sábado, 16 de maio de 2015

O anjo embriagado de Akira Kurosawa

        



        
  Uma ampla reflexão sobre mundo do pós guerra, com a derrota do Japão pelos Estados Unidos e a conseqüente americanização da sociedade nipônica, o que se observa nos nomes em inglês de entidades de atendimento social e até de bares como o Bolero, onde se dança música gringa – dos green coats ou casacos verdes dos soldados ianques -, o filme Yoidore tenshi (酔いどれ天使), que em português recebeu o titulo de O anjo embriagado, aparece como uma grande metáfora de tudo. Escrito  e dirigido por Akira Kurosawa, em 1948, o filme também aparece como uma metáfora de um grande lamaçal – seria o pais ou o mundo - que contamina as pessoas e compromete a sua saúde.
          Estrelado por Takashi Shimura, um médico alcoólatra e consumidor de saquê que trata sem anestesia a um jovem mafioso ligado à yakuza  Matsunaga (Toshiro Mifune) depois de uma briga com uma gang rival. O médico  suspeita  que ele esta  tuberculoso, e além de pedir um exame raio-x tenta  convencê-lo  a começar um tratamento à base de repouso e superalimentação.
          Os dois se tornam amigos até que o chefe do mafioso prisão e tenta reunir seu grupo novamente, promovendo festas e bebedeiras, o que deixa Matsunaga ainda mais fraco e cada vez mais debililitado. O paciente para de seguir o tratamento orientado pelo amigo, que ameaça até de morte, enquanto o mafioso vem sendo preterido e abandonado pelos amigos e ex-aliados, que o isolam
          Para Kurosawa este foi o primeiro filme que pode dirigir sem a tutela oficial do governo, dando assim vazão a um projeto pessoal para  retratar a sociedade japonesa  no pós guerra e ao mesmo tempo fazendo uma reflexão sobre a violência e as suas conseqüências, afinal mudar as pessoas com uma abordagem razoável, é o melhor remédio para a vida. O filme também retrata em preto e branco os bastidores do  submundo do crime e da própria sociedade japonesa mostrando a força da máfia num país em crise, empobrecido  e que teve de fazer muitos sacrifícios inúteis, como justifica um dos seus personagens.
          O filme também realça um  protagonista como  uma espécie de anti-heroi e um bad-boy, que tenta a conquista e o domínio machista das mulheres. Ele marca o início de uma rica parceria do cineasta com Toshirō Mifune, então um egresso  do exército  imperial nipônico, que interpretou o homem emagrecido pela tuberculose. Kurosawa consegue fundir a ação característica de um filme de gangsteres no estilo dos filmes noir americanos tendo como pano de fundo a luta pela sobrevivência e a liberdade, num país que conviveu na primeira metade do século 20 com um aumento dos casos de tuberculose e enfrentou problemas com o fim  de uma guerra sangrenta e com muitas perdas humanas.
          Num determinado momento em que discute com o paciente o médico diz: “o homem doente e a criança não têm honra”, numa alusão ao código de honra da yakuza, que tem como anteparo a lenda dos samurais, mas que é desprezado pelos mafiosos que jogam uns trocados para o ex-sócio e investem na expectativa da sua morte em função de uma doença debilitante.
          O anjo embriagado termina numa luta ente Matsunaga, debilitado pela doença e um mafioso covarde, que quase entrega os pontos quando percebeu o adversário armado com uma faca. Como o filme era em p & b, Kurozawa os faz rolar sobre uma tinta cor branca durante uma  luta no hall da entrada de um apartamento dando uma maior dramaticidade e movimentação à própria sequência. 
          Mas, Matsunaga acaba ferido mortalmente e agoniza numa varanda,  o que simboliza a sua saída  definitiva  do mundo do  crime e ao mesmo tempo a sua libertação. O  filme termina com o médico reassumindo a sua vida e o seu trabalho, junto a uma jovem estudante que se prepara para atuar na área de saúde e uma mulher que se afasta do crime e do lamaçal. O  filme também tem uma cena interessante e primitiva de um efeito especial onírico, em que Matsunaga era perseguido pela sua própria sombra ou alter-ego. (Kleber Torres - do livro Princípio das Ideias)

Ficha técnica
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa e Keinosuke Uegusa
Elenco: Takashi Shimura, Toshirô Mifune e Reisaburo Yamamoto
Gênero – drama/suspense
Música: Fumio Hayasaka
País   Japão

98 minutos

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