domingo, 11 de dezembro de 2016

Uma história verdadeira de morte e manipulação






O filme A  História Verdadeira, rodado em 2015,  não nos oferece apenas a narrativa de um fato real, acontecido nos Estados Unidos, em que o marido mata a mulher e três filhos, com requintes de perversidade e premeditação, como também revela montagem de uma farsa, em que o assassino se passa por um repórter do New York Times, considerado o melhor jornal do mundo e procura escapar aos rigores da lei com histórias inverossímeis, que ele mesmo seria incapaz de acreditar. O filme também oferece como pano de fundo o debate sobre o jornalismo e da credibilidade da informação, neste tempo de hoaxes – boatos espalhados pela internet – e da fabricação em escala industrial de não notícias, privilegiando a mentira e a desinformação.
O filme começa com o repórter do NYT, Mike Finkel, interpretado por Jonah Hill, fazendo uma reportagem para a revista dominical do jornal americano sobre a exploração de escravos jovens nas plantações de cacau na África. O  jornalista acaba demitido quando o jornal descobre que ele manipulou informações,  trocou uma foto e transformou as cinco pessoas que entrevistou num único personagem, para produzir uma matéria em defesa de direitos humanos e do fim do trabalho forçado nas plantações africanas, um problema que não é novo e tem sido denunciado ao longo do tempo por jornais e até mesmo em filmes específicos. Cabe salientar que este trabalho escravo tem o amparo silencioso das indústrias moageiras, o que não foi abordado no filme.
Numa outra sequência, aparece Christian Longo (James Franco), que está foragido no México depois de matar a mulher com sinais de estrangulamento e os filhos por afogamento, conhece uma turista alemã, com quem tem uma relação casual e se apresenta como Mike Finkel, do NYT. Ele acaba preso, mas continua assumindo ser o jornalista, que em função de uma denúncia de um colega começa a se interessar pelo caso que pode trazê-lo de volta ao mercado de trabalho e à grande imprensa.
O Finkel de verdade encaminha uma carta ao assassino e consegue um contato com ele no presídio Lincoln, onde Longo aparece como um preso de comportamento exemplar. Ele mesmo se define como um homem digno de normal 98% do tempo e conta que durante a sua vida seguiu a carreira e o trabalho do jornalista, o qual aparecia sempre como uma espécie de paladino na defesa dos que não têm voz, complementando: “li tudo o que você escreveu”.  Ele também repassa ao repórter um texto extenso e desenhos  sombrios falando sobre o caso, narrado numa espécie de depoimento e romance autobiográfico.
Chris Longo admite ainda ao jornalista, que o período mais feliz durante muito tempo da sua vida foi quando estava sendo ele e fez um pacto para que Mike Finkel não revelasse  nada das conversas que tiveram até o julgamento,  mas cobrou que este o ensinasse a escrever. O assassino também fez uma lista dos erros que cometeu ao longo da vida e falou do seu casamento, da mulher que conheceu numa igreja evangélica e a quem matou esganada, colocando o seu corpo e de uma filha em duas malas, jogadas a 20 quilômetros do lugar onde morava, em uma cidade vizinha, em mais uma estratégia para dificultar as investigações policiais.
Ao mesmo tempo em que levanta discretamente informações sobre a vida pessoal do jornalista nos diálogos que travam, Longo diz que ele fala bonito e domina tão bem as palavras, “que eu quero isso também”.  O assassino falava ainda do amor que sentia pela família e queria sempre o melhor para ela, “mas - alegou sem emoção -, não posso dizer o que aconteceu”. Ele também não conseguiu encaixar uma explicação convincente para o motivo pelo qual fugiu para o México e informa lacônico: “eu não os matei”, alegando uma suposta inocência.
O assassino falou ainda do empobrecimento da sua família e admitiu que isso o levou a pequenos roubos e fraudes, inclusive a falsificação da assinatura do sogro em cheques, o que o fazia sentir-se um fracassado. Chris definiu em uma das suas entrevistas com o jornalista, que a sua mulher era linda, solidária e uma ótima mãe e mais adiante diante do júri, alega mais uma vez  que é inocente.
No primeiro depoimento, o juiz o alerta que ele está enfrentando uma sentença de prisão perpétua e um policia que investigava o caso deduz que Longo é um assassino frio, calculista e psicopata,  que vai tentar confundir o júri e anular o julgamento: “é um homem perigoso, que matou e vai tentar matar de novo”. Neste ínterim, o assassino telefona para a casa de Mike e conversa com uma certa intimidade que não tinha com a sua mulher Jill (Felicity Jones), que percebe a sua capacidade de manipulação e a sua periculosidade.
De volta ao júri, testemunhas reconhecem e identificam o réu, que chegou a ir trabalhar no dia do crime, dizendo que a mulher o havia traído com um jornalista.  Uma parenta da vitima encontra com Finkel nos bastidores do julgamento e diz que Longo não o escolheu para fazer um livro sobre ele e o caso, mas o estava usando para escapar dos rigores da lei.
Tentando dar uma virada nas acusações, o assassino dizendo-se culpado de dois crimes e inocente em outros dois, alega que a mulher teria matado pelo menos dois filhos e ele, num acesso de raiva,  a teria enforcado com as próprias mãos. Em seguida,  pegou uma mala grande e outra pequena para colocar o os corpos de duas das vitimas, quando notou que a filha respirava, ele conta sem comoção, que apertou a sua garganta e sentiu a vida sair dela.
É durante o julgamento que o jornalista percebe que o assassino é um mentiroso contumaz e um grande manipulador. Posteriormente, sua mulher Jill também procura o réu no presídio e o desmascara como um narcisista e um cínico que não vai escapar do que é e deve ser condenado à morte.
Chris Longo acaba mesmo condenado à pena capital no Oregon e escreve uma carta ao jornalista dizendo que também pretende escrever um livro e até recebeu dois pedidos de casamento. Na tentativa de ter um novo julgamento, ele diz que chegou em casa e encontrou a mulher matando um dos filhos, mas daí em diante não se lembra de nada, ficando um branco e um grande vazio.
Mike considera que as histórias contadas pelo assassino não fazem sentido, não têm pé e nem cabeça, porque a verdade é única: ele matou a mulher e os filhos de forma premeditada. Ao que Longo responde que ele  foi a coisa mais importante que poderia acontecer com o jornalista  e “se eu abrir minha boca você vai ter de fugir”, diz em tom de intimidação e chantagem aparentes.
O fato é que Longo foi condenado e espera a execução no corredor da morte e o jornalista vive em Montana, com a mulher e os três filhos, conseguindo sucesso editorial com o livro  A História Verdadeira. Longo acabou admitindo que matou a família e o estranho é que até hoje, pelo menos uma vez por mês ele e o jornalista ainda  têm um contato regular. (Kleber Torres)
                                    
Ficha Técnica:  
Titulo : A História Verdadeira / A True History
Direção : Rupert Goold
Roteiro : David Kajganish e Rupert Gold
Elenco : Jonah Hill, James Franco, Felicity Jones, Maria Dizzia
Trilha Sonora : Marc Beltrami
Gênero : Suspense
EUA

2015

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Um mergulho no estranho universo felliniano





Em “Que estranho chamar-se Federico / Che strano chiamarsi Federico – Scola racconta Fellini” o cineasta Ettore Scola, que também se consagrou como autor de “Nós que nos amávamos tanto”, de 1974; “Um dia muito especial”, de 1977 e “O Baile”, de 1983,  retrata a vida e obra de Federico Fellini, num filme que transita além do mero documentário e que faz um mergulho no estranho universo felliniano além de explorar as afinidades e similaridades entre os dois cineastas italiano.
O filme produzido em 2012, coincide com o vigésimo aniversário da morte de Federico Fellini, marca uma das justas homenagens no 70º Festival de Veneza para o grande mestre italiano de cinema, que deixou o seu nome na cinematografia mundial. Ele reúne imagens de arquivo dos filmes de Fellini e faz uma retrospectiva da sua obra desde a estreia do cineasta em 1939, como jovem  cartunista da revista satítica Marc’ Aurélio, onde também conheceu Scola,  até seu quinto Oscar em 1993, o filme é feito de fragmentos, impressões e momentos reconstruídos através da imagem.
O “Que estranho chamar-se Federico”, tem o roteiro assinado por Ettore, Paola e Silvia Scola, começando por uma sequencia inteiramente felliniana em que desfilam à noite diante da cadeira do diretor de cinema na beira da praia uma mulher dançando, um mágico, um palhaço tocando trompete, um engolidor de fogo e um personagem onírico fazendo bolas de sabão para um menino, aparecendo por fim o próprio Fellini jovem descendo numa estação de trem romana nos idos de 1939.
Em Roma, o cineasta, então com 20 anos, passa a trabalhar numa revista de humor onde aprende com o editor que as palavras voam, mas as escritas ficam e permanecem. Numa outra cena, um oficial fascista visita a redação do Marc’ Aurélio, o que se contrapõe a cenas de filmes fillinianos como Satyricon e Amarcord e se complementa depois com a chegada de Ettore Scola à redação e seus projetos comuns para o teatro, rádio e para o cinema.
Outra referência do filme é o Estúdio 5 da Cinecittà onde o cineasta comandava todos os seus projetos. Mostra também um Fellini boêmio, que dormia tarde  e lia todas as criticas que saiam sobre o seu trabalho. També deixa evidente a relação entre Federico e Scola que gostavam de desenhar, não chutavam bola de futebol e nem sabiam nadar, mas ligados por uma afinidade e respeito intelectual. Scola convocou Fellini como ator de um dos seus filmes,  Nós que nos amávamos tanto.
O filme também nos permite conhecer o pensamento de Fellini que considerava as mulheres um planeta desconhecido e a vida como uma festa que traduzia nas imagens oníricas dos seus filmes. Como artista, ele era considerado um mentiroso diferente, que transformava tudo em fantasia e cores através das sequências de 24 fotogramas por minuto.
Como filho de um pai que o queria médico e uma mãe que sonhava em ter na família um cardeal,  ele se tornou um artista irônico e criativo, que retratou a repressão da sua juventude sobre o signo e as sombras do fascismo e ao mesmo tempo revelou um mestre que resgatou no cinema a beleza da memória em imagens, porque ela (a memória) nos devolve a vida. O filme inclui ainda cenas da morte e do velório de Fellini, que neste ano de 2016  ganhou em janeiro, a companhia do amigo e discípulo Ettore Scola para uma outra festa no céu. (Kleber Torres)

Ficha Técnica:
Título :  “Que estranho chamar-se Federico / Che strano chiamarsi Federico – Scola racconta Fellini”
Direção : Ettore Scola
Roteiro : Ettore, Paola e Silvia Scola
Fotografia : Luciano Tivoli
Elenco: Sergio Rubini como Madonnaro,  Vittorio Viviani como Narrador e um personagem que interligava todas as cenas, Tommaso Lazotti como Fellini (jovem), Giacomo Lazotti como Scola (jovem), Emiliano De Martino como Maccari, Antonella Attili como Prostituta Wanda, Fabio Morici como Mosca, Andrea Salerno como Steno, Sergio Pierattini como De Bellis, Giovanni Candelari como Avô cego,  Carlo Luca De Ruggieri como De Torres, Pietro Scola Di Mambro como Attalo, Andrea Mautone como Metz, Ernesto D'Argenio como Barbara, Giulio Forges Davanzati como Scarpelli.
Música: Andrea Guerra
Itália

2013