ameça de morte aos seus netos ainda crianças.
Outro executor que fala no documentário é Ady Zulkadary
considera que os pesadelos que afetam Anwar Congo é um sinal de fraqueza. Ele
teve participação ativa na campanha de 1965 de exterminação dos comunistas.
Para o sicário, o assassinato é a pior coisa que um ser humano comete, daí a necessidade
para uma justificativa das mortes praticadas, encontrando uma forma de não se
sentir culpado, complementando que “o ideal é encontrar uma resposta certa para
a questão”.
Na sua lógica acima do bem, do mal e da razão para justificar
a banalização do mal, ele lembra que os crimes de guerra são apurados e deflagrados
pelos vencedores e “nós fomos vitoriosos”, justifica com cinismo, lembrando que
os americanos exterminaram os índios e ninguém foi punido por isso.
Congo, que acredita no carma e num julgamento final,
lamenta não ter fechado os olhos de um homem que decapitou e participa
juntamente com outros integrantes do grupo de extermínio numa entrevista sobre
o filme “Ato de Mata”, no programa Dialog Khusus (Diálogo Especial) na
televisão da Indonésia, que marcaria os 50 anos da derrota dos comunistas.
O filme usa a música Born Free (Nascido Livre”, que Anwar
Congo procura associar com a liberdade dos gangsters. A ideia é também justificar que
as forças paramilitares e gangsters da Indonésia conseguiram sem nenhuma culpa,
desenvolver um sistema de extermínio massivo, eficiente – em função da rapidez
da morte do preso submetido ao garrote e decapitação – e menos sádico, o que
por certo não eximiria ninguém da culpabilidade.
O líder da Juventude Pancasila, Jussef Kalla considera o
filme como um resgate histórico e um exemplo para os jovens indonésios. O filme
também reconstitui numa cidade cenográfica, que foi incendiada durante as
filmagens, o Massacre de Kampung Kolan, executado pela Juventude Pancasila, que
veste uma chamativa farda cor de abóbora e preto, cujos militantes têm como
lema:”Pancasila Eternamente!”
Ele justifica que os inimigos do regime tinham de ser
dizimados de forma humana, mas a ordem era matar todo o mundo, seja criança,
velho, mulher ou menino. O filme foi tão realista que os atores convidados – os
membros da juventude também participaram no seu papel – choravam e as crianças
pequenas ficaram traumatizadas, após as filmagens do massacre.
Os paramilitares e gangsteres matavam no varejo e no
atacado empalando suas vitimas, decapitando outras ou garroteando, matando por estrangulamento, o
que faz um dos integrantes do grupo lembrar que “nos assassinamos pessoas e
nunca fomos punidos. No meu caso, nunca me senti culpado, deprimido e nem tive
pesadelos”, admite Ady Zulkaday com a
tranquilidade de um trabalhador que executou as suas tarefas com dedicação.
No filme um grupo de bailarinas e de vitimas dança sob o
som de Born Free, tendo ao fundo uma montanha e uma cachoeira, enquanto uma das
vitimas agradece por ido ao céus graças
ao seu executor e termina com Anwar Congo visitando um centro de torturas onde
desenvolveu o garrote, ele se sente mal, comovido e começa a vomitar, mas
continua livre e solto vivendo como seus pares os benefícios da impunidade, que
é a mãe de todos os crimes. (Kleber Torres)
Ficha Técnica
Título: Act of Killing (Ato de Matar_
Diretores: Joshua Oppenheimer,Christine Cynn e Anônimo
Roteiro: Joshua Oppenheimer
Atores: Anwar Congo, Haji Anif, Syamsul Arifin, Sakhyan Asmara, Herman Koto, Syansul Ahidin, Ibrahim Sinik, Yapto Soerjosoemarno,
Jussef Kalla, Ady Zulkaday e Haji Marzuki
Produção: Signe Byrge Sørensen e Joshua Oppenheimer
Produtor Executivo Werner
Herzog, Errol Morris e Andre Singer
Diretor de fotografia :
Lars Skree
Gênero : Documentário
Origem :
Dinamarca, Suécia e Reino Unido
Ano : 2014
Duração : 2h e 2 minutos