segunda-feira, 16 de outubro de 2023
As verdades, mentiras e os riscos autoritários na pós covid-19
As verdades, mentiras e novos riscos da pós covid-19
O documentário “In the Same Breath: Verdades e Mentiras da Pandemia"(2121), dirigido e produzido pela cineasta Nanfu Wang, autora de One Child Nation (2019) e Hooligan Sparrow (2016)nos leva a uma revisão e reflexão sobre a origem e a propagação do coronavírus. A narrativa tem como base desde os primeiros dias da pandemia em Wuhan, na China, onde o governo manipulava informações e censurava notícias sobre a doença que impactou o sistema de saúde chinês até sua disseminação pelos Estados Unidos e no mundo, assumindo uma dimensão global.
O documentário narra em 90 minutos as experiências de pessoas na linha de frente ainda nos primeiros dias do novo coronavírus, quando as pacientes morriam nas ruas de Wuhan, além da prisão de médicos e jornalistas chineses que divulgavam informações sobre a covid-19. Outro destaque é para a forma como os dois países lidaram com sua disseminação inicial, desde os primeiros dias do surto na China até sua eclosão nos Estados Unidos.
A pandemia provocou quase sete milhões de mortes no mundo, das quais 722 mil no Brasil, com o registro total de 695.781.740 casos da doença, com a contabilização de 37.849.919 infecções no Brasil.
“In the same breath" além de mostrar a confusão inicial da falta de informações corretas para os médicos e à população, revela as campanhas paralelas das autoridades para tentar conter o vírus, bem como moldar as narrativas públicas por meio de desinformação, resultando em um impacto devastador nos cidadãos dos dois países. De um lado, as autoridades chinesas recorreram ao sistema de lockdown, com isolamento das áreas de maior incidência de casos, enquanto o governo americano subestimou erradamente a propagação e a letalidade do vírus, dificultando o controle da propagação do vírus.
O destaque do documentário, que é dedicado postumamente a todas as vítimas da covid, fica para os relatos dramáticos de profissionais da saúde, pacientes e familiares enlutados narrando seus dramas pessoais. O conjunto é complementado por imagens de Wuhan e de várias cidades e hospitais americanos afetados pela covid-19. No final é feita uma homenagem silenciosa com fotos de pessoas que morreram durante a pandemia na China.
Sem dúvida, a virtude maior do filme é mostrar os erros e omissões oficiais no enfrentamento do contágio pelo vírus e o impacto provocado pela desinformação nas redes sociais ou com difusão de fake news, com relação ao uso de medicamentos e mesmo quanto à vacinação. Um destaque fica para a resistência e a resiliência das pessoas que arriscaram tudo -inclusive suas vidas e a liberdade- para divulgar a verdade sobre uma doença mortal e que assumiu uma dimensão planetária.
O que fica evidente no final da história é que a pandemia terá um fim, mas a coisa mais assustadora já está acontecendo: o aumento do autoritarismo no mundo, com apoio de um crescente arsenal e uma parafernália tecnológica que coloca em risco a nossa privacidade.
Ficha técnica:
Título : In the Same Breath: Verdades e Mentiras da Pandemia
Direção e Produção : Nanfu Wang
Nacionalidade EUA
Ano de produção 2021
90 minutos
Orçamento -
Idiomas: Inglês e Chinês
Colorido
quarta-feira, 4 de outubro de 2023
Um épico sertanejo sobre a luta metafórica entre o bem e o mal
A fusão da lenda medieval da luta de São Jorge contra um dragão com a história de cordel sobre a Chegada de Lampião no Inferno, considerado um clássico do gênero, acabou resultando no filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) , o primeiro longa-metragem a cores de Glauber Rocha (1939-1981), que conquistou o prêmio de melhor diretor no festival de Cannes e foi sucesso de crítica internacional. O filme, de 90 minutos, tem como um dos personagens centrais Antônio das Mortes, um matador de cangaceiros que apareceu em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964).
O Dragão da Maldade é um épico e também em realidade uma obra metalinguística - uma característica do cinema novo - e ao mesmo tempo essencialmente alegórica, revelando um universo do macrocosmo do sertão em que emergem coronéis que se insurgem contra a proposta de reforma agrária, para evitar a perda de poder político e econômico num confronto envolvendo santos, cangaceiros, jagunços ou beatos com a sua religiosidade radical. O filme, que tem como cenário Milagres, na Bahia, é considerado um dos 100 melhores do cinema nacional e chegou a ser censurado pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici, que o liberou mesmo após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) devido à pressão dos diversos prêmios internacionais que conquistou.
Como num filme de faroeste, Antônio das Mortes(Maurício do Valle) ) aparece vestindo uma capa tipo boiadeiro e atravessa a caatinga atirando em todas as direções. Enquanto isso, em Piranhas, o cangaceiro Coirana (Lorival Pariz), ocupa o centro da vila e reúne-se na praça com moradores e o coronel Horácio (Jofre Soares), que divide o poder com o delegado Mattos (Hugo Carvana) e sua mulher, Laura (Odete Lara), indiferente e omissa.
Numa referência alegórica ao apocalipse, o que seria o fim dos tempos ou uma revolução, o cangaceiro anuncia que voltou para enfrentar o dragão da maldade, que seria o símbolo do próprio establishment (sistema). O discurso foi acompanhado pelo professor (Othon Bastos) e pelo cego Antão (Mário Gusmão) que aparece como uma espécie de avatar de São Jorge e Oxossi.
Ao mesmo tempo, Antônio das Mortes conta, em um monólogo numa pequena venda, como encontrou Lampião que o convidou para entrar no cangaço, o que deixou Corisco enciumado. Corisco ainda propôs ao rei do cangaço matar Antônio das Mortes, o que foi recusado por Lampião dizendo que não, pois ele era um cabra macho. No desenredo da narrativa, Antônio das Mortes conta que acabou perseguindo aos cangaceiros e eliminando o suposto rival. Agora, ele volta ao sertão com sua capa, chapéu e rifle papo amarelo para enfrentar os novos cangaceiros em Piranhas.
Nos preparativos para o confronto final, que no filme é comparado com a chegada de Lampião nos infernos, um clássico cordel de José Pacheco, tendo como metáfora ao próprio o calor do sertão (inferno), um velho coronel - o diabo - que questiona aos jagunços, a quem considera como mercenários os quais trazem mais problemas, se contrapondo ideologicamente ao delegado Mattos, seu aliado, que defende o combate à violência instaurada pelo cangaço e um modelo econômico agroindustrial. O delegado sonha se projetar na seara da política, com um discurso populista.
Na sua estratégia de pacificação do sertão, o delegado apresenta ideias reformistas. Ele pretende substituir os latifúndios improdutivos por fábricas visando gerar mais emprego e renda para a população. A sua visão se contrapõe com a do velho coronel que teme perder suas terras, seus rebanhos e o poder que detém na comunidade.
Mattos e Laura, que têm um caso amoroso, participam de uma sequência antológica no filme com uma canja de Carinhoso, de Pixinguinha. A música do filme tem a assinatura de Marlos Nobre e Walter Queiróz, que resgatam músicas do folclore e de matriz africana, além de Sérgio Ricardo, que contribuiu na trilha sonora de Deus e o Diaboi na Terra do Sol e desta vez, com Antônio das Mortes, exaltando o matador de cangaceiros.
Em outra sequência, Coirana, diz para a Santa Bárbara (Rosa Maria Penna) que é hora de queimar os vivos e destruir as cidades. Nesse ínterim, beatos, jagunços e cangaceiros voltam à pequena vila onde haverá o confronto de Coirana e seu grupo com Antônio das Mortes, que tem a ajuda do professor.
O cangaceiro anuncia “que homem vai virar mulher, mulher vai pedir perdão. Prisioneiro vai ficar livre, carcereiro vai para a cadeia ". Antônio das Mortes tem dúvida se Coirana é um cangaceiro de verdade ou uma visagem. Na disputa, Coirana cai, é ferido e Santa Bárbara interfere impedindo que seja morto, o que conta com a condescendência do matador de cangaceiros.
Ferido, Coirana é levado ferido para vila, onde o coronel temeroso argumenta que é um homem bom que se preocupa com a comunidade, iniciando a distribuição de farinha e carne seca para a população. Ele também critica o governo que arrecada impostos e não manda dinheiro para nada.
Gravemente ferido e deitado num balcão de bar, Coirana delira, nos estertores da morte, sendo levado para fora, colocado aos pés da Santa Bárbara. Antônio das Mortes indaga à Santa sobre de onde veio Coirana, pois acreditava ter sido Corisco o último cangaceiro. Ele diz que está cansado de lutar e não quer matar mais ninguém. A Santa orienta:"Vá embora e cruze os caminhos do fogo do mundo pedindo perdão pelos crimes que cometeu".
Coirana diz que Antônio das Mortes seria Dragão da Maldade, e acredita que ele é protegido por colete de ouro que o protege de balas. Em Piranhas, o matador de cangaceiros sugere a Mattos, que peça ao Coronel abrir o armazém e dê comida ao bando de Coirana, que poderia deixar o cangaço e se estabelecer como agricultor. O Coronel recusa abrir o armazém, e quer liquidar Antônio das Mortes que vê como um antagonista convocando para isso Mata-Vaca(Vinicius Salvatori) e seus jagunços.
Mattos, que pretendia ser prefeito de Piranhas, quer que o matador de cangaceiros deixe a vila e se chegar ao poder através das eleições, pretende resolver o problema de todo mundo. Neste ínterim, o coronel descobre que Mattos é amante de Laura, sua mulher, a quem obriga beijá-lo diante da população. Como numa tragédia grega, Laura pega o punhal de Mata-Vaca e crava no peito do amante.
Com a morte de Coirana é confirmada, Antônio das Mortes quer enterrá-lo na caatinga. Na vila, o Professor arrasta o corpo de Mattos, e é seguido por Laura num vestido roxo, insinuação de luto e tristeza. O padre da vila avisa o Professor que Mata-Vaca vai matar os beatos, e quer que procurem Antônio, mas este, com o corpo de Coirana às costas, atravessa o sertão para sepultamento.
Tudo termina com Coronel e Laura, sentados numa marquesa, enquanto o Professor anuncia que sua hora vai chegar. Já Antônio e Mata-Vaca se enfrentam numa luta facões. Depois, há um tiroteio e Laura é mortalmente ferida. Aí, aparece o cego Antão - que não tem nenhuma fala no filme - vestido com as roupas de Oxóssi e enfia a lança no coração do Coronel expondo as metáforas da luta de São Jorge, o Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade.
O Professor, anda com o corpo de Laura entre os braços e beija sua boca. Antônio das Mortes deixa o povoado e caminha lentamente pela rodovia asfaltada, onde os caminhões passam junto a um posto da Esso, e na tela são projetadas imagens de São Jorge matando o dragão, uma lenda que ganhou corpo na ficção e se projetou nas telas para o mundo conqusitando prêmios e gerando polêmicas sobre os caminhos do cinema novo, que é muito mais e transcende os limites de uma ideia na cabeça e uma câmera nas mãos.(Kleber Torres)
Ficha técnica
Título : O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro
Direção e Roteiro : Glauber Rocha
Elenco :Maurício do Vale, Odete Lara, Othon Bastos, Hugo Carvana, Jofre Soares, Lorival Paris, Mário Gusmão, Vinicius Salvatori e Santi Scaldaferri
Música : Marlos Nobre, Walter Queiróz e Sérgio Ricardo
Cinematografia : Afonso Beato
Montagem : Eduardo Escorel
Brasil
1969
95 minutos
domingo, 1 de outubro de 2023
Bad ass ou as aventuras de um super herói cucaracho que virou série cinematográfica
Como obra de questionamento e contestação do tradicional estilo americano de vida, o filme Bad Ass - Acima da Lei (2012) acabou se transformando numa trilogia complementada por Bad Asses (2014) e Bad asses on the bayou (2015) mostrando a ação de anti herói hispano-americano Frank Vega (Danny Trejo), um personagem idoso, machão, totalmente fora dos padrões tradicionais do wasp, ou seja, do branco, anglo-saxão protestante que formou ao longo do tempo as bases da sociedade estadunidense.
Ele é interpretado na fase da juventude dos 17 aos 25 anos pelo ator Shalim Ortiz, que acaba perdendo a namorada em função da guerra e não se ajustou ao mercado formal de trabalho. O fato é que ao retornar à sua terra, Las Vegas, ele foi simplesmente considerado um cidadão invisível na sociedade americana, marginalizado, sem acesso às redes sociais, vivendo sozinho, desempregado, dependendo da ajuda mãe, de quem acaba herdando a casa onde passou a residir.
Sem acesso ao mercado formal de trabalho porque não tinha experiência ou qualquer formação profissional e sem acesso ao sistema educacional americano, ele passou a viver marginalmente, recebendo uma ajuda média mensal de 500 dólares como compensação a um veterano cansado de guerra.
Sua situação muda radicalmente quando ele se envolve num incidente racial, nocauteando um grupo de skinheads que atacaram um idoso negro num ônibus urbano. A filmagem da cena viraliza e vira meme repercutindo nas redes sociais, assim, ele se torna instantaneamente um herói local, passando a ser conhecido pelas pessoa como durão (bad ass).
O filme que também envolve o politicamente incorreto, tem diálogos como o de um personagem que o mandou à m* e Vega simplesmente responde: “tudo bem”, o que seria normal para talvez um dos únicos personagens da terra possivelmente sem acesso a uma rede social. Ao ter seu nome inserido na internet, ele ganhou 50 solicitações de amizade em um minuto ao ser reconhecido como bad ass.
O personagem também se vestia, segundo o filho da sua namorada de origem mexicana e que foi casada no um um negro, com as roupas de quem voltou da guerra de secessão na segunda metade do século XIX.
Vega acaba se envolvendo em incidentes com ladrões e foras lei, o que o aproximou dos policiais locais e contribuiu na difusão de sua fama de justiceiro. A coisa se complica quando o seu melhor amigo é assassinado, e a polícia não parece disposta a ajudar, um caso de corrupção envolvendo Williams (Ron Perlman) o prefeito da cidade e seu comparsa, o líder de uma gang urbana o Pantera (Charles S. Dutrton), envolvidos no desvio de US$ 7 milhões de um programa de habitação popular.
O fato é que Vega decide fazer com as próprias mãos, enfrentando gangsters, policiais venais e um prefeito corrupto fazendo prevalecer a justiça depois de detonar dois ônibus numa perseguição insana e ainda conquistando de quebra uma mulher muito mais jovem (Joyful Drake), isso no final do primeiro round e que ganhou desdobramentos em 2014 e 2014 desfilando entre o humor, a violência e a contestação do próprio sistema político, econômico e social. (Kleber Torres)
Ficha técnica
Título : Bad ass - acima da lei
Diretor : Craig Moss
Roteiro : Craig Moss e Elliot Tishman
Elenco : Danny Trejo, Charles S. Dutton, Ron Perlman, Joyful Drake, Patrick Fabian, John Duffy, Shalim Ortiz, e Winter Avezoll
Cinematografia : John Barr
EUA
2012
90 minutos
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