sábado, 6 de dezembro de 2025
Afinal, em nome de quem a lei se vinga ?
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“Não Matarás” ou melhor “Krótki film o zabijaniu” que significa em polonês filme sobre o ato de matar, dirigido por Krzysztof Kieślowski em 1988 é considerado um dos filmes mais impactantes do cinema polonês moderno, ao apresentar uum retrato cru e perturbador sobre violência e punição, uma polêmica que transcende os limites do tempo. A história remete o espectador à Polônia dos anos 1980, onde Jacek Lazar, interpretado por Mirosław Baka, um jovem desempregado, desajustado e sem rumo, assassina de forma fria e brutal um motorista de táxi para ficar com o seu carro.
Preso por latrocínio e autor de um crime hediondo com requintes de crueldade – esgana, corta o pescoço da vitima, envolve seu corpo numa manta e desova o cadáver na margem de um rio depois de esmagar o seu rosto com uma pedra, Lazar passa a ser defendido por Piotr Balicki (Krzysztof Globisz) um advogado recém-formado e idealista, que tenta evitar de toda forma a sua condenação à pena capital. O caso se transforma em um retrato perturbador da sociedade polonesa e abre espaço para uma ampla discussão sobre a pena de morte e o ciclo da violência na sociedade moderna.
O filme é uma expansão do episódio 5 do seu célebre Decálogo, e se tornou uma obra-prima ao confrontar diretamente a questão da pena de morte. Não Matarás revela com uma certa lentidão uma Varsóvia cinzenta e opressiva, marcada por uma paleta de cores que reflete o período, através de tons verdes e amarelos escurecidos. Essa estética visual não é mero detalhe, pois traduz a atmosfera sufocante de uma sociedade mergulhada na violência e na burocracia.
Kieslowski adota uma abordagem realista e visceral, sem truques narrativos ou reviravoltas. O espectador é confrontado com a brutalidade da vida cotidiana e com a frieza das instituições. A narrativa acompanha três trajetórias distintas como a de um jovem desajustado que comete um assassinato brutal, da vítima, e de um advogado recém-formado que defende o acusado procurando recursos em todas as instâncias para protelar a sua execução.
O filme expõe a violência em duas camadas distintas, seja através da ótica de um crime grave cometido pelo jovem desajustado e pela violência institucional da pena de morte. Kieslowski deixa claro que ambas são igualmente desumanas e questiona por exemplo em nome de quem a lei se vinga? O diretor sugere que a punição não previne crimes, mas apenas perpetua um ciclo de violência que se reproduz automaticamente. A direção de Kieslowski é marcada por planos longos, lentos e sufocantes, que obrigam o espectador a encarar a brutalidade sem concessões.
A cena do assassinato é filmada de forma lenta e quase constrangedora, para que o público sinta o peso da violência. Em contraste, a execução do jovem é mostrada com a mesma frieza burocrática, revelando que o Estado não é menos cruel que o criminoso, através do trabalho criterioso do carrasco que o executa.
Assim, “Não Matarás” não é apenas um filme sobre crime e castigo, título de uma obra prima de Fiódor Dostoiévski; é um libelo contra a pena de morte e contra a banalização da violência já identificada por Hannah Arendt no processo que condenou o carrasco nazista Adolf Eichmann, em 1961, o qual se mostrou no tribunal como um afável pai de família, cidadão exemplar e que apenas cumpria ordens do sistema. Kieslowski não oferece respostas prontas, mas força o espectador a refletir sobre a moralidade da justiça e sobre a transitoriedade da vida humana, que é curta e passageira.
Alguns críticos vêem similaridades entre o filme e o romance Crime e Castigo. A obra de Dostoiévski apresenta Raskólnikov, um jovem que assassina uma velha agiota acreditando que poderia justificar o crime por um bem maior. O romance mergulha na sua consciência atormentada, expondo dilemas éticos e religiosos sobre culpa e redenção e foca a atenção do leitor na interioridade, na angústia existencial e na busca por sentido espiritual do personagem. Em Crime e Castigo, a punição é psicológica e espiritual, culminando na confissão do delito e no caminho para a redenção, se isso é possível.
Não Matarás acompanha Jacek, um jovem que comete um assassinato brutal aparentemente sem motivo. Kieslowski, em vez de explorar a psicologia profunda como Dostoiévski, mostra a violência nua e crua e depois a punição estatal, questionando se a pena de morte é moralmente diferente do crime, centrando o foco na exterioridade, na brutalidade visual e na crítica social e política. Em ambos os casos, o crime emerge não apenas como um ato físico, mas um catalisador de reflexões sobre justiça, moralidade e a própria condição humana.
A questão central está na contraposição entre a violência individual e a do Estado, que acaba gerando um ciclo interminável sobre morte e a vingança com a chancela oficial, um sistema anônimo, pesado e burocrático, mas também sem qualquer justificativa ética ou moral. (Kleber Torres)
Ficha Técnica
Título Original: Krótki film o zabijaniu / Não Matarás
Direção: Krzysztof Kieślowski
Roteiro: Krzysztof Kieślowski, Krzysztof Piesiewicz
Elenco: Mirosław Baka, Krzysztof Globisz, Jan Tesarz e Aleksander Bednarz
Fotografia: Sławomir Idziak
Montagem: Ewa Smal
Direção de Arte: Halina Dobrowolska
Música: Zbigniew Preisner
Ano de Produção: 1988
País : Polônia
Gênero: Drama, Crime
Duração: 84 minutos
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