sábado, 30 de dezembro de 2017

Metróplis: os conflitos e antagonismos no reino de Moloch


“O mediador entre a cabeça e a mão deve ser o coração” esta frase define a essência de Metrópolis, filme de ficção científica considerado um dos marcos do expressionismo alemão, dirigido por Fritz Lang, em 1926, que nos revela um mundo distópico e contraditório. O filme é uma obra-prima e continua atual na sua temática e em função da crescente agudização da relação entre ricos e pobres em decorrência da ampliação da concentração de renda na mão das classes mais abastadas em escala global, o que preocupa aos economistas e lideranças políticas dos nossos dias. O roteiro tem como base um romance de Thea von Harbou, e foi escrito por ela a quatro mãos numa parceria com o próprio Fritz Lang. Tudo começa em 2026, ou seja, 100 anos após a produção do filme, quando industriais e empresários ricos governam a futurística Metrópolis, uma cidade cosmopolita formada por uma série de torres, bibliotecas e outros equipamentos, enquanto os trabalhadores vivem muito abaixo da terra numa cidade subterrânea. Os operários trabalham para Moloch - uma referência metafórica a um demônio - operando as máquinas que asseguram o poder da burguesia sobre as classes inferiores mantendo um ciclo histórico de acumulação de capital em mãos de uma elite econômica, garantindo a concentração de renda para uma minoria e alimentando a contradição entre ricos e pobres. O filme foi produzido dez anos após a revolução russa e talvez por isso reflete de forma ficcional à questão da luta de classes, mostrando que cada homem reflete o ideal da sua classe e que entre eles não haveria diálogo possível. Metrópolis é controlada pelo magnata Joh Fredersen, interpretado por Alfred Abel, cujo filho Freder (Gustav Fröhlich) leva uma vida alienada junto com os outros filhos de papai. A vida de Freder muda com chegada de uma jovem, Maria (Brigitte Helm, que também interpreta uma Andróide / Maschinenmensch) que conduziu um grupo de filhos de trabalhadores para ver o estilo de vida privilegiado dos ricos. Maria é uma contestadora do sistema e ao mesmo tempo uma líder da classe trabalhadora e dos marginalizados. Embora Maria e as crianças fossem afastados do universo dos ricos, Freder se apaixona por ela e submerge até a cidade dos trabalhadores, que marcham sempre de forma alienada e mecânica para o mundo subterrâneo, na tentativa de reencontrá-la. Na casa de máquinas, ele vê quando uma máquina explode, provocando várias lesões e mortes nos operários, depois que um dos seus operadores cai exausto e tem de ser substituído para evitar uma catástrofe. A sequencia dos operários faz referência a duas questões sociológicas apropriadas pelos marxistas: a da anomia, a desorganização do individuo pela falta de objetivos e regras, com a perda de identidade e referenciais, em consequência das intensas transformações ocorrentes no mundo e da alienação, um momento em que os homens perdem-se a si mesmos e a seu trabalho em função da remuneração e da mais valia. Freder conta ao pai o que viu e Fredersen se aborrece. Ele demite seu assistente Josaphat, porque este não o informou sobre o acidente na fábrica . Freder tenta ajudar a Josaphat e se complica ainda mais nas relações conturbadas com o pai autoritário e controlador, que passa a vigiá-lo e vê-lo como um antagonista. A coisa se complica quando Freder volta às casas de máquinas, onde encontra o trabalhador Georgy exausto pelos esforço pelo trabalho repetitivo e mecânico, uma cena similar a de Tempos Modernos, de Charles Chaplin, rodado dez anos depois. Ele acaba tomando o seu lugar quando o operário cai exausto pelo cansaço. Os dois trocam roupas e de funções, e Freder orienta ao operário para ir ao apartamento de Josaphat e esperar por ele, o que não chega a acontecer. No filme também aparece o cientista Rotwang, um inventor havia se apaixonado por Hel, mulher que o avandonou para se casar com Fredersen. Como ela morreu no nascimento do filho Freder, ele procurou recriá-la como um robô (Maschinenmensch) e um holograma, mas perde uma das mãos num acidente, o que aumenta o rancor do cientista que planeja uma vingança – um prato que se come frio - contra o empresário, mecenas e rival no amor, que controla Metrópolis de forma autoritária. Em que pese o cientista atuar no campo da tecnologia e da ciência, que às vezes se confunde com a magia, o filme mostra neste processo alusões á magia negra através de um pentagrama e outros símbolos místicos como o próprio Moloch. O filme também tem várias referências ao ocultismo e sobre ele existem estudos quanto à sua influência na cultura pop e sobre a utilização até de símbolos maçônicos. A trama ganha impulso quando Maria profetiza a chegada de um mediador que pode trazer melhores condições para os trabalhadores. Já uma mulher fala sobre lenda da torre de Babel, que serve de referência simbólica para as torres da metrópole. O jovem Freder acredita que poderia assumir o papel de mediador, dizendo que “você me chamou e eu aqui estou”, para depois da reunião declarar o seu amor por Maria, a quem promete encontrar no dia seguinte. Como vingança contra o filho e agora antagonista, Fredersen ordena Rotwang para dar semelhança de Maria ao robô que desenvolve em seu laboratório visando disseminar a dúvida sobre os acólitos de Freder entre os trabalhadores, mas não sabe do plano secreto do cientista para destruir o único elo que sobrou entre ele e Hel, que era o seu filho e herdeiro natural do seu patrimônio. O filme tem em certos momentos um desenrolar complexo e lento para o espectador menos informado. Ele mostra que Freder não encontra Maria no encontro da catedral, mas ouve um monge pregando sobre a Prostituta da Babilônia e um apocalipse que se aproxima. Maria foi sequestrada e acaba localizada por Freder na casa Rotwang onde estava sendo transformada na imagem holográfica do robô. Assim, a falsa Maria começa a desencadear o caos em Metrópolis, ampliando a dissidência e descrença entre os trabalhadores, exortando os a se levantar e destruir as máquinas. Quando Freder a acusa de não ser a verdadeira Maria, os trabalhadores o reconhecem como filho de Fredersen e tentam agredí-lo, e quando o operário Georgy tenta protegê-lo, acaba esfaqueado e morto. A crise provoca a falência dos sistemas de segurança na cidade dos trabalhadores e inundação do lugar onde estão os seus filhos. A falsa Maria, que é uma máquina, acaba desmascarada e Freder na escadaria da da catedral, assume o seu papel de mediador ligando a cabeça metafórica do pai Fredersen, com as mãos que são os trabalhadores, associando criativamente o capital e o trabalho como fatores de produção, fazendo cumprir o que seria uma relação utópica entre os dois instrumentos que têm sido antagonizada ao longo do tempo como o yin e o yang, o positivo e o negativo, gerando uma eterna contradição agravada nos nossos dias pelo fenômeno da globalização. Será que ela está embutida no filme de Fritz Lang ? É só ver para crer. (Kleber Torres) Ficha Técnica: Título - Metrópolis Direção - Fritz Lang Roteiro - Thea von Harbou Elenco - Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Brigitte Helm, Rudolf Klein-Rogge Theodor Loos, Fritz Rasp,) Erwin Biswanger, Heinrich George, Hanns Leo Reich, Heinrich Gotho Gênero - Ficção científica Alemanha 1927 • pb • 148 min

Nenhum comentário:

Postar um comentário