domingo, 28 de fevereiro de 2016

O ato e a banalidade de matar sob o signo da impunidade





 “Ato de Matar” (Act of Killing) é um documentário dirigido conjuntamente por Joshua Oppenheimer,Christine Cynn e um diretor anônimo natural da Indonésia – os três  câmeras também tiveram por questão de segurança as suas e identidades preservadas – para recontar uma tragédia que resultou na execução de um milhão de comunistas, muitos deles de origem chinesa, embora existam informações extraoficiais de 2,5 milhões de mortes, segundo o general Sarwo Edhie, citado no filme. A produção é de 2014 e tem a assinatura do cineasta alemão Werner Herzog, retratando o resgate histórico da derrota dos comunistas, numa guerra fraticida, que não teve vencidos e muito menos vencedores.
O filme revela ainda, que a luta contra o comunismo tinha o respaldo do exército após um golpe militar na Indonésia, mas as execuções em massa eram implementadas por grupos paramilitares e por gangsteres, a exemplo Anwar Congo, que se torna o eixo da narrativa. Muitos dos personagens não apenas narram as execuções, como participam da recriação de cenas de assassinatos e  também de chacinas, pelas quais ninguém foi julgado ou punido naquele país, nem mesmo pelos tribunais internacionais.
Vale lembrar que as execuções iniciadas a partir de sequestros, eram seguidas de espancamentos, garroteamentos ou degola dos detidos, mas  avalizadas por governos ocidentais, que assistiam a tudo com indiferença no período de 1965 a 1966, que condiz com o agravamento da guerra fria entre o ocidente e a cortina de ferro.
Em “O Ato de Matar”, os gangsteres aparecem como homens livres  - numa deturpação dos filmes americanos do gênero – e o governador de um estado da Indonésia chega a declarar no documentário, que “os bandidos querem liberdade para poder fazer coisas erradas”.
Ele aparece refestelado num sofá ao lado de Anwar Congo, que mesmo envelhecido, cuida de pintar os cabelos para o filme e das roupas de malandro, com ternos cortados no estilo ocidental ou camisas berrantes contrastando com uma calça branca. Outro personagem é o jornalista Ibrahim Sinik, nada a ver com os nossos cínicos de plantão, editor de um diário, que era também colaborador dos paramilitares para quem identificava as supostas vítimas em entrevistas, mas que não matava ninguém, mas para que isso ocorresse, conta com orgulho que bastava piscar os olhos: “eu piscava os olhos e eles morriam”, comentou num dos seus depoimentos no documentário.
O filme revela ainda um outro jornalista subalterno a Sinik, que discutiu a questão metafísica e semântica entre a crueldade e sadismo, tentando fazer a sua distinção, mas sem descer às raízes éticas do problema. Outro personagem importante é Yapto Soerjosoemarno, líder da temível Juventude Pancasila (The Pancasila Youth), uma unidade paramilitar com três milhões de membros nos dias atuais.
Um dos gangsters confessa risonho no filme que eles eram mais cruéis que os gangsters dos filmes de Marlon Brando e Al Pacino  e deixa evidente que se as vítimas não tivessem dinheiro para pagar sua soltura acabavam executadas. Também é citado que os filmes de James Bond primavam pela ação, mas os sobre nazismo eram direcionados para o sadismo, embora não mostrassem cabeças cortadas como ocorria na Indonésia do seu tempo.
O vice-presidente da Indonésia,  Jussef Kalla é mostrando num discurso elogiando a Juventude Pancasila e os seus parceiros gangsters, lembrados como homens livres que lutavam pela democracia, mesmo fora do sistema e termina enfatizando que “nós precisamos dos gangsters para que as coisas funcionem.”
Numa das cenas reconstruídas no filme está o caso de um idoso forçado a se declarar comunista e que insistia em se dizer inocente, mas acabou cedendo mediante da ameça de morte aos seus netos ainda crianças.
Outro executor que fala no documentário é Ady Zulkadary considera que os pesadelos que afetam Anwar Congo é um sinal de fraqueza. Ele teve participação ativa na campanha de 1965 de exterminação dos comunistas. Para o sicário, o assassinato é a pior coisa que um ser humano comete, daí a necessidade para uma justificativa das mortes praticadas, encontrando uma forma de não se sentir culpado, complementando que “o ideal é encontrar uma resposta certa para a questão”.
Na sua lógica acima do bem, do mal e da razão para justificar a banalização do mal, ele lembra que os crimes de guerra são apurados e deflagrados pelos vencedores e “nós fomos vitoriosos”, justifica com cinismo, lembrando que os americanos exterminaram os índios e ninguém foi punido por isso.
Congo, que acredita no carma e num julgamento final, lamenta não ter fechado os olhos de um homem que decapitou e participa juntamente com outros integrantes do grupo de extermínio numa entrevista sobre o filme “Ato de Mata”, no programa Dialog Khusus (Diálogo Especial) na televisão da Indonésia, que marcaria os 50 anos da derrota dos comunistas.
O filme usa a música Born Free (Nascido Livre”, que Anwar Congo procura associar com a liberdade dos gangsters. A ideia é também  justificar          que as forças paramilitares e gangsters da Indonésia conseguiram sem nenhuma culpa, desenvolver um sistema de extermínio massivo, eficiente – em função da rapidez da morte do preso submetido ao garrote e decapitação – e menos sádico, o que por certo não eximiria ninguém da culpabilidade.
O líder da Juventude Pancasila, Jussef Kalla considera o filme como um resgate histórico e um exemplo para os jovens indonésios. O filme também reconstitui numa cidade cenográfica, que foi incendiada durante as filmagens, o Massacre de Kampung Kolan, executado pela Juventude Pancasila, que veste uma chamativa farda cor de abóbora e preto, cujos militantes têm como lema:”Pancasila Eternamente!”
Ele justifica que os inimigos do regime tinham de ser dizimados de forma humana, mas a ordem era matar todo o mundo, seja criança, velho, mulher ou menino. O filme foi tão realista que os atores convidados – os membros da juventude também participaram no seu papel – choravam e as crianças pequenas ficaram traumatizadas, após as filmagens do massacre.
Os paramilitares e gangsteres matavam no varejo e no atacado empalando suas vitimas, decapitando outras ou  garroteando, matando por estrangulamento, o que faz um dos integrantes do grupo lembrar que “nos assassinamos pessoas e nunca fomos punidos. No meu caso, nunca me senti culpado, deprimido e nem tive pesadelos”, admite  Ady Zulkaday com a tranquilidade de um trabalhador que executou as suas tarefas com dedicação.
No filme um grupo de bailarinas e de vitimas dança sob o som de Born Free, tendo ao fundo uma montanha e uma cachoeira, enquanto uma das vitimas agradece  por ido ao céus graças ao seu executor e termina com Anwar Congo visitando um centro de torturas onde desenvolveu o garrote, ele se sente mal, comovido e começa a vomitar, mas continua livre e solto vivendo como seus pares os benefícios da impunidade, que é a mãe de todos os crimes. (Kleber Torres)



Ficha Técnica
Título: Act of Killing (Ato de Matar_
Diretores: Joshua Oppenheimer,Christine Cynn e Anônimo
Roteiro: Joshua Oppenheimer
Atores: Anwar Congo, Haji Anif, Syamsul Arifin,  Sakhyan Asmara, Herman Koto,  Syansul Ahidin, Ibrahim Sinik, Yapto Soerjosoemarno, Jussef Kalla, Ady Zulkaday e Haji Marzuki
Produção: Signe Byrge Sørensen e Joshua Oppenheimer
Produtor Executivo Werner Herzog, Errol Morris e Andre Singer
Diretor de fotografia          : Lars Skree
Gênero : Documentário
Origem :  Dinamarca, Suécia e Reino Unido
Ano : 2014

Duração : 2h e 2 minutos 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Na arte nada se cria e tudo se copia, afinal tudo é permitido nas asas da invenção





Considerado por muitos como um remake diferenciado de  Shane (Os Brutos também Amam), um clássico de 1953, dirigido por George Stevens, Pale Rider (O Cavaleiro Solitário) é muito mais. Ele aparece em realidade como uma releitura mais violenta e dinâmica do seu referencial cinematográfico, com uma série de coincidências e homenagens – com cenas apresentando uma grande similaridade inclusive no final do filme - a um roteiro premiado e que conquistou um Oscar e várias indicações há seis décadas, uma prova de que na arte nada se cria e tudo se copia, afinal tudo é permitido nas asas primorosas da invenção.
O Cavaleiro Solitário é um filme estadunidense de 1985, também do gênero western, dirigido e estrelado por Clint Eastwood. Cabe lembrar que nesta releitura e recriação, o título é uma referência escatológica ao quarto cavaleiro do Apocalipse, aquele que cavalga um cavalo pálido (Pale Rider) e se que chama Morte, fechando um ciclo e construindo uma nova metáfora que se ajusta ao universo dos filmes de cowboys, marcados pela violência e pela solidão dos seus protagonistas sempre mostrados como cavaleiros errantes, defendendo a justiça e a liberdade, combatendo em prol dos fracos e oprimidos.
Diferentemente de Shane, que foi baseado numa história real, a partir de um confronto entre grande latifundiários que enfrentaram  pequenos posseiros, Pale Rider tem como pano de fundo uma disputa entre mineiros que enfrentam um empresário poderoso, aético e sem nenhum escrúpulo. O Cavaleiro Solitário foi Filmado em Boulder Mountains e na área de recreação do Sawtooth National em Idaho.
A história neste caso é centrada no  conflito entre um grupo de mineiros pobres, que enfrentam um poderoso empresário urbano. O conflito se aguça com a chegada de um forasteiro que chega desarmado e vestido como um pregador religioso de poucas palavras, com uma batina surrada, que assume a defesa dos mineiros ameaçados por uma gangue de arruaceiros e pistoleiros de aluguel.
No filme as atitudes e emoções de Eastwood são reveladas em detalhes através gestos e olhares, a partir de uma série de closes  e a crise se agudiza com a chegada de um delegado contratado para reprimir o pregador e aos mineiros. O estranho pregador também divide as atenções e a paixão até certo ponto platônicas com a mulher e a filha de uma das lideranças dos mineiros, com quem passa a morar durante o período em que esteve na comunidade.
Alguns críticos consideram ainda que o pregador seria um vingador que teria ressurgido dos mortos, aparecendo como um personagem  sobrenatural que volta do túmulo para confrontar quem o assassinou – o delegado e seus pistoleiros vestindo pesadas capas-, daí a sua associação com um cavaleiro pálido (Pale Rider) que representa a morte e vem montado sobre ela, também numa metáfora já destacada.
Com roteiro de Michael Butler. o filme concorreu vários prêmios e indicações como a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1985 e competiu na premiação de jovens artistas dos Esrados Unidos pela performance excepcional de uma jovem atriz Sydney Penny, que no final a exemplo do menino de Shane, pede para que o pregador volte e na certeza que isso não iria acontecer, enquanto o cavaleiro se afasta, ela agradece, lembrando que todos – inclusive ela – o amavam. (Kleber Torres)

Ficha técnica
Pale Rider (O Cavaleiro Solitário)
Direção        Clint Eastwood
Roteiro:      Michael Butler.
Roteiro         Michael Butler
Elenco:         Clint Eastwood, Michael Moriarty, Carrie Snodgress
Género         western
Estados Unidos

1985 •  Cor •  116 min

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Shane uma referência para filmes, desenhos animados e quadrinhos








Ninguém discute que Shane (Os Brutos Também Amam) é um clássico do faroeste e está classificado entre os 50 melhores filmes da história do cinema, servindo de referência para filmes como Pale Raider (Cavaleiro Solitário), séries de televisão, tiras de quadrinhos, desenhos animados e sequências de filmes como Por uns Dólares a Mais e Os Bons Companheiros.  O  produzido e dirigido por George Stevens, foi rodado em 1953, a partir de  roteiro é de A.B. Guthrie Jr., adaptado de uma novela homônima de 1949 escrita por Jack Schaefe, que se baseou numa história real.
Clint Eastwood dirigiu em 1985, uma releitura de Shane, ccom Pale Rider, que conta uma história similar e termina com a adolescente agradecendo ao cowboy e dizendo que “nós o amamos”, bem similar ao “volte Shane!” do garoto do filme homônimo. O ponto em comum entre as duas produções é que elas foram bem cuidadas, enquanto a versão de Clint Eastwood apresenta uma dinâmica mais acelerada e incorpora um maior número de cenas de violência.
Shane aparece ainda numa série de televisão de 1966, interpretado por David Carradine e serviu como referência para Sergio Leone no filme Per qualche dollaro in più (Por uns dolares a mais), em que presta  uma homenagem ao filme classico numa sequência em que Shane foi visto atirando pelo garoto, escondido no interior de um bar.
Há referencias ainda ao filme em uma tira de Snoopy, de Charles Schulz, numa história em que o cãozinho se veste de cowboy, dizendo Volte Shane!. Nos quadrinhos do X-Men Ultimate, Tempestade compara o nômade Wolverine com Shane, que andava de cidade em cidade, corrigindo erros.
Cabe lembrar ainda, que Shane foi mencionado como o melhor filme para Al Budy, no seriado de televisão Married with Children e há outra referência numa série de televisão do Batman, em que Cliff Robertson interpreta um vilão chamado "Shame" (Vergonha), um trocadilho que se parece Shane. Para completar a sutileza da crítica a sua indumentária  é uma cópia da de Shane, e um garoto diz: “Come back, Shame!”, quando Batman o leva para a prisão.
Sinopse
O filme de 1953 narra a história do cowboy chamado Shane (Allan Ladd), que chega a uma região de pequenos sitiantes que enfrentam grandes proprietários de terras num vale do Wyoming e logo se envolve no conflito fundiário com criadores de gado em áreas de pastagem  extensiva.
Shane,  aceita trabalhar na pequena fazenda de Starret (Van Helfin), que também atuava como uma liderança dos pequenos produtores e  é atraído pela esposa de Starret, a charmosa Marian (Jean Arthur). O filho do casal, Joey, passa a admirar Shane após descobrir um cinturão com duas pistolas, que o cowboy havia escondido e ao descobrir a  sua habilidade no uso  das armas.
O conflito aumenta de intensidade quando Ryker, contrata o pistoleiro Jack Wilson (Jack Palance) na tentativa de pressionar e intimidar os  pequenos agricultores, o que resulta na morte de um dos produtores. Joe Starrett tenta se vingar, mas é impedido por Shane, que o derrota numa luta e  vai para o duelo contra Wilson, seguido pelo garoto.
A história embora seja considerada uma obra de ficção, se baseia num episódio verdadeiro conhecido como a Guerra do Condado de Johnson, no Wyoming, onde foram realizadas partes das filmagens.  O filme conquistou o Oscar 1954 (EUA), na categoria de melhor fotografia colorida, mas foi também ondicado nas categorias de melhor ator coadjuvante (Brandon De Wilde – o garoto - e Jack Palance), melhor diretor, melhor filme e melhor roteiro adaptado. (Kleber Torres)

Ficha Técnica
Os Brutos Também Amam (Shane)
Direção George Stevens
Roteiro A.B. Guthrie Jr.
Elenco   Alan Ladd, Jean Arthur, Van Heflin, Jack Palance, Ben Johnson
Género:               faroeste
Estados Unidos
1953 •  cor •  118 min

Idioma  inglês