segunda-feira, 26 de agosto de 2024

As várias faces conspiratórias de um guerreiro na eterna luta contra a verdade

Um dos canônes do jornalismo ensina que não se briga com a notícia. Este é o tema do filme Alex Jones: uma guerra contra a verdade (The true x Alex Jones), narrando a história do apresentador e influenciador digital condenado a pagar uma indenização de US$ 1 bilhão por seus comentários negando o massacre na escola Sandy Hook, em Connecticut, ocorrido em 2012, onde 26 pessoas, incluindo 20 crianças e seis professores foram executadas a tiros. Jones, considerado um dos principais teoricos conservacionistas da América, afirmava que o massacre era uma farsa montada pelo governo americano para inibir a venda de armas nos Estados Unidos e mostrava as famílias das vítimas – que não existiam – eram apenas atores de uma grande farsa cospiratória montada pelo sistema. As alegações que deixaram 25% dos americanos, o que representa um contingente de 75 milhões de pessoas, duvidando dos crimes, resultou em assédio e ameaças inclusive de morte às famílias das vítimas, que decidiram processá-lo por difamação. Em vários julgamentos, alguns deles à revelia, jurados condenaram Alex Jones e sua empresa, a Infowars, que faturava támbém com a venda de vitaminas importadas da China, a pagar uma indenização que ultrapassa a cifra bilionária por danos compensatórios e punitivos. O objetivo da punição seria a de responsabilizar e desestimular futuras desinformações de natureza semelhante, inibindo a produção de fake news que hoje pululam airosas nas redes sociais de todo o mundo. O filme, dirigido por Dan Reed, mostra como a justiça pode ser aplicada para responsabilizar figuras públicas que espalham mentiras com impacto na vida cotidiana das pessoas. Na sua defesa, Alex Jones alegava que lutava contra a mídia corporativa e uma grande conspiração internacional envolvendo paranóia e poder. Ele juntamente com a sua empresa, Infowars, entraram com pedidos de falência após as sentenças, complicando assim o processo de pagamento das indenizações às vítimas de Sandy Hook. Com uma narrativa instigante e intensa o documentário consegue manter o espectador envolvido ao explorar o impacto da ação Alex Jones na mídia e na sociedade, através da apresentação de vídeos antigos sobre a chacina, entrevistas e trechos de programas com comentários de Alex Jones contribuindo para criar uma narrativa dinâmica que reflete o caos e a intensidade que ele representa com as suas narrativas até certo ponto convincentes. O filme questiona o papel do apresentador na disseminação de desinformação e como suas ações impactaram negativamente o debate público sobre o incidente, além de levantar questões importantes sobre a responsabilidade social da mídia na difusão da informação e a linha tênue que separa a liberdade de expressão e discurso de ódio. O clima reflete também aspectos da divisão ideológica que hoje divide a sociedade americana e de outros países como o Brasil. Como contraponto embora o documentário apresente pontos relevantes da questão das teorias conspiratórias, ele falha em explorar de forma mais profunda as motivações de Alex Jones e o fenômeno da desinformação e da manipulação da informações. Isso acaba deixando a análise de certa forma superficial, sem descer em profundide às raizes políticas do processso para fornecer uma compreensão mais completa das origens do populismo midiático que é explorado igualmente por demagogos de direita e de esquerda, com o suporte das redes sociais. Há também em alguns momentos do filme, quem veja que o documentário cai na mesma armadilha que critica, utilizando técnicas de edição cinematográfica e trilhas sonoras para amplificar o drama das vítimas e das famílias de maneira desnecessária, o que fornece argumentos em favor de Alex Jones useiro e vezeiro dos recursos sensacionalistas para conquistar audiência dos seus programas na rede de rádio Genesis Communications Network, pela WWCR ou através da internet. O fato é que além dos processos de difamação pelos quais foi condenado a pagar indenizações bilionárias, através de várias ações movidas por diferentes famílias das vítimas de Sandy Hook, no Texas e Connecticut, Alex Jones responde a ações por assédio sexual – caso rersolvido através de um acordo com uma ex-funcinária da Inforwars -e a processos por violações de direitos autorais ao usar indevidamente músicas no seu programa. Aainda durante a pandemia de Covid-19, ele foi alvo de várias ações judiciais e regulatórias por promover curas falsas e desacreditar as medidas de saúde pública, ao vender produtos alegando que eles podiam curar ou prevenir a Covid-19, uma prática que foi amplamente criticada e que levou a multas e ordens para suspensão das vendas, o que nem sempre respeitou. Como um reicidente que se presa, Jones também poderá ser condenado em processos relacionados ao ataque por grupos radicais que apoiava ao Capitólio em janeiro de 2021, o que é outra história. A lição maior ainda é a do draumaturgo grego Ésquilo, que viveu há 2,5 mil anos, observando que numa guerra a primeira vítima é a verdade. (Kleber Torres) Ficha técnica : Título : Alex Jones: Uma Guerra contra a Verdade (The Truth vs Alex Jones) Direção : Dan Reed Gênero : Documentário / Policial Ano Lançamento : 2024 País : Estados Unidos Duração : 121 minutos

domingo, 4 de agosto de 2024

A arte acima das tragédias pessoais, da guerra e da própria fé

Um dos precursores do existencialismo, Ortega y Gasset considerava que o homem é ele e as suas circunstâncias. O filme Quando os sinos tocam (2024), de Joshua Enck, retrata poeticamente o drama do consagrado vate americano Henry Wadsworth Longfellow(1807-1882) interpretado pelo ator Stephen Atherholt, autor de The Song of Hiawatha, A psalm of life, Paul Revere’s Ride, Voices of the night e Hyperion, uma novela romãntica de suas viagens à Europa, onde perdeu a primeira mulher após um aborto, que para de escrever durante a Guerra de Secessão (1861-1865), depois de atingido por uma tragédia familiar, o que colocou em xeque a sua fé e mata a sua inspiração. Embora pouco conhecido no Brasil, Henry Wadsworth Longfellow foi um influente poeta e educador americano do século XIX, que marcou posição no combate à escravidão. Ele também se tornou uma celebridade influente nos meios políticos e ficou conhecido como profeta da nação, por suas obras líricas e narrativas, além de ter traduzido A Divina Comédia, um clássico de Dante Alighieri. Longfellow era um autor tão popular que num só dia, vendeu num lançamento em Londres, mais de 10 mil exemplares de um dos seus livros, que se tornou um best seller fora dos Estados Unidos. O seu drama pessoal começa com a morte da sua mulher Fanny Longfellow (Rachel Dau Hughes), que o chamava de “meu poeta” e a quem Henry considerava “minha poesia”, uma das suas críticas e a quem considerava como uma espécie de musa inspiradora, morta num incêndio que ele não consegue controlar. A sua depressão se agrava em função da Guerra de Secessão (1861-1865), que custou mais de um milhão de vidas de americanos envolvidos numa guerra fraticida entre o sul e o norte dos Estados Unidos, após a libertação dos escravos. O conflito atinge a família do poeta, cujo filho Charley Longfellow (Jonathan Blair) se alista e acaba gravemente ferido, mesmo sendo protegido por oficiais superiores que lhe davam tarefas fora das linhas de combate. Deprimido o poeta questiona a sua fé em Deus e na arte ao declarar: “se Deus me deu uma voz de poeta, porquê ele tirou a poesia de mim?” Para ele o problema é que quando o tempo tem cheiro de pólvora, a literatura e por extensão a arte perdem o sentido, o que também ocorre nos dias atuais. O recomeço fica por conta da volta do filho pródigo, que se recupera em casa dos graves ferimentos numa emboscada e que lhe descreve poeticamente o que viu quando ferido e abrigado numa igreja metralhada pelo exército sulista. A torre da igreja caira depois de um bombardeio e o sino, mesmo no chão, ainda tocava. A retomar a sua arte, o poeta também reconstruiu com os filhos os laços familiares e a sua fé expressa no trecho de um dos seus poemas: “o amanhecer está próximo, a noite é estrelada. O amor é eterno!Deus permanece Deus, e sua fé não faltará; Cristo é eterno”! O filme busca a ligação possível entre o cinema e a poesia, que pode estar em toda parte, inclusive no deserto e até descansando no vazio das idéias ou esperando sempre no espaço em branco de uma folha qualquer de papel ou de uma tela.(Kleber Torres) Ficha técnica: Título : I heard the bells (Quando os sinos tocam) Direção : Joshua Enck Roteiro : Joshua Enck e Jeff Bender Elenco: Stephen Atherholt, Rachel Day Hughes, Jonathan Blair, Ava Munn e Zach Heeker Direção de Fotografia : Steve Buckwalter Música : Chad Marriot Estados Unidos 115 minutos 2024