Enquanto durar a Guerra (Mientras dure la guerra) dirigido e roteirizado por Alejandro Amenábar, que também assinou "De Olhos Abertos", "Os Outros” e "Mar Adentro", ganhador do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, envolve duas narrativas que se sobrepõem e se complementam ao mostrar as trajetórias do reitor da universidade de Salamanca, o pensador cristão e existencialista Miguel Unamuno (Kara Elejalde) e a ascensão do generalíssimo Francisco Franco (Santi Prego) ao poder num rastro de 200 mil mortos. Franco governo a Espanha por 40 anos.
O drama começa em 18
de Julho de 1936, quando um grupo de militares liderados pelos generais Emilio
Mola e Francisco Franco perpetra um golpe de Estado contra o Governo da Segunda
República, formado por uma frente popular. Isso recrudesce a guerra civil espanhola, num pais
dividido entre republicanos, de esquerda e os monarquistas, de direita,
liderados por militares apoiados pelos nazistas e fascistas, que testaram no conflito
espanhol suas armas de guerras com uso de tanques, blindados e aviões de
combate de ultima geração usados na II Guerra Mundial.
Por temer uma vitória dos
comunistas que eram aliados dos republicanos, Miguel Unamuno, que cunhou o conceito
da preservação da civilização cristã ocidental, assume publicamente o seu apoio
à rebelião militar, que tinha como discurso a promessa reestabelecer a ordem ao
país imerso no caos. Essa tomada de posição contra o Governo Republicano fez
com que Unamuno fosse exonerado da sua função de reitor da Universidade de
Salamanca, cargo que lhe foi outorgado com a chegada das tropas do general
Franco, que liderava uma coalisão de forças unindo as tropas para uma campanha vitoriosa, assumindo o
controle do país.
Um personagem que ganha
destaque no desenrolar da trama, que envolve os dois personagens centrais de Enquanto Durar a Guerra, é o general
Millán-Astray (Eduard Fernández), um estropiado herói de guerra ferido em
combate e que liderava a franja ideológica radical do franquismo, defendendo a
prevalência da morte no embate com a cultura e a inteligência, comandando o
expurgo e a eliminação de comunistas, maçons, homossexuais, artistas e intelectuais. Uma das vitimas foi condenada à
morte porque foi acusada de não ir à missa.
Enquanto Durar a Guerra tem o seu clímax em um
incidente na Universidade de Salamanca, em 12 de outubro de 1936, ou seja, no
terceiro mês desde o início da guerra civil, durante uma aula magna de abertura
do ano letivo presidida por Unamuno, como reitor da instituição. O filósofo
reagiu quando um dos oradores Francisco Maldonado de Guevara, lançou um
candente ataque contra a Catalunha e aos Bascos, etnia de origem de Miguel
Unamuno, qualificando-os de anti-Espanha
e de tumores no sadio corpo da nação e que seriam erradicados
cirurgicamente.
Em seguida, militantes
na platéia reopetiam o lema da Falange: "Viva la
muerte!", ao que Milán-Astray, general falangista também presente
ao ato, respondeu com um costumeiro repto: "Espanha!". Nesse momento um grupo uniformizado de
camisas azuis da Falange invadiu o salão e fez uma saudação oficial com braço direito
para o alto, ao retrato de Franco em uma parede do salão nobre da universidade.
Unamuno, levantou-se e pronunciou o discurso que lhe
rendeu a exoneração do cargo de reitor e a uma prisão domiciliar: “As vezes, permanecer calado equivale a mentir
porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Quero fazer alguns
comentários ao discurso - se posso chamá-lo assim - do professor Maldonado, que
se encontra entre nós. Falou-se aqui da guerra internacional em defesa da civilização
cristã; eu mesmo já fiz isso em outras oportunidades. Mas não, a nossa é tão
somente uma guerra incivil. Vencer não é convencer, e há, sobretudo, que
convencer.” ]
- O ódio, que não deixa
lugar à compaixão, não pode convencer. Um dos oradores aqui presentes é
catalão, nascido em Barcelona e está aqui para ensinar a doutrina cristã, que
vós não quereis conhecer. Eu mesmo nasci em Bilbao e passei a minha vida
ensinando a língua espanhola, a qual desconheceis [...],” complementou.
“Deixarei de lado a ofensa pessoal que se deduz
da repentina explosão contra bascos e catalães, chamando-os de anti-Espanha até
porque com a mesma razão poderiam eles dizer o mesmo,» disse Unamuno, que
naquele momento, era interpelado aos brados pelo general José Millán-Astray , que
nutria um profundo ressentimento contra filósofo e professor, tentando interromper
a sua fala enquanto seus seguidores gritavam o slogan da Falange: «Viva a
morte!»
Ao que Unamuno, replicou: «Acabo de ouvir o necrófilo
e insensato grito de "Viva a morte!". Isto me parece o mesmo que
"Morte à Vida". E eu, que passei minha vida compondo frases
paradoxais que despertavam a ira dos que não as compreendiam, devo dizer, como
especialista na matéria, que esta me parece ridícula e repelente. Como foi
proclamada em homenagem ao último orador, entendo que a ele é dirigida, se bem
que de forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é um
símbolo da morte. O general Milan-Astray é um inválido. Não é necessário dizer
isso com um acento pejorativo pois é, de fato, um inválido de guerra. Cervantes
também o foi. Mas extremos não servem como norma. Desgraçadamente na Espanha
atual há demasiados mutilados”....»
Millán-Astray responde
irritado «Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!» e Unamuno, indiferente
e sem intimidar-se, concluiu: «Este é o
templo da inteligência e eu sou seu sumo sacerdote! Vós estais profanando este
sagrado recinto. Tenho sempre sido, digam o que digam, um profeta de meu
próprio país. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis
porque para convencer há que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não
tendes: razão e direito. Mas me parece inútil cogitar de que pensais na
Espanha».
No filme Unamuno acaba
escapando dos seus antagonistas devido a uma intervenção de Carmen Franco,
mulher do caudilho espanhol, que o puxou pelo braço retirando-o do recinto
conturbado. Unamuno morre dois meses depois em sua prisão domiciliar e seus
dois maiores amigos também foram neste interim executados pelos falangistas,
que também executaram o maior poeta espanhol do século XX, Federico Garcia
Lorca citado de passagem no filme, mas isso é outra história.(Kleber Torres)
Ficha
técnica:
Título : Enquanto Durar a Guerra ( Mientras dure la guerra)
Direção e roteiro : Alejandro Amenábar
Elenco : Kara
Elejalde, Eduard Fernández, Santi Prego, Inma Cuevas, Luis Bermejo Luis Zahera,
Nathalie Poza, Patricia Lopes e Tito Valverde
Gênero: Drama histórico
2019
115 minutos