segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Uma terra de ninguém sem placa, polícia ou coleta de lixo
A primeira lição do documentário "Depois da Verdade — Desinformação e o Custo das Fake News" é que ”não acredite em nada que você ouve e somente na metade do que você vê” e que não existe mais verdade, mas verdades e narrativas que podem ser conflitantes, mas nem sempre racionais. Tendo como referência casos concretos de desinformação e até de um assassinato, o filme envolve uma tentativa jornalística para mapear a cadeia de produção, circulação, efeitos das notícias falsas e seus riscos para a democracia. O documentário mostra ainda períodos em que a desinformação ganhou vida própria e como passou a influenciar ações do público, gerando mobilizações ou com impacto através da violência e da polarização política.
O diretor Andrew Rossi promove uma investigação sobre fake news, alternando depoimentos, imagens de arquivo e revelando casos como o da operação Jade Helm, das forças armadas em quatro estados americanos, tendo como base Bastrop, no Texas, e que virou uma fake news sobre a suposta criação de campos de concentração para prender opositores de Barack Obama, em 2015 ou ainda o caso da pizzaria Comet, o Pizzagate, que ganhou repercussão através de boatos sobre pedofilia, o que gerou ameaças de morte aos proprietários e respectivos empregados. A desinformação chegou a um ponto que um homem invadiu o estabelecimento armado de fuzil para tentar liberar crianças supostamente em cativeiro, mas acabou contido pela polícia.
O filme revela imagens da profissionalização da mentira através dos mais diversos atores, o que envolve desde agências digitais para a produção de notícias falsas em campanhas políticas até grupos ideológicos de direita e esquerda, além de operadores como Jack Buckan, que admite usar fake news através da exposição de tudo sobre os possíveis adversários, deixando o resto para o público julgar. O ponto em comum nestes processos é que todos eles convergem para um ecossistema que transforma boatos em verdades aceitas e divulgadas maciçamente através das redes sociais e plataformas.
Já a investigação em torno do assassinato de Seth Rich, integrante do Comite Nacional dos Democratas, num aparente assalto, evidencia como teorias conspiratórias extrapolam os amplos limites das fronteiras digitais e ecoam no mundo real. O crime se desdobrou em mais outras vertentes com boatos de uma operação financiada pelos russos aliados à direita americana ou ainda consequência de uma dissidência entre a vítima e Hilary Clinton, candidata à presidência dos Estados Unidos e que teve seus e-mails pessoais vazados.
A evidência que fica é de que hoje as pessoas não conseguem distinguir as notíciais factuais em especial quando elas chegam online pelos canais digitais. O sistema envolve desde criadores de conteúdo inescrupulosos até as plataformas que monetizam o alcance através de um sistema lucrativo de impulsionamento de informações e produtos. O documentária tenta revelar os mecanismos algorítmicos e econômicos que amplificam a mentira, mostrando também as falhas legais, institucionais e lacunas regulatórias que permitem a circulação das fake news.
Embora centrado na realidade dos Estados Unidos e na década passada, o problema da desinformação não está restrito à realidade americana, mas extrapola este limites políticos e geográficos para assumir uma dimensão global e que chega a todo momento às pessoas numa espécie de banho de lixo ou jogando merda pelo ventilador através da internet. Ha ainda referências a um projeto no Alabama em que grupos de esquerda se fingiam de conservadores produzindo informações e notícias para minar os eleitores de um candidato Repúblicano.
“Depois da Verdade" alerta e orienta o espectador sobre os perigos de um período em que a verdade se tornou relativa e em que os fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública dos que os apelos a emoções e crenças pessoais, o que é agravado com a geração de imagens e vozes falsas com uso da inteligência artficial. O que ele não revela são as consequências das fake news, com seu teor explosivo e potencialmente ameaçador para a vida democrática ou para a instauração de regimes autoritários afetando até mesmo para credibilidade da própria mídia, que foi acusada no filme pelo presidente Trump, ainda no seu primeiro mandato no filme, como geradora de notícias falsas e os seus seguidores tratavam os jornalistas como idiotas. Neste contexto, a internet é vista metaforicamente como uma terra sem fronteiras, sem placas, sem polícia ou coleta de lixo. (Kleber Torres)
Ficha Técnica
Título original
After Truth: Disinformation and the Cost of Fake News / Depois da Verdade: Desinformação e o Custo das Fake News
Direção
Andrew Rossi
Gênero
Documentário
Ano de produção
2020
País de origem
Estados Unidos
Duração
95 minutos
Distribuição
HBO
Participações
Donald Trump , Hillary Clinton
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