O filme A História
Verdadeira, rodado em 2015, não nos
oferece apenas a narrativa de um fato real, acontecido nos Estados Unidos, em
que o marido mata a mulher e três filhos, com requintes de perversidade e
premeditação, como também revela montagem de uma farsa, em que o assassino se
passa por um repórter do New York Times, considerado o melhor jornal do mundo e
procura escapar aos rigores da lei com histórias inverossímeis, que ele mesmo
seria incapaz de acreditar. O filme também oferece como pano de fundo o debate
sobre o jornalismo e da credibilidade da informação, neste tempo de hoaxes –
boatos espalhados pela internet – e da fabricação em escala industrial de não
notícias, privilegiando a mentira e a desinformação.
O filme começa com o repórter do NYT, Mike Finkel,
interpretado por Jonah Hill, fazendo uma reportagem para a revista dominical do
jornal americano sobre a exploração de escravos jovens nas plantações de cacau
na África. O jornalista acaba demitido
quando o jornal descobre que ele manipulou informações, trocou uma foto e transformou as cinco
pessoas que entrevistou num único personagem, para produzir uma matéria em
defesa de direitos humanos e do fim do trabalho forçado nas plantações
africanas, um problema que não é novo e tem sido denunciado ao longo do tempo
por jornais e até mesmo em filmes específicos. Cabe salientar que este trabalho
escravo tem o amparo silencioso das indústrias moageiras, o que não foi
abordado no filme.
Numa outra sequência, aparece Christian Longo (James
Franco), que está foragido no México depois de matar a mulher com sinais de
estrangulamento e os filhos por afogamento, conhece uma turista alemã, com quem
tem uma relação casual e se apresenta como Mike Finkel, do NYT. Ele acaba
preso, mas continua assumindo ser o jornalista, que em função de uma denúncia
de um colega começa a se interessar pelo caso que pode trazê-lo de volta ao
mercado de trabalho e à grande imprensa.
O Finkel de verdade encaminha uma carta ao assassino e
consegue um contato com ele no presídio Lincoln, onde Longo aparece como um
preso de comportamento exemplar. Ele mesmo se define como um homem digno de
normal 98% do tempo e conta que durante a sua vida seguiu a carreira e o
trabalho do jornalista, o qual aparecia sempre como uma espécie de paladino na
defesa dos que não têm voz, complementando: “li tudo o que você escreveu”. Ele também repassa ao repórter um texto
extenso e desenhos sombrios falando
sobre o caso, narrado numa espécie de depoimento e romance autobiográfico.
Chris Longo admite ainda ao jornalista, que o período
mais feliz durante muito tempo da sua vida foi quando estava sendo ele e fez um
pacto para que Mike Finkel não revelasse
nada das conversas que tiveram até o julgamento, mas cobrou que este o ensinasse a escrever. O
assassino também fez uma lista dos erros que cometeu ao longo da vida e falou
do seu casamento, da mulher que conheceu numa igreja evangélica e a quem matou
esganada, colocando o seu corpo e de uma filha em duas malas, jogadas a 20
quilômetros do lugar onde morava, em uma cidade vizinha, em mais uma estratégia
para dificultar as investigações policiais.
Ao mesmo tempo em que levanta discretamente informações
sobre a vida pessoal do jornalista nos diálogos que travam, Longo diz que ele
fala bonito e domina tão bem as palavras, “que eu quero isso também”. O assassino falava ainda do amor que sentia
pela família e queria sempre o melhor para ela, “mas - alegou sem emoção -, não
posso dizer o que aconteceu”. Ele também não conseguiu encaixar uma explicação
convincente para o motivo pelo qual fugiu para o México e informa lacônico: “eu
não os matei”, alegando uma suposta inocência.
O assassino falou ainda do empobrecimento da sua família
e admitiu que isso o levou a pequenos roubos e fraudes, inclusive a
falsificação da assinatura do sogro em cheques, o que o fazia sentir-se um
fracassado. Chris definiu em uma das suas entrevistas com o jornalista, que a
sua mulher era linda, solidária e uma ótima mãe e mais adiante diante do júri,
alega mais uma vez que é inocente.
No primeiro depoimento, o juiz o alerta que ele está
enfrentando uma sentença de prisão perpétua e um policia que investigava o caso
deduz que Longo é um assassino frio, calculista e psicopata, que vai tentar confundir o júri e anular o
julgamento: “é um homem perigoso, que matou e vai tentar matar de novo”. Neste
ínterim, o assassino telefona para a casa de Mike e conversa com uma certa
intimidade que não tinha com a sua mulher Jill (Felicity Jones), que percebe a
sua capacidade de manipulação e a sua periculosidade.
De volta ao júri, testemunhas reconhecem e identificam o
réu, que chegou a ir trabalhar no dia do crime, dizendo que a mulher o havia
traído com um jornalista. Uma parenta da
vitima encontra com Finkel nos bastidores do julgamento e diz que Longo não o
escolheu para fazer um livro sobre ele e o caso, mas o estava usando para
escapar dos rigores da lei.
Tentando dar uma virada nas acusações, o assassino
dizendo-se culpado de dois crimes e inocente em outros dois, alega que a mulher
teria matado pelo menos dois filhos e ele, num acesso de raiva, a teria enforcado com as próprias mãos. Em
seguida, pegou uma mala grande e outra
pequena para colocar o os corpos de duas das vitimas, quando notou que a filha
respirava, ele conta sem comoção, que apertou a sua garganta e sentiu a vida
sair dela.
É durante o julgamento que o jornalista percebe que o
assassino é um mentiroso contumaz e um grande manipulador. Posteriormente, sua
mulher Jill também procura o réu no presídio e o desmascara como um narcisista
e um cínico que não vai escapar do que é e deve ser condenado à morte.
Chris Longo acaba mesmo condenado à pena capital no
Oregon e escreve uma carta ao jornalista dizendo que também pretende escrever
um livro e até recebeu dois pedidos de casamento. Na tentativa de ter um novo
julgamento, ele diz que chegou em casa e encontrou a mulher matando um dos
filhos, mas daí em diante não se lembra de nada, ficando um branco e um grande
vazio.
Mike considera que as histórias contadas pelo assassino
não fazem sentido, não têm pé e nem cabeça, porque a verdade é única: ele matou
a mulher e os filhos de forma premeditada. Ao que Longo responde que ele foi a coisa mais importante que poderia
acontecer com o jornalista e “se eu
abrir minha boca você vai ter de fugir”, diz em tom de intimidação e chantagem
aparentes.
O fato é que Longo foi condenado e espera a execução no
corredor da morte e o jornalista vive em Montana, com a mulher e os três
filhos, conseguindo sucesso editorial com o livro A História Verdadeira. Longo acabou admitindo
que matou a família e o estranho é que até hoje, pelo menos uma vez por mês ele
e o jornalista ainda têm um contato
regular. (Kleber Torres)
Ficha Técnica:
Titulo : A História Verdadeira / A True History
Direção : Rupert Goold
Roteiro : David Kajganish e Rupert Gold
Elenco : Jonah Hill, James Franco, Felicity Jones, Maria
Dizzia
Trilha Sonora : Marc Beltrami
Gênero : Suspense
EUA
2015